Capítulo 73: Acordo feito
Germano se levantou, os olhos faiscando como se estivesse prestes a dizer algo, mas Haroldo o interrompeu com um gesto calmo e autoritário de sua mão.
— Uma semana então. — Disse Haroldo, voltando sua atenção para Rosa. — Rosa, redija o contrato da luta. E quem enfrentará Hass?
Rosa suspirou, já pegando uma folha de pergaminho limpa, uma pena e um tinteiro novo. Com a mesma eficiência prática de sempre, começou a escrever enquanto respondia:
— Pandora vai lutar com ele.
A menção do nome trouxe uma reação curiosa. Haroldo soltou uma risada curta, quase incrédula, mas foi Hass quem chamou minha atenção. Seu semblante, até então calmo e impassível, mudou de forma abrupta. Ele franziu o cenho, os músculos de sua mandíbula se tensionaram, e os punhos se apertaram tanto que as articulações de seus dedos ficaram brancas. Havia claramente uma história ali, um passado entre Pandora e Hass, que eu sabia que eventualmente viria à tona.
Os minutos seguintes se arrastaram em um silêncio desconfortável enquanto Rosa continuava a redigir o contrato. A sala, que antes estava cheia de provocações e risadas, agora estava tomada por uma tensão pesada e estranha. Ninguém parecia disposto a falar, e o único som que preenchia o espaço era o raspar da pena de Rosa contra o pergaminho.
Finalmente, ela terminou e entregou o documento a Haroldo, que o pegou com um sorriso malicioso. Ele leu cada linha com cuidado, e quando chegou ao final, explodiu em uma gargalhada que fez Germano e Hass se entreolharem confusos.
— Você é muito esperta, Rosa. Muito mesmo. — Disse ele, com uma voz carregada de diversão e um toque de admiração. — E ousada, eu gosto disso. Vou permitir sua última cláusula, mas com uma condição: quero que o valor da aposta seja metade da sua participação aqui. Tem coragem para isso?
Rosa, que até então mantinha uma postura controlada, bufou com raiva. Ela arrancou o papel das mãos de Haroldo com tanta violência que até mesmo a elfa acorrentada ao lado se sobressaltou. A escrava olhou para Rosa como se estivesse prestes saltar sobre ela e arrancar seus pedaços à dentadas, seus olhos cheios de uma ira contida.
— Calma, Lauri. — Murmurou Haroldo, sua voz assumindo um tom inesperadamente gentil, como se falasse com uma criança travessa.
Aquela única frase mudou o clima. Rosa, que antes parecia prestes a explodir, parou e olhou para a elfa. Seus olhos se encheram de algo que parecia ser um reconhecimento silencioso. O receio em sua face era visível e ela deu um passo involuntário para trás, como se estivesse tentando se afastar de um monstro invisível. Mesmo eu, que não sabia da história por trás daquela reação senti o peso do momento.
— Está bem — respondeu Rosa, rosnando entre dentes. — Metade.
Ela voltou para a mesa, debruçou-se sobre o pergaminho e fez as alterações necessárias com gestos rápidos e eficientes. Quando terminou, colocou a pena de lado com um estalo e olhou para todos na sala.
— Venham assinar.
Nos revezamos para assinar o contrato, cada um adicionando sua marca ao pergaminho. A atmosfera estava carregada, como se cada assinatura fosse um golpe de martelo em um prego que selava o destino de todos ali. Quando terminamos, Rosa chamou um de seus seguranças.
— Vá buscar Pandora. Ela precisa assinar também.
O homem saiu veloz, e o silêncio voltou a dominar o ambiente. A tensão permanecia no ar, como se todos estivessem presos em seus próprios pensamentos, atentos ao que viria a seguir. Após alguns minutos, a porta se abriu novamente, e uma figura imponente entrou no recinto.
Era uma mulher alta, de postura confiante, com uma longa trança loira que caía sobre o ombro como uma corrente dourada. Seus olhos verdes brilhavam como esmeraldas, atentos e avaliadores, e o porte de seu corpo era inegavelmente marcial. A musculatura tonificada em seus braços e pernas denunciava anos de treino rigoroso e batalhas enfrentadas.
O rosto dela, embora marcado por duas cicatrizes — uma que cortava levemente o lábio superior e outra que atravessava sua sobrancelha esquerda —, não perdia a beleza. Na verdade, essas marcas pareciam acrescentar algo à sua presença, uma mistura de força e mistério. Era como se ela fosse uma flor rara, de beleza estonteante, mas adornada por espinhos que avisavam sobre os perigos de tentar colhê-la sem cuidado.
Pandora parou no centro da sala, como se fosse dona do espaço, seus olhos verdes examinando cada canto e cada pessoa presente com uma calma. Havia algo na postura dela que imediatamente capturava a atenção de todos, como se sua simples presença exigisse respeito. Não era apenas o físico imponente ou as cicatrizes que contavam histórias. Era o ar de alguém que já enfrentou o pior da vida e saiu vitoriosa.
