Capítulo 69: Treino em conjunto
André, com sua postura sempre confiante, reuniu todos no centro da arena antes de iniciar o treinamento. Ele decidiu separar o grupo em dois times distintos: os especialistas corporais e os magos.
— Hoje quero ver o que cada um de vocês é capaz de fazer — começou ele, com um tom autoritário que parecia natural. — Vamos criar um ranking interno. Isso não é para competição, mas para identificar fraquezas e entender como cada um pode contribuir para o time.
Assim que as equipes começaram a se formar, André tomou a frente do grupo dos especialistas corporais, assumindo para si a liderança. Seu movimento foi decidido, como se precisasse reafirmar seu papel natural de chefe. Para o grupo dos magos, ele apontou na minha direção, deixando claro que eu seria o responsável por comandar aquela divisão, pelo menos nos treinamentos.
— Lior, você vai liderar os mago. Descubra o que eles são capazes de fazer — disse André, direto e sem hesitação.
Por um instante, hesitei. Não me sentia o mais forte ou experiente entre eles. Mas André não deixou espaço para questionamentos. O olhar dele parecia dizer que essa era mais uma prova, um teste para minha capacidade de liderança.
Enquanto reorganizávamos as equipes, ouvi passos rápidos e pesados ecoando pelo corredor que levava à arena. Quando me virei, vi Gérard se aproximando, o rosto vermelho e a respiração pesada. Ele estava esbaforido, mas isso não impediu o brilho de ódio em seus olhos, claramente direcionado a mim.
— Estamos completos agora — murmurei, tentando evitar que minha expressão demonstrasse qualquer desconforto.
Gérard lançou-me um olhar afiado, quase como se tentasse arrancar alguma resposta minha, mas eu simplesmente cocei a cabeça e virei minha atenção de volta para o grupo.
Sob minha responsabilidade estavam oito magos além de mim: Antony Rumal, primo direto de André e um talentoso conjurador com reputação de ser metódico e preciso; Gérard Aníbal, meu “primo”, especialista em magias elementais; Claire Umbrani, sobrinha-neta do próprio Imperador e uma das mentes mais brilhantes em magia arcana que eu já conheci, mas tímida e introvertida; Elara Forlorn, prima daquele idiota do Eryk, o mesmo que tentara comprar Nix como se ela fosse uma mercadoria; Yorg Montclaire, um mago de uma Casa menor, mas com um intelecto afiado e habilidades que compensavam sua falta de status; James Ashmourne, outro representante de uma Casa menor, mas que exibia uma determinação feroz sempre que colocava suas habilidades à prova; Victor, cujo sobrenome permanecia um mistério, mas cuja presença chamativa e atitude irreverente não permitiam que fosse ignorado; e Sabrina Elden, prima distante de Elizabeth, braço direito de Valis Nonnar. Sabrina era uma jovem mulher sedutora e calculista, dona de um olhar afiado que parecia captar cada detalhe ao seu redor.
O grupo era diversificado, tanto em habilidades quanto em personalidades, e liderá-los seria um desafio considerável. Mesmo assim, eu sabia que, se conseguíssemos trabalhar juntos, poderíamos transformar nossa diversidade em uma força poderosa.
Olhei para todos eles, sentindo o peso da responsabilidade cair sobre meus ombros. Éramos nove magos no total, algo que poderia parecer uma fraqueza em um grupo focado em combate, onde geralmente especialistas corporais dominavam o campo, principalmente no nosso nível de poder. Mas eu não permitiria que isso fosse visto como uma desvantagem. Muitos ali haviam escolhido estar no time de André por minha causa, especialmente depois de meu desempenho no duelo contra Roderick. Essa confiança em mim era tanto uma motivação quanto um lembrete de que falhar não era uma opção.
Enquanto André orientava seu grupo com ordens claras e diretas, comecei a traçar mentalmente como trabalharia com os magos sob minha liderança. Sabia que cada um deles tinha habilidades únicas, e minha tarefa seria unir essas forças de maneira coesa. Não seria fácil, especialmente com personalidades tão diversas e alguns conflitos subjacentes, mas estava disposto a encarar o desafio de frente. Afinal, se havia algo que eu aprendera nos últimos meses, era que liderança não vinha apenas de força, mas de saber ouvir, adaptar e inspirar.
Me virei para o grupo, cruzando os braços diante do peito, e perguntei com um tom que misturava curiosidade e desafio:
— Bem, sei que são magos e tudo mais, mas como está o condicionamento físico de vocês?
Eles se entreolharam, confusos, enquanto eu os avaliava. Sabia que todos ali estavam entre o terceiro e o quarto círculo de mana. Isso significava que, mesmo sem treinamento físico intenso, seus corpos eram mais fortes e resistentes do que os de pessoas comuns. A mana infundida em seus corpos para a cristalização dos círculos de mana garantia essa melhoria básica. Não chegavam perto da força de especialistas corporais, mas estavam longe de serem frágeis.
Com exceção de Gérard e Claire, que já conheciam meus métodos, os demais me encararam como se eu tivesse dito algo absurdo. Sabrina, em particular, parecia perplexa. Seus olhos se estreitaram como se tentasse entender minhas intenções.
— Vamos lá — anunciei, gesticulando em direção à pista que circundava a arena. — Voltas ao redor da arena, todos vocês. Passo acelerado. Quero ver o quanto podem aguentar.
