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    Depois de um dia extenuante, onde Pandora parecia determinada a testar meus limites — físicos e mágicos —, voltei à mansão. O lugar parecia estranhamente vazio sem Nix, Selune, Karlom e Shade. Apenas Philip, o pequeno camundongo, permanecia como companhia, observando-me enquanto eu relaxava na banheira quente. Meu corpo e mente estavam exaustos, mas o calor da água ajudava a aliviar a tensão acumulada.

    Logo após o almoço, recebi uma chamada de Shade através de nossa ligação. Nix e Selune se despediram à distância; os preparativos estavam completos, e elas já partiam para Lurdz. Quando entraram na névoa, senti a conexão com Shade enfraquecer até quase desaparecer. Era difícil até mesmo captar sua presença. Em silêncio, desejei boa sorte àquelas duas. Especialmente à minha querida raposinha.

    Enquanto a água quente envolvia meu corpo, comecei a repassar os eventos e lições do dia. Um sorriso involuntário surgiu em meus lábios ao pensar em Pandora como “Paws”.

    Fechei os olhos, permitindo que as memórias viessem à tona como cenas de um filme.

    — A primeira coisa que você precisa aprender — dissera ela, com sua voz firme e incisiva — é que não basta simplesmente circular o mana e cristalizar os círculos. Isso pode te fortalecer? Sim. Mas não da forma ideal. Existe uma maneira correta, e esse é um segredo que somente as grandes Casas conhecem, seja você mago ou cultivador.

    A menção aos “cultivadores” capturou minha atenção. Apesar de ter crescido na Casa Vulkaris, jamais ouvira esse termo. Era, de fato, algo reservado a poucos. Como Pandora sabia disso permanecia um mistério, mas, considerando o quão enigmática ela era, seus segredos talvez fossem tão profundos quanto os meus.

    Guardei suas palavras no coração, como um tesouro recém-descoberto.

    — Outra coisa, — continuou ela, o olhar cortante como sempre — a divisão entre magos e cultivadores não é tão grande quanto as pessoas pensam. Quando alguém domina as técnicas corretas de circulação e fortificação de mana, os caminhos se abrem.

    Cultivadores podem acessar a mana para feitos que muitos chamariam de mágicos. Não tanto quanto um mago exclusivo, claro, mas suficiente para alguns truques. Como nosso amigo Germano, por exemplo. Aposto que você pensava que ele era um mago.

    Eu realmente pensava. Germano, com seus disparos e longos saltos, tinha toda a aparência de um mago

    — Mas ele não é. — Pandora sorriu, como se antecipasse minha reação. — É um cultivador. E ele aprendeu a usar sua mana de forma limitada, mas eficiente. Essa combinação é o que o torna tão perigoso.

    Aquelas palavras eram como uma chave, destrancando algo que eu não sabia estar trancado. Minha mente fervilhava com possibilidades. Embora ainda não tivéssemos praticado as técnicas que Pandora prometera, minha expectativa estava em alta.

    Naquele momento, submerso na banheira, senti que algo dentro de mim começava a mudar. Um novo horizonte se abria, e eu sabia que, no final do treinamento, eu não seria mais o mesmo.

    E para coroar o dia, seguindo as poucas dicas que Pandora me passou, cristalizei meu terceiro círculo. Agora, podia finalmente dizer que era de terceiro círculo completo. Já estava próximo desse feito há algum tempo, mas parecia travado. A mudança de ares e as provocações incessantes de Pandora deram o impulso final. Sentia-me mais forte, com as reservas de mana mais abundantes. Era o ápice para uma pessoa comum, mas sabia que ainda estava longe do poder de figuras como Cassiopeia, André, Alissande ou Valis. Contudo, havia algo que me diferenciava deles: potencial.

    Por um instante, imaginei a expressão de Pandora ao descobrir esse progresso. Desejava ver algo diferente daquela indiferença permanente em seu rosto.

    Saí do banho, com o corpo ainda formigando de energia renovada. Ordenei a Philip que coordenasse nossos pequenos espiões para continuar a vigiar os arredores da mansão, verificando qualquer sinal de intrusos. Depois, deixei-me cair na cama, sentindo o cansaço e a excitação se misturarem. O dia seguinte prometia muitas novidades.

    Na manhã seguinte, sem distrações, tomei o café da manhã rapidamente e segui para a arena. Pandora já estava lá, me esperando com os braços cruzados e aquele ar de superioridade que já começava a me irritar.

    Passei pelo rack de armas e retirei uma espada de treino, balançando-a para me acostumar com o peso e o equilíbrio. Quando me aproximei, Pandora me lançou um olhar frio.

    — Quem mandou pegar a espada? — perguntou, sem disfarçar o desdém.

    — Pensei que você fosse me treinar combate hoje. 

    Ela bufou, balançando a cabeça.

    — Você está pensando demais. Vá lá, devolva a espada e volte aqui.

    Fiz o que ela mandou, já sentindo a frustração borbulhar. Quando retornei, Pandora continuou sua cantilena:

    — Você quer aprender a correr antes de andar.

