Capítulo 72: Visitantes inesperados
Tina bateu na porta do escritório de Rosa com firmeza, abrindo-a imediatamente, sem qualquer cerimônia ou sinal de espera. O gesto denotava familiaridade, como se essa atitude fosse parte de sua rotina ali. Sem dizer uma palavra, ela fez um gesto para que eu passasse. Obedeci, cruzando a soleira com uma mistura de curiosidade e cautela.
O escritório era espaçoso, mas carregava uma atmosfera opressiva. Rosa estava sentada atrás de sua escrivaninha, que estava desordenada, com papéis espalhados e um tinteiro derramado em um canto. Suas mãos se moviam de forma inquieta, denunciando um nervosismo que ela não conseguia disfarçar. Seu olhar foi direto ao meu, avaliando-me por um momento antes de desviar rapidamente para os outros presentes.
No pequeno sofá à esquerda, dois homens estavam acomodados de maneira aparentemente relaxada, mas suas posturas denunciavam atenção. Um deles, à primeira vista, parecia ser o mais velho. Ele era robusto, com cabelos e barba completamente brancos e meticulosamente aparados. Embora seu rosto fosse um mosaico de rugas e cicatrizes, esses traços conferiam um ar de mistério e um certo charme maduro. Entre seus dedos grossos, descansava um charuto cuja fumaça pairava pelo ar, impregnando o ambiente com seu aroma forte.
Ao lado dele, o segundo homem exibia um contraste marcante. Vestia uma casaca que lembrava uniformes militares, em um tom sóbrio de marrom, que parecia cuidadosamente engomada. Seu rosto pálido e sem sinais de barba era impecável, enquanto seu cabelo, loiro escuro, estava penteado de lado com um brilho que denunciava o uso de algum fixador. O pincenê posicionado firmemente em seu nariz completava a imagem de alguém meticuloso e talvez orgulhoso demais de sua aparência.
Separado deles, em uma poltrona ornamentada e com encosto de madeira talhada, estava o terceiro homem. Ele era notavelmente diferente dos outros, com sua pele escura, cabelo crespo e volumoso e uma barba por fazer que lhe dava um ar ligeiramente desleixado. Entretanto, suas roupas eram tudo menos modestas. Ele trajava seda azul cintilante, e seu corpo era adornado por joias extravagantes: um pesado colar de ouro repousava sobre seu peito, enquanto seus dedos grossos exibiam anéis cravejados de pedras preciosas que brilhavam a cada movimento.
O elemento mais desconcertante na sala, no entanto, era a elfa ajoelhada ao lado da poltrona. Seus cabelos castanhos claros caíam em cascata sobre seus ombros, e ela usava uma túnica de seda que, embora simples, era propositalmente semi-transparente, expondo de maneira evidente as curvas de seu corpo. Ela mantinha a cabeça baixa e segurava uma bandeja de prata com as duas mãos, como se fosse um suporte vivo para o que quer que estivesse sobre ela.
Meu olhar demorou-se sobre ela por um momento, um misto de desconforto e indignação subindo pela minha garganta. O homem na poltrona segurava uma guia que estava presa a uma coleira de metal ao redor do pescoço da elfa. O contraste entre a submissão forçada dela e a opulência que ele exibia com desdém criava uma cena que parecia mais simbólica do que real, uma representação grotesca de poder e domínio.
A voz de Rosa interrompeu meu exame silencioso do ambiente:
— Sombra, fico feliz que tenha vindo rápido. Precisamos conversar.
O homem trajado em seda azul interrompeu Rosa abruptamente, sem nem mesmo me dar a chance de responder.
— Não precisamos de jogos aqui, Rosa, nem de mentiras. — Seus olhos pousaram em mim, avaliando-me como se eu fosse mercadoria em exposição. Ele suspirou profundamente, como se já tivesse se entediado. — Lior, o terror dos Vulkaris, não me parece grande coisa. Tem certeza de que quer manter a aposta?
Aquele comentário atravessou como uma lança, mas me controlei. No entanto, era evidente que ele estava tentando me provocar, e eu não ia deixar barato.
— Calma aí. Estou em desvantagem. — Cruzei os braços e encarei os três homens à minha frente. — Vocês sabem quem eu sou, mas eu não faço ideia de quem vocês são.
O homem de cabelos brancos soltou uma gargalhada rouca e baforou seu charuto, enquanto o de pele escura me olhava com um desprezo absoluto. Ele parecia analisar cada detalhe meu como se estivesse decidindo se eu era digno de sua atenção. Em um gesto preguiçoso, pousou a taça que segurava na bandeja da elfa ajoelhada ao seu lado.