As reações foram variadas. Gérard e Claire suspiraram, já acostumados às minhas exigências, mas os outros hesitaram. Sabrina parecia prestes a questionar, enquanto Antony erguia uma sobrancelha, claramente intrigado. Elara deu um pequeno riso nervoso, mas se levantou sem protestar.
— Claire, Gérard, vocês puxam os demais — acrescentei, apontando para eles.
Com relutância e olhares desconfiados, o grupo começou a se mover. Enquanto isso, os especialistas corporais, que estavam realizando seus próprios exercícios liderados por André, começaram a prestar atenção no que eu fazia. Alguns pararam para assistir, trocando risos e comentários abafados.
André, do outro lado da arena, olhou para mim com uma expressão que dizia tudo sem precisar de palavras. Seus olhos perguntavam: “Você tem certeza disso?”
— É importante — respondi, alto o suficiente para que ele ouvisse, enquanto cruzava os braços e observava meu grupo começar a trotar pela pista.
André balançou a cabeça, aparentemente resignado, e voltou a liderar os exercícios do seu lado.
Enquanto isso, observei o grupo de magos tropeçar em sua coordenação inicial, alguns já mostrando sinais de cansaço. Era evidente que, embora suas mentes fossem afiadas, seus corpos estavam longe do ideal.
“Isso vai ser interessante”, pensei, preparando-me para os desafios que viriam.
Algumas voltas depois, a diferença entre os níveis de resistência física ficou clara. Gérard e Claire mal pareciam ofegantes, seus passos firmes e ritmados demonstrando o quão superiores estavam em comparação aos outros. Já o restante… bom, o restante era um espetáculo à parte. Sabrina estava dobrada na cintura, ofegando tão forte que parecia engasgada. Pouco depois, acabou vomitando no chão, sua postura sempre impecável e sedutora agora abandonada em troca de uma expressão de completo desconforto.
Victor, por outro lado, havia se deitado no chão fazia pelo menos três voltas e se recusava a se mover. Com o rosto para cima e os olhos fechados, ele parecia quase morto, como se o simples esforço de correr tivesse drenado todas as suas energias.
Os demais também não estavam em melhor forma. Antony tropeçava nos próprios pés, apoiando-se nas laterais da pista para continuar. Elara segurava o lado do abdômen, claramente sentindo uma fisgada incômoda. James tentava manter alguma dignidade, mas sua expressão traía o cansaço extremo. Yorg, embora menos exausto, já estava com o rosto vermelho e suava profusamente.
— Podem parar! — ordenei, minha voz cortando o ar pesado de respiração ofegante.
Eles quase desmoronaram onde estavam, mas antes que pudessem se dar ao luxo de relaxar completamente, continuei:
— Agora venham aqui, o mais rápido possível. Façam uma linha, enfileirem-se ombro a ombro.
Os olhares que recebi foram variados: incredulidade, frustração, até mesmo raiva. Mas, sob resmungos e reclamações, eles começaram a se mover. Demoraram quase cinco minutos para formar uma linha minimamente aceitável.
— Muito bem — continuei, ignorando os olhares de descontentamento. — Agora, da direita para a esquerda, lancem do outro lado da arena o feitiço mais poderoso que vocês conseguem conjurar no momento. Quero ver do que são capazes.
Yorg foi o primeiro. Ele se concentrou, erguendo a mão, e uma bola de fogo saiu em direção ao final da arena. Apesar de ser um feitiço bem executado, era óbvio que não estava nem perto do potencial total dele. O cansaço havia drenado sua precisão e poder.
O padrão se repetiu com os demais. Antony lançou uma lâmina de vento, mas seu controle estava longe do ideal, e o feitiço dissipou antes de atingir o outro lado da arena. Sabrina, ainda recuperando o fôlego, conjurou um raio de luz que falhou em manter sua intensidade. Elara conseguiu invocar um campo de energia, mas era instável e desmoronou rapidamente.
Quando chegou a vez de Claire e Gérard, a diferença era gritante. Apesar do cansaço, seus feitiços tinham força, precisão e impacto. Claire conjurou uma explosão de energia mágica que fez o chão da arena tremer, enquanto Gérard lançou um jato de chamas que parecia vivo, serpenteando até atingir o alvo.
Após o último feitiço, avancei alguns passos, cruzando os braços enquanto observava os rostos cansados e frustrados à minha frente.
— Vocês estão acostumados a lançar feitiços sempre nas melhores condições — comecei, minha voz firme. — Em treinos confortáveis, com tempo para se preparar e com mana de sobra. Mas deixem-me ser claro: numa situação de combate, essas condições não existem.
Caminhei lentamente pela linha, encontrando os olhos de cada um.
— Vocês estarão cansados, com pouca mana, feridos, abalados ou, quem sabe, em condições ainda piores que essas. É nesse momento que a diferença entre vencer ou perder será decidida.
Houve um momento de silêncio, seguido por murmúrios enquanto eles absorviam minhas palavras. Alguns ainda pareciam resistentes, mas outros, como Sabrina e Antony, finalmente demonstravam uma centelha de compreensão.
— Isso não é apenas um treino físico — concluí. — É uma lição. Quanto mais cedo entenderem isso, maiores serão as chances de vocês saírem vivos quando realmente importar.
Os olhares de todos clarearam, e, pela primeira vez naquele dia, senti que havia conseguido plantar algo além do cansaço neles: confiança no que eu tinha para lhes passar.
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