    Ela respirou fundo, como se estivesse prestes a tomar uma decisão difícil.

    — Só vou fazer isso porque tenho certeza de que você pertence a uma das grandes Casas. O que eu disse ontem já seria motivo suficiente para nós dois sermos condenados e executados. Preciso de garantias antes de prosseguir. Jure para mim.

    Olhei nos olhos dela e, sem hesitar, jurei. Usei as palavras antigas, aquelas reservadas à elite. Era um juramento de honra, sem amarras mágicas, mas tão sério quanto qualquer contrato selado por mana.

    Pandora assentiu, satisfeita, e continuou:

    — Vou te ensinar uma técnica básica. É a mais simples que conheço, mas, para você, será o suficiente por enquanto. Vou mostrar como respirar, circular o mana e mover o corpo. Preste atenção em cada detalhe, porque você vai repetir tudo exatamente como eu fizer.

    Foquei completamente nela, interrompendo todos os outros pensamentos. Pandora começou a demonstrar: respirava de forma peculiar, sincronizando a circulação de mana com os movimentos do corpo. No início, era lento e controlado, mas, conforme a rotação do mana aumentava, seus movimentos ganhavam velocidade e fluidez. Por um instante, achei ter identificado um padrão naquilo, mas, antes que pudesse entendê-lo, a impressão desapareceu.

    Ela parou subitamente, ofegante, o corpo suado como se tivesse corrido quilômetros. Fiquei confuso; ela mal havia se movido por cinco minutos.

    — Uau, setenta e dois passos… Acho que é meu recorde pessoal. Talvez você consiga dar uns vinte passos. Prestou atenção?

    Assenti, sem palavras.

    — Então assuma a posição inicial — ordenou, movendo-se para minhas costas. — Comece a respirar. Assim mesmo. Agora circule o mana. Não, assim não… Isso, assim mesmo. Não mude o ritmo; você vai sentir quando for necessário.

    Fiquei ali por alguns minutos, tentando me acostumar com aquela técnica estranha. A energia acumulava-se dentro de mim de uma forma que nunca havia experimentado. Era como se cada fibra do meu corpo vibrasse, prestes a explodir.

    — Agora dê o primeiro passo…

    Assim que me movi, senti meu corpo pesado, era como se o próprio ar ao meu redor tivesse se tornado sólido. O esforço inesperado me fez vacilar e uma dor intensa explodiu em meu peito, arrancando-me um grito. Caí no chão, incapaz de suportar o fardo.

    — Não, burro! — gritou Pandora, sua voz ecoando pela arena. — Seu corpo tem que se mover junto com a rotação do mana. Onde a mana vai, o corpo segue. Não o contrário! Isso tem que ser instintivo! Agora levante-se e tente de novo!

    Sua expressão estava cheia de frustração, mas também de determinação. Apesar da dor, algo dentro de mim acendeu. Eu não desistiria. Não enquanto ela acreditasse que eu era capaz de aprender.

    O dia foi um completo oposto do que eu havia imaginado. Pensava que aprenderia técnicas mortais de espada ou movimentos que me fariam dominar o controle da arena. Em vez disso, passei horas tentando sincronizar respiração, circulação de mana e movimentação. E falhei. Miseravelmente.

    O máximo que consegui foi dar três passos antes de tudo desmoronar — a energia se desestabilizava, a respiração saía do ritmo, e meu corpo simplesmente não obedecia. A cada tentativa frustrada, a dor se manifestava de forma implacável, como uma punição cruel por não ser bom o suficiente.

    Porém, ao final do treino, Pandora estava diferente. Notei algo na sua expressão, um lampejo de respeito. Era sutil, mas estava lá. Talvez minha insistência tivesse tocado algo nela.

    No fim da tarde, ela me deu um raro alívio:

    — Por hoje está bom. Vá descansar, já forçou demais seu corpo. É inacreditável que você ainda está de pé. Amanhã continuamos.

    Sem esperar minha resposta, ela subiu as escadas da arena e desapareceu da minha vista. Assim que fiquei sozinho, meu corpo cedeu. Desabei no chão, completamente exausto. Nunca me sentira tão cansado antes.

    O único motivo pelo qual meu corpo ainda se movia era porque havia sido modificado para ser mais resistente. Era um corpo mutante, criado para suportar limites além do humano comum. E, claro, minha teimosia fazia o resto do trabalho.

    Fiquei deitado por um longo tempo, me recuperando e tentando decidir o que fazer. Pensava na banheira quente e na minha cama macia, que me aguardavam na mansão. Mas, ao mesmo tempo, algo dentro de mim me impedia de abandonar aquele lugar.

    Pesei os prós e os contras. Cada músculo do meu corpo gritava para que eu parasse, mas minha mente teimava em continuar. Suspirei, resignado.

    Levantei-me lentamente, sentindo cada fibra dolorida. Reassumi a posição inicial e me preparei.

    — Mais uma tentativa… — murmurei para mim mesmo.

    E assim recomecei o treino. Passo após passo, buscando aquela sincronia impossível. O cansaço se acumulava, mas a determinação me mantinha em pé.

    A noite seria longa. 

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