Capítulo 74: Germano em combate
Fomos conduzidos até um dos camarotes reservados, um espaço com poltronas confortáveis e uma visão privilegiada da arena que se estendia abaixo. Dali, podíamos observar cada detalhe das lutas sem interferências. Enquanto nos acomodávamos, uma garçonete se aproximou, equilibrando uma bandeja com destreza, e perguntou educadamente se desejávamos algo. Aproveitei a oportunidade para buscar informações que estavam me corroendo.
— Os lutadores de terceiro círculo já lutaram? — perguntei, tentando disfarçar a ansiedade na voz.
A mulher sorriu, um sorriso coquete que parecia parte de sua rotina.
— A última luta terminou há uns cinco minutos — respondeu, vasculhando os bolsos de sua roupa de criada.
— Você pode me passar os resultados, por gentileza?
Ela assentiu com um brilho divertido nos olhos e, de maneira surpreendente, puxou um papel dobrado de dentro do decote.
— Aqui está! — exclamou, desdobrando um programa das lutas de terceiro círculo. — Vamos lá…
Ela pigarreou dramaticamente antes de começar a listar os vencedores:
— Tao da Espada venceu Gorila, Supremo venceu Perolado, Velhos Punhos venceu Ametista, Domina venceu Mambembe, Raio Púrpura venceu Estilleto…
Enquanto ela lia, eu mal conseguia conter um sorriso que crescia a cada nome. Assim que ouvi os resultados dos meus amigos, não me contive mais e agradeci com um aceno de cabeça, visivelmente satisfeito.
— Por que essa cara de besta? — Pandora perguntou, a voz carregada de curiosidade e sarcasmo.
— Meus amigos… Todos venceram — respondi com orgulho evidente.
Pandora bufou, cruzando os braços.
— Filhinhos de papai. Com a vantagem que têm, não fazem mais do que a obrigação.
Ia protestar, pronto para defender a honra deles, mas ela me cortou, mudando de assunto com uma pergunta direta.
— E você? Qual é o seu estilo de luta? Sei que é um mago, mas… o que exatamente você pode fazer?
Antes que eu pudesse responder, o letreiro acima da arena brilhou, e o locutor anunciou a próxima luta com uma voz vibrante e teatral.
— Germano, o Caçador, contra Golem, o Colosso! —
O público explodiu em gritos e aplausos, e Pandora fez um sinal para que eu não tirasse os olhos da arena.
— Preste atenção agora. Depois continuamos nossa conversa.
Segui o conselho e me concentrei no espetáculo que estava prestes a começar. Assim que o sino soou, os dois combatentes já estavam em suas posições.
Germano, o Caçador, parecia calmo, quase despreocupado. Estava vestido de forma prática: botas de caça, calças marrons e uma casaca de estilo militar que lhe dava um ar autoritário. Na cabeça, usava um chapéu com uma aba dobrada, e em suas mãos, segurava uma arma peculiar, um cano de metal longo com um suporte para o ombro.
Minha curiosidade deve ter ficado evidente, pois Rosa se inclinou na minha direção para explicar.
— É uma arma personalizada, um foco para suas habilidades mágicas. Dizem que triplica sua força.
Assenti em silêncio, fascinado e preocupado. Do outro lado, Golem, o Colosso, era uma visão intimidadora. Um maciste de proporções gigantescas, que parecia ainda maior quando se concentrava. Placas de pedra começaram a emergir de sua pele, cobrindo-o como uma armadura natural e tornando-o ainda mais ameaçador.
Com um grito gutural, Golem avançou, seus passos pesados reverberando pelo chão da arena. Era como assistir a um tanque de guerra em movimento, sua investida incontrolável.
Germano, no entanto, não se moveu. Apenas ergueu sua arma, apontando diretamente para o gigante. O cano brilhou intensamente, e um estrondo ecoou pela arena.
O impacto foi imediato. Um pedaço do rosto de Golem foi arrancado, e a armadura de pedra caiu em estilhaços. Apesar disso, ele parecia se regenerar rapidamente, e sua investida não perdeu força. Germano deu um salto ágil, reposicionando-se em um piscar de olhos, disparando mais alguns tiros durante o movimento.
Cada disparo era preciso, mas Golem girava, protegendo o rosto com os braços enquanto avançava novamente. A estratégia era clara: ele sabia que aquela arma era perigosa demais para ignorar.
