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    Quando Nix olhou para mim, seus olhos brilhavam com determinação. Eu já sabia o que ela queria dizer, estava escrito em sua expressão teimosa, mas cheia de propósito. Antes que ela pudesse falar, decidi cortar o assunto pela raiz.

    — Não posso ir agora — falei, esperando que ela fizesse algum drama.

    Mas a resposta veio rápida e afiada:

    — Quem disse que tô pedindo pra você? — retrucou Nix, cruzando os braços e me lançando um olhar feroz. — Eu vou sozinha. Sei que você está ocupado aqui. Vou falar com Karlom e Selune, eles podem ir comigo. E, se você ficar nervoso, manda Shade vir também. Vocês têm aquela conexão, lembra? Assim, vai saber como estamos o tempo todo.

    Fiquei parado, encarando aqueles olhos determinados. Algo dentro de mim queria impedi-la, queria dizer que ela devia ficar. Mas seria egoísta da minha parte. Nix não era uma criança. Ela era forte, independente, e já havia enfrentado coisas muito maiores do que eu poderia imaginar. Além disso, se havia alguém que sabia se virar, era ela.

    Suspirei, derrotado. — Tá bom. Vai falar com eles, então. Pode ir atrás de sua irmã.

    O sorriso que ela me deu fez valer cada palavra. Nix avançou e me deu um beijo apaixonado, como se agradecesse sem precisar dizer nada, antes de se virar para partir.

    Antes que ela pudesse cruzar a porta, Pandora, que havia assistido a tudo em silêncio, finalmente interveio. 

    — Rosa tem várias pedras de ancoragem para Lurdz. — A voz dela era quase casual, mas carregava uma gentileza que eu não esperava. — Pode pedir pra ela. Parece ser durona, mas é uma manteiga derretida.

    Nix parou e olhou para Pandora, surpresa, mas acenou em agradecimento.

    — Ah, e pode me chamar de Paws — completou Pandora, dando um sorriso ligeiro. — É meu apelido.

    Antes que eu pudesse esconder o sorriso que se formou em meu rosto com aquela inesperada camaradagem, Pandora me lançou um olhar severo e adicionou:

    — Ela pode. Pra você, só “senhora Pandora” ou “senhora”. — Seu tom voltou a ser duro e profissional. — Agora, chega de enrolar. Tá na hora de treinar.

    Eu ri baixo enquanto me preparava. O momento de descontração havia passado, e o peso do dia voltou a cair sobre mim. Nix partia em busca de sua irmã, e eu ficava, carregando o peso do que estava por vir. Mas, naquele momento, um pensamento me confortava: eu não estava sozinho, e Nix sabia exatamente como lutar pelas coisas que acreditava.

    Pandora se sentou em um dos degraus próximos, cruzando as pernas com a desenvoltura de quem já havia feito isso inúmeras vezes. Ela fez um gesto para que eu me sentasse também, e, embora relutante, obedeci.

    — Primeiro de tudo — começou ela, sua voz calma, mas com um tom que deixava claro que ela não estava ali para me agradar —, preciso entender uma coisa. Você é um mago, mas na sua primeira luta aqui entrou com uma espada na mão e mal usou magia. Qual é a lógica disso? — Ela inclinou a cabeça, os olhos verdes fixos em mim. — Sabe, as pessoas podem achar que você está querendo aparecer. Ou pior, que está menosprezando quem leva isso tudo a sério.

    Senti o peso da acusação, mesmo que Pandora não tivesse me acusado diretamente.

    — Não é isso — comecei, tentando me defender.

    Mas vi pelos olhos dela que palavras não seriam suficientes. Aquele tipo de respeito não se conquistava com explicações. Suspirei e olhei nos olhos dela.

    — No segundo círculo, escolhi me especializar em magia — expliquei, mantendo minha voz firme. — Mas eu também tenho um corpo que é muito bom para combate físico. É assim que sempre lutei. Não é sobre menosprezar ninguém. É o que eu sou.

    Pandora continuou me encarando, sua expressão séria, mas com algo curioso em seus olhos, como se estivesse tentando ler além das minhas palavras.

    — Hum… interessante — murmurou, mais para si mesma do que para mim. Então, ergueu-se de repente e estendeu a mão em um movimento autoritário. — Muito bem, vamos começar. Quero testar seus limites. Te aviso desde já: vai ser exaustivo. De verdade.

    O treinamento foi brutal. Antes mesmo do almoço, eu já estava em um estado deplorável. Meu corpo tremia, coberto de suor, como se tivesse acabado de sair de um rio. Minha respiração era curta, ofegante, e cada músculo queimava como fogo vivo. Mesmo com a resistência acima da média que sempre me orgulhei de ter, estava em frangalhos.

    Pandora me observava de braços cruzados, aparentemente incansável, como se não tivesse passado pelas mesmas horas de esforço físico.

    — Bem — disse ela, finalmente quebrando o silêncio. — Seu corpo não é só mais forte que o normal, é muito mais forte. Entendo agora por que insiste em lutar com espada enquanto usa magia. É uma combinação interessante.

