Capítulo 76: Briga de mulheres
De manhã bem cedo, tentei me levantar com cuidado, evitando alarmar Nix. Mas foi inútil. Alerta a cada movimento meu, ela despertou. Quando voltei da arena na noite anterior, ela percebeu imediatamente meu estado de espírito. Não adiantava tentar esconder nada dela. Tive que contar toda a história, com todos os detalhes, enquanto estávamos deitados na cama.
— Eu avisei que iria com você — reclamou Nix, cruzando os braços e me lançando um olhar teimoso. — Quero ver qual é a dessa Pandora, se ela é tudo isso mesmo.
Ela fez aquele biquinho que só ela sabia fazer, acompanhando o gesto com uma batida ritmada do pé no chão. Era um desafio silencioso, como se dissesse: “Tente me impedir, se for capaz.”
Suspirei, sabendo que não adiantava discutir.
— Se você faz questão, então venha. Mas não me culpe se eu não puder te dar atenção — respondi, já resignado.
Nix abriu um sorriso vitorioso e deu um pequeno pulo de alegria antes de correr para se trocar. Enquanto ela se preparava, fui fazer o mesmo, minha mente girando com a lembrança do combate da noite anterior e da sombra de Germano que pairava sobre mim. O desjejum foi rápido, tomado mais por obrigação do que por fome. O nervosismo já fazia um trabalho eficiente em tirar meu apetite.
Saímos logo em seguida, tomando o caminho familiar até a arena. Mais uma vez, entramos pelo falso bar, atravessando o labirinto de corredores apertados que nos levava ao coração do lugar. Quando emergimos na altura do picadeiro, a arena estava vazia, exceto por nós. A luz da manhã banhava o espaço com uma claridade fria, e o silêncio era quase palpável.
Pisei na areia, sentindo o chão ceder levemente sob meus pés. Foi então que algo chamou minha atenção: uma mancha marrom, escura e irregular, no local onde Golem havia caído na noite anterior. Engoli em seco, a lembrança ainda fresca em minha mente. Em uma semana, eu enfrentaria o homem que havia feito aquilo.
O som de uma voz feminina, firme e carregada de sarcasmo, cortou o silêncio.
— Eu não disse que poderia trazer animais de estimação.
Virei-me rapidamente, e lá estava Pandora, surgindo das sombras como uma predadora analisando sua presa. Seus olhos brilhavam com uma curiosidade ácida, e um sorriso desdenhoso brincava em seus lábios. Antes que eu pudesse responder, Nix deu um passo à frente, os olhos faiscando de raiva.
— Quem é animal de estimação aqui? — ela disparou, a voz cheia de fúria. — Fala na minha cara! Eu sou a noiva dele!
Antes que eu pudesse detê-la, Nix avançou. Suas mãos estavam fechadas em punhos, e ela partiu para cima de Pandora com uma velocidade que eu mal conseguia acompanhar. Pandora, por sua vez, não recuou. Com uma expressão relaxada, quase entediada, desviou do primeiro golpe de Nix com uma facilidade irritante. Mas havia algo mais nos olhos dela: um brilho maníaco, como se estivesse se divertindo com tudo aquilo.
Os golpes começaram a se intensificar. Nix atacava com uma fúria genuína, movida por algo mais profundo do que apenas orgulho ferido. Fazia tempo que eu não a via lutar assim, e era impressionante. Seus movimentos eram rápidos e precisos, um reflexo claro dos treinos que fazia com Karlom e de ter treinado Claire e Gérard. Mas o que realmente me chamou atenção foi o fato de que ela não estava usando suas adagas. Em vez disso, suas mãos haviam começado a se transformar. Garras afiadas emergiam de seus dedos, brilhando à luz do sol enquanto ela tentava atingir Pandora com golpes ferozes.
Pandora, no entanto, parecia estar apenas se aquecendo. Cada movimento de Nix era contrabalançado por uma esquiva precisa ou um bloqueio que parecia feito com desprezo. A expressão em seu rosto começou a mudar, de casual para algo mais intenso, mais insano. O sorriso dela crescia a cada golpe que desviava, como se estivesse se alimentando da raiva de Nix.
Conforme a luta escalava, uma preocupação crescente tomou conta de mim. Nix não estava se segurando, e Pandora claramente adorava o desafio. Ambas estavam indo longe demais.
— Parem com isso! — gritei, minha voz reverberando pela arena.
As duas se viraram para mim ao mesmo tempo, sem parar de se movimentar.
— Lior, fique fora disso! — responderam em uníssono.
