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    Depois de nossa conversa, Selune saiu da mansão.

    — Vou andar pelas ruas, ocupar minha mente — ela disse, com um tom que não convidava à discussão.

    Eu, por outro lado, tinha outras preocupações. Gérard, claramente de má vontade, e Claire, com olhos brilhantes de expectativa e excitação, me esperavam no gramado. Nosso destino era o Matadouro. Eu tinha uma semana para deixá-los aptos para o combate. Esse era o acordo com Rosa.

    Chamei Nix e Karlom para se juntarem a nós, e partimos sem a necessidade de Marcus como guia. Eu já conhecia o trajeto. Dante Avaris, o recém-designado guarda-costas de Claire, nos seguiu com uma curiosidade mal disfarçada. Sua presença me incomodava. Se ele resolvesse se opor aos nossos planos, como eu imaginava que faria, teríamos um problema.

    Ao chegarmos, entramos pelo bar. Rosa já havia avisado sobre nossa visita, e o acesso foi tranquilo. Dante absorvia cada detalhe do ambiente com a atenção meticulosa de um soldado. Uma ideia começou a se formar em minha mente enquanto o observava.

    Quando pisamos na areia da arena, parei e me virei para ele.

    — Este é um lugar clandestino. Vamos usar essa arena para ficarmos mais fortes. Claire está no meu time e faz parte de um pequeno grupo de pessoas que me importam e quero proteger. Ser mais forte só trará benefícios a ela.

    Dante me encarou com um olhar calculista, avaliando cada palavra.

    — Não posso, sob hipótese alguma, concordar com algo que possa feri-la.

    Suspirei, mantendo o tom calmo.

    — O risco aqui é mínimo. Claro, há chances de ela se machucar, mas não existe nada na vida que seja absolutamente seguro. Não tranquiliza saber que ela poderá se defender em uma situação de necessidade?

    Ele apertou os olhos, seu semblante endurecendo.

    — Não é essa a questão. Eu tenho ordens. Ordens claras.

    A tensão continuava a crescer entre nós, como uma corda prestes a estourar. Era óbvio que Dante não só impediria Claire de treinar, mas também reportaria nossas ações. Não podia permitir isso.

    Cocei a cabeça, deixando escapar um suspiro, e chamei todos para perto.

    — Gérard e Claire, vamos começar com o básico. Quero ver vocês melhorarem o condicionamento físico. Vinte voltas na arena, agora. Karlom e Nix, fiquem de olho neles. Quero que sigam o ritmo direito.

    Eles obedeceram sem questionar, dispersando-se rapidamente.

    Voltei-me para Dante, mantendo meu tom firme.

    — Já que você não vai deixar Claire treinar, quero ver se é mesmo capaz de protegê-la. Vamos duelar.

    Dante franziu os lábios, irritado com minha provocação. Seu olhar me avaliava como se tentasse medir meu real objetivo.

    Fui para minha posição, sacando minha espada, enquanto comunicava-me mentalmente com minha sombra. “Preciso saber como invocar uma semente de carniçal.” Não havia mais dúvidas. Estava decidido a resolver isso da maneira que fosse necessária.

    Os outros estavam distraídos com suas tarefas. Agora éramos apenas eu e Dante no centro da arena, cercados pela areia quente e pelo silêncio expectante.

    Ele sacou sua espada, assumindo uma postura de combate que denunciava sua falta de experiência em situações reais. Seus movimentos eram rígidos, mecânicos, típicos de alguém treinado apenas para impressionar. Sorri para mim mesmo. As lições de Karlom e minhas batalhas anteriores me colocavam em vantagem.

    Antes de dar a ordem para começar, mergulhei em meu núcleo de mana, deixando o miasma escuro e viscoso fluir pelo meu corpo. Dante hesitou, como se sentisse o peso sombrio no ar. Então, sem aviso, ele avançou, lançando um golpe direto à minha cabeça.

    Bloqueei o ataque com facilidade e aproveitei a oportunidade de sua aproximação.

    “Agora.” — Minha sombra sibilou.

    Concentrei-me na runa da semente de carniçal, visualizando sua forma simples, mas poderosa. A luta real seria superar a força de vontade de Dante para que a semente se alojasse em sua mente.

    Ele resistiu, mas minha determinação foi maior. Cada momento da minha vida, cada sofrimento, cada transformação, alimentava minha força. Senti suas defesas mentais cederem, e, em segundos, ele caiu na areia, os olhos revirados e espuma escapando de sua boca.

    As ordens que implantei na semente eram claras e irrevogáveis: ser fiel a mim e a Claire, obedecer nossas ordens acima de tudo, jamais revelar nossos segredos e, acima de tudo, nunca permitir que outros soubessem sobre a semente que agora habitava sua mente, incluindo Claire.

