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    Pandora bufou e revirou os olhos, claramente frustrada com minha resposta. Ela cruzou os braços e me encarou como se eu fosse a pessoa mais densa que ela já havia treinado.

    — Não sabia como? — ela repetiu, a voz carregada de incredulidade. — Tudo o que eu fiz foi te preparar para isso, e você ainda não entendeu?

    Engoli em seco, sentindo o peso de sua decepção.

    — Você ficou tão preso a pensar no que deveria fazer que não deixou seu corpo reagir — ela continuou, balançando a cabeça. — A sincronização que te ensinei não é só pra treino, idiota. É pra luta. É instinto.

    Ela caminhou até mim, e mesmo com sua estatura menor, parecia me encarar de cima.

    — Você acha que seus inimigos vão te dar tempo pra pensar? — Pandora perguntou, com os olhos fixos nos meus. — Eles vão te cortar em pedaços antes de você decidir qual movimento fazer.

    Ela se aproximou, parando tão perto que senti o calor emanando de sua presença. Seus olhos pareciam perfurar minha alma enquanto ela falava, firme e implacável:

    — Respire e circule a mana como da primeira vez. Entre em posição. Vou te atacar. Você bloqueia com seu corpo, mas, ao fazer isso, modifica levemente sua respiração e direciona toda a mana no fluxo do movimento.

    Sua voz carregava uma autoridade que não deixava espaço para dúvidas.

    — Vai!

    Antes que pudesse me preparar totalmente, Pandora desferiu um soco direto em meu peito. Por instinto, movi meu antebraço para bloquear, tentando seguir suas instruções. No momento em que seu punho encontrou minha defesa, algo aconteceu. Era como se a mana que circulava em meu corpo amplificasse meus reflexos, tornando o movimento mais rápido e preciso do que eu julgava ser capaz. Seu golpe foi desviado com uma força que não parecia ser minha.

    Pandora abriu um sorriso satisfeito, embora ainda tivesse aquele brilho impiedoso no olhar.

    — Isso aí, caramba! Foi difícil? — ela disse, com um tom que misturava incentivo e provocação. — Vamos de novo, até isso virar automático.

    E assim fizemos. Durante meia hora, repetimos o movimento. Ela atacava, e eu bloqueava, ajustando a respiração e o fluxo de mana a cada tentativa. Meu corpo protestava, cansado e dolorido, mas a cada bloqueio bem-sucedido, uma pequena fagulha de confiança acendia dentro de mim.

    Então, Pandora deu um passo para trás, baixou os braços e abriu um sorriso desafiador.

    — Agora é a sua vez. Me ataque. Sem pensar. Só faça.

    Eu hesitei. Minha mente girava, tentando lembrar cada detalhe do treino, cada instrução. Mas, antes que pudesse reagir, Pandora avançou como um raio. Seu golpe rápido acertou meu peito, me jogando no chão com força.

    — Sem pensar! — ela gritou, a impaciência evidente na voz.

    A frustração queimava em minhas veias, misturada à dor do impacto. Levantei-me, com os punhos cerrados, determinado a não falhar novamente. Respirei fundo, sentindo a areia sob meus pés, e comecei a circular a mana como ela havia ensinado.

    Fechei os olhos por um instante, deixando que minha respiração e minha energia se conectassem. Quando abri, Pandora já estava em movimento. Mas dessa vez, algo diferente aconteceu. Antes que minha mente pudesse decidir, meu corpo reagiu por conta própria. Meus pés deslizaram na areia, desviando do golpe, e minha mão se moveu, pronta para contra-atacar.

    Por um momento, que parecia durar uma eternidade, vi a expressão de Pandora mudar. Ela parou, avaliando o movimento. Um pequeno sorriso satisfeito curvou seus lábios antes que ela recuasse.

    — Aí está — ela disse, com um tom mais brando. — Não é perfeito, mas é um começo.

    Ofegante, me endireitei, sentindo o suor escorrendo pelo rosto e o cansaço pulsando em cada músculo. Mas, junto com a exaustão, veio uma sensação de conquista. Pela primeira vez, senti que tinha feito algo certo.