    Mesmo exausto, não consegui evitar um pequeno sorriso ao ouvir aquilo. Mas Pandora não havia terminado.

    — Mas não passa de potencial — continuou, e meu sorriso morreu ali mesmo. — Potencial desperdiçado, diga-se de passagem. Quem te ensinou a lutar não pertence a nenhuma das Grandes Casas, certo?

    O comentário me atingiu como um soco.

    — Não — admiti, engolindo em seco enquanto lembrava do meu treinamento. Eu era um Vulkaris, mas nunca participei dos treinamentos formais da Casa. O único mentor que tive foi Karlom, um ex-soldado sem título ou prestígio, que me ensinou com base em sua experiência prática.

    Pandora inclinou a cabeça, seus olhos verdes agora carregados de uma intensidade quase desconfortável.

    — Muito estranho. — Sua voz estava mais baixa, quase como se estivesse pensando alto. — Você não me parece um impostor, mas… o jeito como você se comporta, como fala… isso é típico de alguém de uma Grande Casa. Só que seu treinamento é, sinceramente, vergonhoso.

    Engoli em seco, sentindo-me exposto.

    — Eu diria que você está fingindo ser quem não é — Pandora continuou, inclinando-se ligeiramente para frente, como se tentasse capturar minha reação. — Mas há algo em você… algo que não encaixa nessa hipótese.

    Foi então que percebi meu erro. Ao admitir que nunca tive treinamento formal, expus parte do meu segredo sem querer. Minha mente fervilhava de dúvidas. Será que Pandora iria se manter calada?

    Ela me observou por mais alguns segundos, em silêncio, antes de cruzar os braços e suspirar, como se tivesse decidido deixar a questão de lado.

    — Bem, isso não importa. Pelo menos, não por agora — disse ela, com um tom prático que contrastava com a intensidade de sua análise anterior. — O que importa é que, em uma semana, você precisa vencer aquele almofadinha do Germano. Depois disso, aí sim me preocupo com quem você é de verdade.

    Sua sinceridade foi quase reconfortante, mas não deu tempo para eu digerir a informação.

    — E como se isso não fosse suficiente — continuou Pandora, começando a andar de um lado para o outro, claramente irritada —, ainda tenho que quebrar a cabeça para achar um jeito de vencer aquele safado do Hass.Droga, não faço ideia de como conseguir isso.

    Ela passou as mãos pelos cabelos, frustrada, e murmurou algo inaudível para si mesma, como se estivesse debatendo internamente algo importante.

    — Hass é… tão desprezível assim? — perguntei, tentando entender o peso em suas palavras.

    Pandora parou por um momento, os olhos verdes fixos em mim, antes de soltar um suspiro pesado.

    — Desprezível? Você entendeu tudo errado — respondeu ela, com um sorriso amargo que parecia carregar uma mistura de respeito e ressentimento. — Ele é uma das pessoas mais corretas e honradas que já conheci. Ele não trapaceia, não engana. Hass joga dentro das regras, mas sabe como colocá-las no limite. E, pra piorar, ele tem uma força absurda e um talento que parece inalcançável.

    Ela fez uma pausa, como se estivesse ponderando se deveria continuar, mas então desviou o olhar.

    — Eu era a discípula dele, antes de… — começou, mas parou abruptamente. A sombra de algo doloroso passou por seu rosto. — Bem, não importa, não é? Você tem seus segredos, e eu tenho os meus.

    Seu tom finalizou a conversa, mas não pude deixar de notar o conflito em seus olhos. Antes que eu pudesse insistir, Pandora se virou para mim, como se algo em minha expressão tivesse despertado uma ideia.

    — Talvez… — começou ela, com os olhos brilhando de inspiração repentina. No entanto, sua determinação hesitou, e ela balançou a cabeça, descartando o pensamento. — Não. Não quero criar falsas esperanças.

    — O quê? — perguntei, minha curiosidade crescendo.

    — Nada que você precise se preocupar agora — respondeu ela, com firmeza, voltando ao tom severo. — Primeiro, concentre-se em Germano. Se você não conseguir derrotá-lo, não terá que se preocupar com Hass ou comigo, porque não estará mais aqui.

    As palavras eram diretas e duras, mas algo em seu tom mostrava que ela queria me desafiar, não me desmotivar. Era um tipo de incentivo que apenas alguém como Pandora poderia dar.

    — Certo. Então vamos voltar ao treino — disse, sentindo minha determinação se reacender.

    Pandora ergueu uma sobrancelha, avaliando minha resposta, antes de deixar escapar um pequeno sorriso.

    — Isso mesmo. Agora levante. O almoço pode esperar — disse ela, já apontando para a área de treino.

    Suspirei, limpando o suor da testa e me levantando com esforço. Pandora não era apenas minha treinadora naquele momento. Ela era o obstáculo que me forçaria a ultrapassar meus limites, e, apesar do cansaço, eu sabia que não podia parar agora.

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