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    Esperei que todos assimilassem minhas palavras. Os olhares deles estavam carregados de sentimentos diversos — confusão, frustração, curiosidade, e, em alguns casos, um vestígio de dúvida. Mas havia algo mais, algo que se escondia por trás desses olhares: uma semente de compreensão começando a germinar.

    — Claire — chamei, rompendo o silêncio. Ela se aproximou, e em minhas mãos entreguei uma espada curta de treino.

    Entre meus “recrutas”, James era o maior e mais corpulento. O chamei também, passando-lhe uma espada similar.

    — Vocês estão acostumados a ver a magia como sua única arma. Isso é um erro. Eu venci Roderick com a espada; a magia, em comparação, apenas me deu apoio. — Não era uma verdade absoluta, mas também não era uma mentira. Era a realidade do que os magos frequentemente ignoravam: a força física também tinha seu papel.

    — Em uma situação de vida ou morte, ou quando sua mana não estiver disponível, é preciso saber o mínimo para se defender. Não espero que se tornem especialistas em combate corpo a corpo, mas se souberem o básico, poderão surpreender seus oponentes.

    Olhei para os que estavam à minha frente, tentando ler as reações deles. Alguns, como Claire e Gérard, já pareciam entender a importância do que eu dizia. Outros, como Sabrina e Yorg, ainda estavam na fase de absorver a ideia. Eu não os culparia; é difícil aceitar que a magia não é a resposta para tudo.

    James e Claire ficaram em posição para a demonstração. Sem magia, sem truques, apenas a espada. O duelo começou com uma tensão palpável no ar. James, aproveitando seu tamanho e força bruta, tentou usar sua vantagem física, avançando com ataques poderosos e tentando dominar o ritmo da luta. Ele esperava que a força de seus golpes fosse o suficiente para derrubar Claire rapidamente.

    No entanto, Claire tinha um pouco mais de treinamento e sabia que não poderia competir diretamente com a força de James. Ela movia-se com uma fluidez impressionante, esquivando-se de seus ataques e contra-atacando com precisão. Seus movimentos eram rápidos e calculados, como se cada passo fosse uma extensão do que já havia aprendido durante o intenso treinamento com Karlom e Nix para a arena.

    Em poucas trocas de golpes, Claire já havia começado a dominar o duelo, forçando James a recuar. Sua espada parecia dançar no ar, cortando com uma leveza que desafiava a força bruta de seu oponente. James tentava manter o controle, mas sua falta de agilidade começava a se tornar um ponto fraco. Claire, sem pressa, continuava a se mover com confiança, esperando o momento certo para finalizar a luta.

    Logo, James se viu acuado, tentando se defender dos rápidos ataques de Claire, enquanto a frustração começava a aparecer em seu rosto. Ele havia subestimado o poder da agilidade e da técnica. Em apenas alguns minutos, Claire havia demonstrado que, com a estratégia certa, até mesmo a força mais bruta poderia ser contida.

    — Chega — disse, parando o duelo antes que a luta fosse mais longe. — Viu como a técnica pode superar a força pura? Isso é o que vocês precisam entender. Não se trata de ser mais forte, mas de ser mais esperto, mais treinado.

    O grupo observava em silêncio, absorvendo a lição. James, ainda ofegante, olhou para Claire com respeito. Ele sabia que, embora fosse fisicamente mais imponente, ela tinha algo que ele não possuía: controle e técnica. Claire, por sua vez, deu um sorriso discreto, satisfeita com sua performance, mas sem parecer arrogante.

    — Agora — continuei, chamando a atenção de todos —, é hora de praticarem o que aprenderam. Vamos começar a trabalhar na coordenação entre a mente e o corpo, o que é essencial em qualquer batalha.

    Claire não tinha nenhum treinamento formal até uma semana atrás — ressaltei, voltando a atenção para o grupo. — Não pretendo transformar nenhum de vocês em mestres de armas, mas o mínimo vocês devem aprender. Acreditem, isso pode ser a diferença entre a vida e a morte.

    Com a ajuda de Gérard e Claire, fizemos todos praticarem com as espadas de madeira, corrigindo suas posturas e orientando-os nos cortes. Havia algo de satisfatório em ver seus esforços, mesmo que o cansaço já estivesse tomando conta de todos nós. Eu mesmo podia sentir a exaustão nos músculos, mas um sorriso involuntário surgia ao lembrar das centenas de cortes que Karlom me obrigara a repetir em seu treinamento.

    A noite já estava se aproximando quando finalmente liberamos a arena. A lua começava a despontar no céu, iluminando o local com uma luz suave, que contrastava com o suor e a fadiga que pesavam sobre nós. Todos estavam visivelmente exaustos, inclusive eu. No entanto, algo mais parecia pairar no ar, algo mais pesado. Era como se minhas palavras, e o treinamento que havia seguido, ainda reverberassem nas mentes deles, misturando-se ao cansaço e à frustração.
    Podia escutar alguns murmúrios de insatisfação.

    — Vim pra treinar magia, aprender coisas novas…

    Mas eu sabia que, quando eles entendessem o que eu estava tentando ensinar, seriam gratos. Cortei seus murmúrios.