Germano, por sua vez, mantinha-se relaxado, como se estivesse no controle absoluto da situação. Quando a distância entre eles diminuiu para poucos metros, e Golem ergueu o braço para um golpe devastador, Germano fez seu movimento final.
Um clarão seguido de um estampido ensurdecedor. A parte de trás da cabeça de Golem simplesmente desapareceu, substituída por um buraco fumegante. O corpo colossal caiu a centímetros de Germano, inerte.
A arena entrou em silêncio por um momento antes de explodir em gritos e aplausos. Uma dezena de assistentes correu para dentro da arena para verificar o corpo.
Rosa, com o rosto pálido, levantou-se apressadamente.
— Preciso resolver isso… — murmurou antes de sair.
Ainda em pé, olhei para a arena, onde Germano estava parado, vitorioso. Ele ergueu a mão em minha direção, moldando os dedos em forma de uma arma. Apontou para mim, sorriu, e murmurou algo que li claramente em seus lábios: “Bang”.
Assustado, dei um passo para trás. O gesto foi involuntário, como se o peso da ameaça de Germano tivesse me atingido fisicamente. Antes que pudesse me perder naquele turbilhão de medo, senti a mão firme de Pandora pousar sobre meu ombro, ancorando-me. Sua presença era como um pilar em meio ao caos.
— Você não pode cair nesse tipo de jogo mental — ela sussurrou, sua voz firme e controlada ecoando em meus ouvidos. — É dar força para o inimigo.
Ergui o olhar para seus olhos verdes, profundos e penetrantes, e senti o abismo em que estava me jogando. Era a segunda vez que aquele tipo de pavor me tomava; a primeira havia sido quando Valis Nonnar matou um garoto durante um duelo. Agora, vendo o Golem cair sem vida, a realidade me atingia com força.
Por muito tempo, eu tinha acreditado que tudo isso era um jogo — perigoso, sim, mas ainda assim, algo de que eu sempre sairia vivo, de alguma forma. Mas agora, a verdade se impunha, crua e implacável: eu poderia morrer. Nix poderia morrer. Selune, meus amigos, todos eles estavam em risco. Os inimigos eram numerosos, cruéis e perigosos, e se eu não mudasse minha mentalidade, não só colocaria a mim mesmo em perigo, mas também a todos que dependiam de mim.
Enquanto essas realizações me consumiam, senti algo sombrio dentro de mim se agitar. Meu miasma começou a escapar do controle, ameaçando transbordar.
— Não agora — murmurei, apertando as mãos contra os braços, tentando conter o avanço daquilo.
O instinto me dizia para correr, para me afastar antes que algo pior acontecesse. Já estava me movendo para me desvencilhar de Pandora quando um som forte ecoou. Um tapa. A dor queimou no meu rosto, trazendo-me de volta à realidade.
— Se controle! Para com isso, garoto! — a voz de Pandora era como um chicote, cortando o véu de pânico que me envolvia.
Fitei-a, minha respiração ofegante. Havia uma mistura de raiva e preocupação em seu rosto. Mesmo sem palavras, ela exigia que eu voltasse a mim. Respirei fundo, várias vezes, até que o miasma recuasse, desaparecendo de volta para onde pertencia.
— Estou bem — murmurei, embora o ardor em minha bochecha e o tremor nas mãos dissessem o contrário.
— Toma tento, menino. — A firmeza em sua voz não deixava espaço para dúvidas. — Se isso se repetir, vou dizer a Rosa que você não tem condições de lutar aqui. Não é possível que ele te assustou tanto assim.
— Não foi isso… — tentei argumentar, mas as palavras soaram vazias, uma desculpa que nem eu acreditava.
— Não me interessa o que foi. — Ela estreitou os olhos, encarando-me como se me avaliasse. — O que interessa é você estar na arena amanhã cedo, para treinar.
Pandora deu as costas, mas antes de sair, lançou-me um último olhar, uma mistura de desapontamento e algo que não consegui identificar. Era como se estivesse me desafiando a provar que não era tão fraco quanto parecia. E então, ela saiu do camarote, deixando-me sozinho com meus pensamentos e a sensação de que, a partir daquele momento, algo em mim precisava mudar.
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