    Observei Dante imóvel na areia, a respiração voltando ao normal. Não sentia orgulho, apenas alívio. Um obstáculo havia sido removido. A arena estava novamente em silêncio, exceto pelo som dos outros ao fundo.

    Levantei-me, o suor escorrendo pela testa, e olhei para Dante caído na areia. Murmurei baixo, talvez para ele, talvez para mim mesmo:

    — Eu tentei conversar… Você fez isso consigo mesmo.

    O silêncio que se seguiu foi interrompido pelo som de passos rápidos. Todos correram em minha direção, claramente alarmados. Karlom e Nix me lançaram olhares estranhos, carregados de desconfiança. Ambos haviam testemunhado o que aconteceu com Jorjen naquela noite, mas Gérard e Claire não sabiam de nada, e eu preferia que continuasse assim.

    Pensei rápido, ajustando meu tom para algo casual.

    — Está tudo bem. Estávamos nos testando, só isso. Acertei a cabeça dele com o pomo da espada. Não foi nada sério, ele vai acordar em breve.

    Claire me olhou, desconfiada, mas não questionou.

    — Voltem ao treino — continuei, antes de mudar de ideia. — Esperem, vamos mudar o foco agora. Vamos treinar combate.

    Chamei Gérard e Claire para perto e expliquei a dinâmica:

    — Vocês vão se aplicar feitiços de aprimoramento corporal. Nix, Karlom, o objetivo de vocês é tocar neles, apenas isso. Gérard e Claire, sua tarefa é simples: fujam. Movam-se constantemente e aprendam a se esquivar. O jogo só termina quando vocês forem tocados. E então começamos novamente, quantas vezes for necessário.

    Enquanto Dante despertava, ajeitando-se na areia, notei algo novo em seu olhar. Havia subserviência, uma devoção que, mesmo antecipada, era desconcertante.

    — Como posso servi-lo, mestre? — ele perguntou, com uma voz calma, mas firme.

    Fiz um gesto com a mão, reprimindo um suspiro.

    — Primeiro, não use esses honoríficos comigo. Vai levantar suspeitas desnecessárias. Com Claire também, entendeu?

    Ele inclinou a cabeça em um aceno breve.

    — Sim.

    Ajeitei minha postura, observando-o atentamente.

    — Vamos continuar treinando aqui. Você não vai revelar nada do que viu ou ouviu. Use sua criatividade, se necessário. Claire vai participar das lutas clandestinas para se fortalecer. Se quiser, pode participar também. Pode ser bom para você, mas essa escolha é sua. Não darei nenhuma ordem nesse sentido. As lutas começam no final de semana.

    Dante hesitou por um momento, antes de responder.

    — Vou pensar nisso.

    Pisquei, analisando-o.

    — Agora me diga, quem ordenou que você seguisse Claire? E quais foram as ordens?

    Ele ajeitou a postura, como se estivesse me reportando. Me deu uma informação direta, e carregada de implicações.

    — Foi Lorde Adams, ele é o responsável por Claire desde que ela se tornou órfã. A ordem era para que eu a espionasse e, se necessário, a protegesse de você.

    Órfã. A palavra ecoou em minha mente, revelando uma nova camada sobre Claire que eu nunca imaginei.

    — Sim. Seus pais morreram em um atentado quando ela tinha apenas seis anos. Desde então, Lorde Adams cuida dela. Zia… bem, Zia gosta dela, mas mais como quem gosta de um bichinho de estimação, se é que me entende.

    — Entendi. Então, ela não quer que Claire brilhe por conta própria?

    — Exatamente. — Dante me observou, mas agora com algo entre a cautela e a submissão.

    Inclinei-me, encarando-o diretamente.

    Senti algo ferver em meu interior, um misto de indignação e compreensão. Claire, sempre tão alegre e otimista, carregava mais do que eu imaginava.

    Zia não fazia ideia do que estava por vir. Se Claire era um “bichinho de estimação” para ela, então eu teria o maior prazer em ajudá-la a mostrar seus dentes.

    — Bem, faça seus relatórios, minta o quanto quiser. Não deixe que saibam dos nossos segredos. E, mais importante, não deixe Zia saber que Claire está progredindo. Quero ver a cara dela quando perceber o quanto subestimou sua prima.

    Dante sorriu de leve, quase imperceptivelmente.

    — Como quiser.

    Deixei-o lá por um momento, voltando minha atenção para o restante do grupo. Gérard e Claire ainda corriam, exaustos, enquanto Nix e Karlom os perseguiam com entusiasmo. O treino estava apenas começando, mas já sentia as engrenagens da mudança girando ao nosso favor.

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