    — se vocês chegarem aqui semana que vem melhor condicionados e melhor treinados com a arma de sua escolha vamos praticar somente magia. Não deixem de lado o treino físico.

    Enquanto os especialistas corporais começavam a guardar os equipamentos e limpar o local, observei meus magos se dispersarem lentamente, cada um indo para seu canto, com os rostos marcados por pensamentos e dúvidas. Alguns pareciam insatisfeitos, outros com a mente distante, talvez ponderando o que havia sido ensinado e como isso se encaixava no que eles acreditavam ser seu caminho. Mas, no fundo, eu sabia que a semente estava plantada. Não seria fácil, mas a verdadeira aprendizagem acabara de começar.

    Claire e Gérard ficaram por último, como eu já esperava. Eles se aproximaram, trocando um olhar cúmplice antes que Claire tomasse a dianteira.

    — Você gosta de ser odiado, não é? — disse ela, cruzando os braços.

    Eu dei de ombros, um meio sorriso se formando em meus lábios.

    — Prefiro ser respeitado. Se isso vem junto com ódio, paciência.

    Gérard soltou uma risada seca, balançando a cabeça.

    — Você sabe que não vai conseguir treinar todo mundo para ser como você, não sabe?

    — Não espero que sejam como eu — retruquei, encarando-o. — Espero que sobrevivam.

    A resposta deixou ambos em silêncio por um momento, até que Claire suspirou, balançando a cabeça em resignação.

    — Certo, mas não acha que pegar leve de vez em quando seria mais eficaz? Sabrina quase vomitou os pulmões, e Johvi… bem, você viu.

    — Vi, sim — respondi, meu tom firme. — E prefiro que eles falhem aqui, na segurança da arena, do que lá fora, onde um único erro pode custar a vida deles.

    Claire parecia prestes a responder, mas Gérard colocou uma mão em seu ombro, fazendo-a parar.

    — Ele tem razão, Claire. Por mais cruel que seja, ele está certo.

    Ela bufou, mas não disse mais nada. Apenas se virou e começou a caminhar em direção à saída. Gérard hesitou por um instante antes de me lançar um olhar avaliador.

    — Você tem um plano para todos eles, não tem?

    — Sempre tenho um plano, Gérard — respondi, minhas palavras carregadas de convicção.

    Ele assentiu, um sorriso discreto surgindo em seus lábios antes de seguir Claire.

    Quando fiquei sozinho, permiti-me um momento de descanso. Sentei-me no chão da arena, sentindo a textura áspera do chão contra minhas mãos. Meu corpo estava exausto, mas minha mente já começava a trabalhar no próximo passo.

    Esse time tinha potencial. Era um diamante bruto, cheio de arestas e falhas, mas com a lapidação certa, poderia se tornar algo extraordinário.

    Mas o tempo não estava ao nosso lado. Com a aproximação do torneio, cada dia contava. Tínhamos menos de quatro meses até a data.

    Fechei os olhos por um instante, permitindo que o silêncio me envolvesse. Depois de tudo, eu sabia que precisava me preparar não apenas para liderar, mas para proteger.

    E isso significava estar sempre um passo à frente.
    Naquela noite, enquanto a brisa fria da noite começava a soprar, eu permaneci na arena por alguns momentos após todos partirem. O silêncio que se instalou era um contraste gritante com o som de espadas de madeira se chocando e vozes ofegantes que dominaram o espaço ao longo do dia. Olhei ao redor, para as marcas deixadas pelos pés no chão de terra e os pequenos fragmentos de madeira espalhados, lembranças das horas de treinamento.

    Pouco a pouco, deixei meus pensamentos fluírem enquanto fazia o caminho de volta à mansão. A luz da lua banhava o cidade com uma tonalidade prateada, e as ruas que horas antes estavam repletas de vozes e risadas agora estavam silenciosas, quase melancólicas. A exaustão pesava sobre meus ombros, mas a sensação de propósito que vinha acompanhada dela era estranhamente reconfortante.

    Ao chegar no meu quarto, encontrei Nix aguardando, com um semblante de leve preocupação.

    — Você demorou — ela comentou, entregando-me um copo de água antes que eu dissesse qualquer coisa.

    — Treinamento longo — respondi, tomando um gole.

    — Eles vão sobreviver? — Nix perguntou com uma pitada de ironia, mas também de curiosidade genuína.

    — Talvez. Vai depender do quanto estão dispostos a se dedicar — retruquei, jogando-me na cadeira e encarando o teto.

    Nix ficou em silêncio por um momento, antes de se aproximar e colocar uma mão no meu ombro.

    — Você é mais como Karlom do que imagina — disse ela, com um sorriso suave.

    Soltei uma risada breve, mas cansada.

    — Espero não acabar tão ranzinza quanto ele.

    Ela riu e deu de ombros.

    Enquanto o silêncio se instalava novamente, comecei a planejar a próxima semana. O treinamento estava apenas começando, e cada passo era crucial. Os magos sob minha responsabilidade precisavam ser mais do que conjuradores habilidosos. Precisavam ser adaptáveis, resilientes e, acima de tudo, prontos para enfrentar o que viesse.

    E isso era algo que eu não podia ensinar apenas com palavras.

    Me virei para Nix, e perguntei:

    — E Selune? Como ela está?

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