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    Parecia que eu despertava de um longo sono. Ao abrir os olhos, percebi que, embora muito tivesse mudado, apenas alguns segundos se passaram desde que deixei meu oceano de mana. Agora, a energia ao meu redor fluía para dentro de mim, acumulando-se em meu coração, onde compreendi que Drael havia implantado algo incomum — um coração de mana feito de pedra, uma essência física que abrigava o poder mágico em meu corpo.

    Virei-me e encontrei Nix, com os olhos revirados, espuma saindo da boca, os últimos fiapos de sua alma escapando. Uma raiva brutal tomou conta de mim. Canalizei minha mana, guiado pelas lembranças de Mahteal que ardiam em minha mente, e vi meus braços transformarem-se. Linhas escuras, quase como cicatrizes luminosas, surgiram em meus antebraços, trazendo uma força nova, ancestral, que parecia tanto reagir à minha vontade quanto sussurrar com uma fome própria.

    A superfície de minha pele se alterou: sob a aparência humana, uma textura áspera, quase como escamas metálicas, tomava forma. Em alguns pontos, cintilava em tons sombrios; em outros, absorvia a luz, criando uma armadura viva. Quando concentrei minha mana, vi essas marcas se expandirem, crescendo como uma segunda pele, vibrando com uma força primal que mal conseguia conter.

    Com facilidade, rompi as cintas de couro que me prendiam e me levantei.

    A mana ao redor respondia a mim sem hesitar.

    Drael virou-se, seus olhos repletos de esperança e ansiedade. — Mestre…

    Mas ergui a mão, silenciando-o. Voltei meu olhar para Nix. Com um simples desejo, parti as barras da jaula onde ela estava. A mana ao redor dela respondeu ao meu comando, envolvendo seu corpo flácido e trazendo-a até mim. Coloquei-a cuidadosamente em meus braços.

    Uma pequena esfera dourada apareceu em minha mão, e a pressionei contra o peito dela. Embora não soubesse como, sabia fazer aquilo, o conhecimento surgira em minha mente. Nix engasgou, respirando fundo como alguém que acabara de emergir de um afogamento. Olhei em seus olhos com ternura, mas vi o medo refletido neles.

    Então, me virei para Drael. Seu rosto era uma mistura de perplexidade e horror.

    — Em uma coisa você tinha razão, Drael. Não há prazer maior do que ver a esperança desaparecer dos olhos de um inimigo.

    Drael empalideceu e, erguendo seu cetro, gritou: — Morra!

    Ao mesmo tempo, os esqueletos ao redor de nós avançaram. Mas o tempo parecia dilatar para mim; cada detalhe era nítido, cada movimento desacelerado. Com um pensamento, uma barreira de mana bloqueou o ataque de Drael. Em seguida, todos os esqueletos caíram ao chão, como se o fio sombrio que os animava tivesse sido cortado.

    Drael olhou para mim, suplicante. A fúria dentro de mim queria consumi-lo, torturá-lo, fazer com que ele sentisse o que eu sentia. Minha raiva era tão intensa que parecia vir de outra pessoa.

    Olhei para Nix, ainda aninhada em meus braços, e percebi que ela tremia ao me ver assim.

    Minha raiva vacilou. Os traços de violência em meus olhos suavizaram.

    Com outro pensamento, uma espada de mana surgiu, flutuando ao meu lado, como vi meu tio fazer tantas vezes. Em um único movimento, a cabeça de Drael rolou de seu pescoço sujo.

    Uma energia escura e pegajosa escapou de seu corpo, vindo em minha direção. Meu coração de mana absorveu tudo com avidez, algo que, embora poderoso, me causou um calafrio. De acordo com as memórias de Mahteal, sabia que essa mana corrompida se chamava “miasma”.

    Voltei-me para Nix, passando a mão em sua cabeça, acariciando suas orelhas como sempre desejei. A beijei e senti minhas forças se esvaindo. Coloquei-a cuidadosamente no chão antes que eu mesmo caísse, perdendo a consciência.

    Eu me encontrava novamente em meu oceano de mana. Minha consciência retornara rapidamente, ainda envolta em alerta e tensão. Tudo o que queria era voltar logo para o mundo real, para garantir a segurança de Nix.

    Foi quando uma voz ecoou, mais em minha mente do que em meus ouvidos:

    — Calma… as coisas estão bem por lá. Não há com o que se preocupar.

    Minha contraparte sombria surgiu diante de mim, com a esfera negra oscilando ao fundo. Ele me observava com uma expressão calma, quase arrogante. — Você usou muito poder sem saber como. Era natural que seu corpo desabasse. Vai levar um bom tempo até que consiga repetir algo assim… tive que ajudar um pouquinho daqui.