Finalmente, o homem trajado em seda falou novamente, com um sorriso que mais parecia um deboche.
— Sou Haroldo, dono da arena de Klumdum. Este senhor bonitão aqui — ele indicou o homem de cabelos e barba brancas, que acenou com a cabeça enquanto soltava mais uma baforada — é Hass, o Açougueiro, meu campeão do quinto círculo.
Hass parecia um urso envelhecido, com olhos que transmitiam uma calma letal, como se estivesse acostumado a destruir adversários sem pressa.
— E esse moço bem apessoado — continuou Haroldo, apontando para o homem de casaca marrom, que ajeitou o pincenê com uma elegância quase teatral — é Germano, o Caçador, meu campeão do quarto círculo.
Germano sorriu de lado, um sorriso vazio, mas polido, que parecia mais uma formalidade do que um gesto sincero.
Haroldo voltou sua atenção para Rosa, ignorando minha presença como se eu fosse um mero detalhe.
— Estávamos falando de como o Matadouro está com uma safra interessante de gladiadores. Mas qual foi minha surpresa ao descobrir que o terror dos Vulkaris tinha se juntado à arena. — Ele fez uma pausa, dramatizando seu desdém. — Estávamos até mesmo fazendo uma aposta aqui, mas acho que não é uma boa ideia. Você é muito fraco.
Se ele estava certo ou não, pouco importava. O tom de voz e as palavras atingiram um nervo exposto, e, para variar, eu caí exatamente na armadilha que ele havia montado.
— Você não tem como saber se sou fraco ou não. — Dei um passo à frente, encarando-o diretamente. — Não me viu lutar. A Casa Vulkaris também achava que eu era um fracote.
Minhas palavras saíram mais afiadas do que eu pretendia, e o silêncio que se seguiu só serviu para intensificar a tensão no ambiente. Haroldo cruzou as pernas, parecendo se divertir com meu surto de indignação, enquanto Hass e Germano mantinham suas expressões impassíveis.
Eu sabia que eles estavam jogando comigo, mas o orgulho ferido falava mais alto, me empurrando para a resposta que sabia que queriam ouvir.
— Meu terceiro círculo está quase completo. — Falei com firmeza, apontando com o queixo para Germano, que mantinha o pincenê impecavelmente no lugar. — Me dê uma semana. Vou enfrentá-lo e vou vencer.
A sala mergulhou em um silêncio tenso, até que Haroldo, Hass e o próprio Germano começaram a rir. Não eram risadas comuns; eram profundas, carregadas de escárnio, como se eu tivesse acabado de contar a melhor piada que já ouviram. Até a elfa, ajoelhada no chão, permitiu que um sorriso discreto tocasse seus lábios. Não conseguia decifrar se ela torcia para mim ou se me considerava apenas um tolo arrogante.
Haroldo enxugou uma lágrima no canto do olho, ainda rindo.
— Você tem coragem, garoto. — Ele balançou a cabeça, incrédulo. — Ou talvez seja apenas muito burro.
Enquanto isso, Rosa, que havia ficado em silêncio até então, me lançou um olhar cheio de exasperação, como se eu fosse um adolescente fazendo algo imprudente. Ela suspirou profundamente, cruzando os braços.
— Tem certeza disso? — perguntou, seu tom mesclando preocupação e ceticismo. — Bem, pra ser honesta, eu não achava que você conseguiria derrotar o Marreta. — Ela deu de ombros, hesitante. — Acho que as chances são parecidas, talvez um pouco piores.
O comentário dela poderia ter me desanimado, mas, em vez disso, alimentou minha determinação.
— Tenho, sim. — Respondi com convicção, mantendo meus olhos fixos em Germano. — Já me acostumei a enfrentar condições adversas. — Sorri de lado, a provocação clara em minha voz. — Isso vai ser fichinha.
O caçador, que até então mantinha uma postura relaxada no sofá, endireitou-se imediatamente, os dedos ajustando o pincenê em um gesto nervoso. Claramente, minha provocação havia surtido efeito.
— Espero que você esteja preparado, Lior. — Germano finalmente falou, sua voz baixa e calculada, mas seu desconforto era visível.
— Não se preocupe comigo. — Respondi, minha voz firme e carregada de sarcasmo. — Eu sou muito bom em me superar.
A tensão na sala parecia palpável, como um fio esticado prestes a arrebentar. Haroldo observava tudo com um sorriso divertido, enquanto Hass apenas balançava a cabeça lentamente, como se já previsse o desfecho.
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