Eu ergui as mãos, frustrado e impotente. Elas não iam ouvir. Sentindo-me derrotado, sentei-me na areia, observando as duas mulheres se enfrentarem como se fossem de mundos diferentes. Nix era puro instinto, feroz e implacável, enquanto Pandora era técnica e precisão, movendo-se como se dançasse. Era uma batalha tão fascinante quanto aterrorizante.
— Então é isso? O totó é a noiva dele? Pensei que teria ao menos um pouco mais de… altura — provocou, olhando Nix de cima a baixo.
— Repete isso, se tiver coragem! — Nix respondeu, avançando sem hesitar, os olhos brilhando de raiva.
O primeiro golpe veio rápido, um soco direto mirando o rosto de Pandora, mas a gladiadora desviou com um leve movimento para o lado, como se dançasse. Seu sorriso se alargou, desafiador.
— Rápida, mas previsível. Tente de novo.
Nix respondeu com uma série de golpes em sequência: um gancho de direita, um chute baixo e um ataque com as garras. Pandora, entretanto, parecia estar um passo à frente. Seus braços se moviam com precisão, bloqueando ou desviando cada golpe, seu corpo obedecia a cada comando, sempre saindo do alcançe dos ataques. Quando Nix tentou arranhar o rosto dela, Pandora agarrou o pulso de Nix no ar.
— Garras? Interessante. Mas isso aqui não é uma briga de gatos.
Com um giro rápido, Pandora torceu o braço de Nix, tentando desequilibrá-la. Nix grunhiu de raiva, usando a mão livre para tentar acertar Pandora no estômago. Dessa vez, Pandora foi forçada a soltar o braço dela, recuando dois passos.
— Finalmente! Um golpe que quase acertou — disse Pandora, rindo.
Nix bufou, sua fúria crescendo. Sem hesitar, ela se lançou para frente, usando toda a velocidade que tinha. Transformando parcialmente os dedos em garras, ela desferiu uma série de ataques ferozes, forçando Pandora a recuar. Os olhos de Nix estavam fixos em sua oponente, a determinação brilhando como uma chama.
Pandora bloqueava e desviava, mas a intensidade de Nix começou a fazê-la ceder terreno. No entanto, em vez de parecer pressionada, ela parecia se divertir mais a cada momento.
— É só isso que você tem? Pensei que estaria defendendo melhor a sua honra — Pandora zombou, esquivando-se de um golpe que passou a centímetros de seu rosto.
— Cala a boca! — gritou Nix, aproveitando a abertura para desferir um chute lateral na altura da cintura.
Dessa vez, Pandora não conseguiu esquivar completamente, o impacto fazendo-a recuar um passo. Ela riu, tocando a área atingida.
— Ah, agora sim! Isso foi interessante. Mas você ainda está longe de me alcançar.
Pandora então mudou o ritmo. Em vez de esperar, ela avançou, sua velocidade impressionante. Ela desferiu um soco direto que Nix bloqueou, mas o impacto foi tão forte que fez Nix perder o equilíbrio. Aproveitando o momento, Pandora girou o corpo e desferiu um chute lateral.
Nix se abaixou para esquivar, mas Pandora já antecipava isso. Com um movimento fluido, ela usou a outra perna para acertar um chute giratório no flanco de Nix, jogando-a para o lado. O impacto foi tão forte que Nix voou alguns metros, aterrissando na areia com um baque pesado.
Nix se ergueu, ofegante, o olhar cheio de ódio, mas também de algo mais: respeito relutante. Ela limpou a areia do rosto e cerrou os punhos.
— Isso ainda não acabou.
Pandora apenas sorriu.
— Ah, querida, mal começou.
Antes que Pandora conseguisse terminar a frase, um grito primitivo irrompeu da garganta de Nix. Seus cabelos se arrepiaram, eletricamente carregados, e pude sentir sua mana fluindo com força, de maneira selvagem e incontrolável. Era como se algo dentro dela tivesse sido despertado, algo muito mais forte e intenso do que eu jamais imaginara. Seus olhos brilharam com um fogo interior que eu nunca tinha visto antes.
Com um movimento abrupto, Nix começou a se transformar diante de mim. O pequeno corpo que eu conhecia foi se moldando de maneira impressionante, seus membros alongando-se com uma velocidade quase sobrenatural. Suas pernas se esticaram, e seus braços ficaram mais longos e musculosos, a pele de suas mãos e pés adquirindo um tom mais escuro enquanto garras afiadas e imponentes surgiam, prontas para dilacerar qualquer um que estivesse à sua frente. Sua coluna se arqueou, e uma cauda se formou, dividindo-se em duas pontas, as quais se balançavam de forma ameaçadora.