    — Quem é você? — perguntei, incerto. Embora não sentisse hostilidade vindo dele, também não confiava inteiramente em sua presença. Algo me dizia que ele não era apenas uma parte de mim, como tentava fazer parecer.

    — Eu sou você! — Ele respondeu, com um sorriso malicioso. — Sou a parte de você que se sacrificou para absorver todo esse conhecimento e poder. — Apontou com o polegar para a esfera atrás de si. — É natural que eu pareça um pouco… diferente, após essa absorção. Mas continuamos ligados, conectados… sua mente apenas nos separou, para ajudar a processar tudo isso. Aos poucos, nos fundiremos de novo. De tempos em tempos, estarei em sua mente, oferecendo migalhas de conhecimento, conforme “nossa” mente digere tudo isso. E, enquanto isso, você pode seguir na realidade, com… “nossa” namoradinha…

    Algo na forma como ele se referiu a Nix me incomodou profundamente.

    Sentia minha consciência sendo puxada de volta para a realidade quando ouvi suas últimas palavras:

    — E não se esqueça… treine sua mana do começo, como uma criança. Estabeleça uma base sólida. Forme seus círculos…

    Acordei deitado na cama da nossa cela, meu corpo ainda dolorido. Meus olhos buscaram imediatamente por Nix, mas ela não estava ali. Ao me levantar, percebi que os outros prisioneiros das celas estavam soltos, ocupados com o que parecia uma grande faxina pelo lugar. Alguns evitavam meu olhar, mas outros me cumprimentaram com um aceno tímido.

    Logo ouvi passos apressados ecoando pelo corredor. Era Nix, vindo ao meu encontro com um largo sorriso. Estava de banho tomado e usando roupas novas. Seus cabelos combinavam perfeitamente com o tom de sua cauda e orelhas. Agora, limpa e bem alimentada, ela exalava um ar travesso, que a tornava ainda mais bonita aos meus olhos.

    Ela se jogou em meus braços, abraçando-me com força. Acariciei e beijei sua cabeça, sentindo o conforto daquele momento.

    — Venha! Estamos explorando tudo por aqui — disse ela animada. — Achamos uma sala de banho… e você está precisando! — brincou, tampando o nariz e mostrando a língua para me provocar.

    Passamos um bom tempo juntos na sala de banho. Ela já havia me visto sem roupas antes e insistiu em ficar comigo. Nix me ajudou a lavar cada parte com cuidado, quase como se tentasse retribuir o que fiz por ela. Naquele momento, nenhum pensamento erótico me veio à mente — havia algo mais profundo em seus gestos, uma espécie de gratidão e afeto.

    Com a tensão dos dias anteriores afastada, acabei contando a ela minha história. Falei das terras humanas, das vilas e cidades, e de como nosso povo, em geral, era extremamente xenófobo. Ela ouviu tudo com atenção, mas evitou falar sobre sua própria vida. Senti que havia vergonha em suas memórias, e não a pressionei. Eu ainda possuía o vínculo de mestre-escrava com ela, afinal.

    Pensando nisso, aproximei-me e toquei sua testa, bem entre as sobrancelhas.

    A marca de escrava desapareceu, e senti a ligação que nos unia se romper.

    Ela levou a mão à boca, surpresa com minha ação.

    — Pronto — falei suavemente. — Como combinado, agora está livre.

    Ela me olhou com uma expressão estranha. — Você… não me quer mais?

    — Claro que quero, mas não desse jeito.

    Ela sorriu levemente, meio embaraçada. — Quero ir com você para as terras dos humanos…, mas, sem a marca de escrava, teremos problemas por lá.

    — Isso é uma preocupação para outro dia. Primeiro, precisamos sair daqui.

    — Deixe-me mostrar uma coisa para você.

    Nos enxugamos e nos vestimos. Havíamos descoberto um depósito cheio de provisões — sabão, grãos, carne defumada, roupas e utensílios diversos. Não conseguia imaginar por que os mortos-vivos precisariam dessas coisas, mas agradeci em silêncio que as tivessem.

    Nix segurou minha mão e me puxou para a câmara onde Drael costumava repousar. O aposento estava todo revirado; ela provavelmente o explorara enquanto eu dormia. Em cima de uma escrivaninha havia algumas poções, e um saco inteiro de pedras de ancoragem, coletadas dos prisioneiros que passaram ali ao longo dos anos.

    Peguei algumas das pedras e, ao sentir sua energia com minha mana recém-adquirida, fiquei surpreso com o que percebi. Olhei para Nix, espantado, e dei um beijo em sua cabeça pelo excelente trabalho.

    Tínhamos uma maneira de ir embora.

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