Hass ficou imóvel assim que ela entrou, mas não era um tipo de tranquilidade que transmitia paz. Seus punhos cerrados, o músculo da mandíbula trabalhando furiosamente, e os olhos estreitos deixavam claro que sua presença o desestabilizava. Era como se o passado entre eles tivesse entrado na sala, pesado e inescapável.
Pandora, no entanto, ignorou-o completamente. Seus olhos estavam fixos em Rosa, como se Hass não fosse mais do que um detalhe insignificante no ambiente.
— Mandou me chamar? — perguntou, sua voz tão firme quanto sua postura.
— Preciso que assine isso aqui — respondeu Rosa, estendendo o contrato em direção a ela.
Pandora pegou o papel com uma mão forte e segura, lendo-o em voz alta, mais para si mesma do que para os outros.
— É pra lutar contra o Hass? — Ela levantou uma sobrancelha, um sorriso debochado surgindo em seus lábios. — Esse velhinho ainda não morreu? Achei que sim, faz tempo que não o vejo.
A sala ficou tensa. Ri baixinho, mais pelo desconforto que pela graça da situação. A maneira casual e quase despreocupada com que Pandora falou foi um golpe direto no orgulho de Hass. Ele tremia ligeiramente, como se segurasse uma explosão de raiva prestes a escapar. Sua energia era palpável, um lembrete do quão perto ele estava do sexto círculo — um nível que poucos gladiadores alcançavam. Era como olhar para um vulcão prestes a entrar em erupção.
Pandora, contudo, parecia alheia ou simplesmente não se importava.
— Tá, onde assino? — perguntou, sem sequer levantar os olhos do contrato.
Rosa apontou o local, e Pandora rapidamente marcou seu nome com a pena, como se aquilo fosse apenas uma formalidade trivial. Em seguida, virou-se, pronta para sair sem mais delongas.
— Espere, preciso lhe apresentar uma pessoa — disse Rosa, interrompendo sua partida.
Pandora deu de ombros e se jogou em uma poltrona vazia, cruzando as pernas de forma despreocupada. Mais uma vez, ela ignorou completamente a presença de Hass, que ainda parecia uma panela de pressão prestes a estourar.
Enquanto isso, Haroldo e seus homens se levantaram. O sorriso de Haroldo era um misto de arrogância e divertimento.
— Muito bem, Rosa. Conforme o contrato, Germano vai lutar hoje para seu precioso Lior assistir. Mas não se esqueça: na semana que vem, metade da sua querida arena será minha. — Ele fez uma pausa, o sorriso se alargando. — Espero que estejam prontos.
Assim que a trupe deixou a sala, Rosa suspirou, como se estivesse carregando o peso do mundo nos ombros. Seus olhos se voltaram para mim e depois para Pandora.
— Pandora, esse é Lior. — Sua voz era firme, mas não havia como esconder a tensão em suas palavras.
Pandora olhou para mim, avaliando-me de cima a baixo com uma expressão neutra.
— Uau, o famoso “Terror dos Vulkaris”. — Sua voz tinha um tom de sarcasmo, mas seus olhos revelavam uma centelha de curiosidade genuína. — Achei que você fosse maior.
A provocação era óbvia, mas não me deixei abalar. Mantendo a compostura, estendi a mão para ela, mesmo que por dentro meu estômago se revirasse. Odiava aquele título com todas as minhas forças. Era um peso que carregava, me lembrando constantemente de onde vim. Ainda assim, ele parecia surgir sempre de onde eu menos esperava, como uma sombra impossível de dissipar.
— O prazer é meu.
Ela apertou minha mão com firmeza, mas seus olhos ainda pareciam me medir, como se tentasse decidir se eu era digno de sua atenção.
Rosa, por sua vez, parecia estar lutando contra o próprio nervosismo. Quando finalmente falou, sua determinação ficou clara.
— Pandora, você vai treinar ele, sem discussão. E vai ser pra valer. Nossa arena tá em jogo aqui.
Pandora levantou uma sobrancelha, surpresa com a ordem direta. Mas, depois de um breve momento, deu um pequeno sorriso, um sorriso que não prometia gentileza.
— Tudo bem, Rosa. Mas espero que ele esteja preparado. Eu não pego leve.
Rosa ignorou o comentário e gesticulou para que saíssemos.
— Vamos descer. Germano vai lutar em breve, e Lior precisa assistir. Ele vai ser seu adversário na semana que vem. Pandora, seu trabalho começa agora. Quero que você prepare ele pra vencer.
Enquanto seguíamos pelos corredores em direção às arquibancadas, um pensamento martelava na minha cabeça: o treinamento não seria moleza, e quem era realmente Pandora? E Hass? Qual seria a ligação deles?
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