O pelo dourado que sempre a caracterizara começou a escurecer, ganhando um tom acinzentado, cobrindo seu corpo de maneira espessa e vibrante, como se fosse uma armadura natural, feita para resistir aos piores inimigos. As feições de Nix se tornaram mais bestiais, mais predatórias. Sua face, antes suave e delicada, agora estava marcada por um focinho mais alongado, e dentes afiados se destacavam de sua boca, prontos para partir para o ataque. Ela estava pronta para saltar, com a ferocidade de um predador em pleno combate.
Mas, antes que eu pudesse dar qualquer passo em direção a Pandora, ela falou novamente, sua voz tão fria e precisa quanto uma lâmina recém-afiada, cortando a tensão que pairava no ar.
Antes que eu pudesse dar qualquer passo em direção a Pandora, sua voz cortante ecoou, quebrando a tensão que havia tomado conta do ar.
— Só conheci uma única vulpina capaz de assumir essa forma de combate. É algo raro?
Nix bufou, mas a raiva que parecia arder em seus olhos vacilou, como uma chama que encontra resistência.
— É coisa da linhagem real vulpina. É raro, sim — respondeu ela, com a voz ainda carregada de irritação, mas já menos explosiva.
Pandora inclinou levemente a cabeça, avaliando Nix com aquele olhar afiado que parecia atravessar qualquer fachada. Então, ela lançou outra pergunta, como se desenterrasse um segredo esquecido.
— Você conhece alguma… Niana?
As palavras de Pandora atingiram Nix como um raio em céu limpo. Ela congelou, paralisada. O brilho de fúria que até então ardia em seus olhos desapareceu como uma vela apagada por uma rajada de vento.
Sua transformação começou a retroceder quase que imediatamente: os membros que haviam se alongado voltaram ao tamanho normal, as garras se retraíram, e o pelo escurecido perdeu intensidade, retornando ao dourado característico. Sua postura feroz deu lugar a uma expressão de fragilidade e vulnerabilidade que eu raramente via nela.
— Niana… — murmurou Nix, quase sem forças, como se aquele nome tivesse aberto uma ferida há muito enterrada.
Ela ergueu os olhos para Pandora, e neles havia algo incomum: uma tristeza profunda misturada a uma esperança hesitante, algo que fazia Nix parecer quase irreconhecível.
— Ela é minha irmã. Onde… onde você a viu?
Pandora hesitou, como se ponderasse suas palavras antes de falar. O silêncio que se seguiu parecia sufocante, preenchido apenas pelo som abafado de nossas respirações.
— Foi há quase um ano — respondeu Pandora, por fim, em um tom surpreendentemente suave. — Na cidade de Lurdz. Ela lutava na arena de lá.
— Lurdz? — repetiu Nix, sua voz quase um sussurro, como se tentasse gravar o nome. Seus olhos brilhavam com uma mistura de choque e esperança.
O nome parecia ser uma chave, destrancando portas que Nix mantinha trancadas há muito tempo. E algo em mim sabia que, a partir daquele momento, ela não descansaria enquanto não encontrasse a irmã.
Pandora descruzou os braços e deu um passo à frente, o semblante duro suavizado por uma compreensão genuína.
— Não sei se ajuda muito, mas ela é forte. Determinada. Lurdz é um lugar difícil, mas ela parecia… sobreviver. Como se sempre estivesse lutando por algo maior.
Nix avançou alguns passos, a respiração entrecortada pela ansiedade.
— Onde? Onde ela está? — perguntou, sua urgência quase palpável.
Pandora deu um pequeno sorriso, quase reconfortante.
— A última vez que a vi foi na arena de Lurdz. Isso foi há cerca de um ano.
— Lurdz… — repetiu Nix, pensativa. Sua expressão alternava entre esperança e preocupação, e eu podia ver que sua mente já começava a traçar um plano.
Eu assistia à cena em silêncio, sentindo o peso daquilo tudo. Nix raramente falava sobre sua família, e quando o fazia, havia sempre um tom de dor. Agora, saber que sua irmã estava viva reacendia algo nela, algo poderoso e inabalável.
Pandora deu de ombros, tentando aliviar a tensão no ar.
— Se precisar de alguma coisa, pode me chamar. E… boa sorte.
O silêncio que se seguiu não era mais carregado de tensão, mas cheio de possibilidades. Para Nix, o mundo havia se expandido de repente, e, enquanto eu a observava, só podia torcer para que aquela nova esperança a guiasse no caminho certo.
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