    Pandora, no entanto, não deixou o momento durar muito.

    — Você ainda vai apanhar muito antes de dominar isso — disse ela, seu sorriso sádico voltando. — Mas, pelo menos, agora tem algo que vale a pena ser lapidado.

    Ela fez um movimento de esfregar uma mão na outra, como se tivesse acabado de realizar o seu serviço.

    — Descanso agora — Pandora disse, interrompendo o silêncio que se instalou entre nós.

    Ela deu alguns passos, ajustando a postura, e se virou para mim novamente, apontando um dedo firme na minha direção.

    — Amanhã, depois do seu treino conjunto, venha pra cá. Não importa a hora.

    Seu olhar era intenso, quase ameaçador, como se quisesse garantir que não haveria desculpas. Dei um leve aceno de cabeça, mas antes que pudesse abrir a boca, ela continuou, com a mão nos quadris e um sorriso que misturava autoridade e ironia.

    — Ah, e mais uma coisa… — ela pausou, inclinando a cabeça, como se ponderasse a melhor forma de dizer aquilo. Seus olhos analisaram minha expressão, procurando qualquer sinal de fraqueza.

    — Não importa o que você estiver fazendo — Pandora deu um passo à frente, como se quisesse garantir que eu entendesse. — Escovando os dentes, no banho, ou até mesmo sentado no banheiro!

    Ela soltou uma risada curta, quase debochada, antes de continuar:

    — Mantenha a respiração e a circulação de mana. O tempo todo.

    Por um momento, o silêncio voltou a tomar conta da arena. Pandora cruzou os braços, me observando como se esperasse alguma reação minha, um protesto ou até mesmo uma desculpa. Mas eu apenas fiquei parado, tentando absorver tudo que havia acontecido.

    — Não faça essa cara, garoto. Amanhã você vai me agradecer… ou me odiar ainda mais.

    Sem esperar uma resposta, Pandora virou-se e caminhou lentamente em direção à saída. Seus passos ecoaram na arena vazia, e antes de desaparecer completamente, ela lançou um último olhar por cima do ombro.

    — Só não me faça perder meu tempo.

    Fiquei ali parado, o corpo destruído pela exaustão e pela surra, a mente inquieta. As palavras de Pandora ainda ecoavam em minha cabeça, junto com a sensação de realização que, embora pequena, era como uma chama que começava a crescer.
    Era hora de ir pra casa.

    Ao chegar na mansão, entrei no meu aposento, o ambiente estava mergulhado em um silêncio inquietante. A penumbra, quebrada apenas pela luz difusa que entrava pelas frestas da janela, dava ao espaço um ar ainda mais sombrio. Philip estava lá, sobre a escrivaninha, sua presença inconfundível. Sua forma estava parcialmente envolta em sombras, mas seus olhos — aqueles orbes brilhantes e famintos — me encaravam fixamente, como se já soubesse que eu vinha carregado de energia para ele.

    Aproximei-me devagar, estendendo a mão, e senti pela nossa ligação algo fora do comum. Philip não estava apenas à espera de sua dose de miasma. Havia algo mais, uma inquietação latente que me alcançava como um eco através de nosso vínculo.

    — O que foi, Philip? — murmurei, inclinando-me para liberar o fluxo de energia que ele tanto ansiava.
    Enquanto absorvia o miasma, senti sua mensagem percorrer minha mente, como se ele despejasse imagens e sensações diretamente dentro de mim. Não eram palavras, mas visões fragmentadas e emoções agudas, que juntas formavam uma mensagem clara. Nossos espiões haviam detectado algo.

    As cenas passaram diante dos meus olhos com uma clareza perturbadora: um cadáver sendo recolhido pela guarda da cidade, sua carne marcada com sinais inconfundíveis de contaminação pelo miasma. A energia sombria ainda pairava ao redor do corpo, como se se recusasse a dissipar completamente. Um calafrio percorreu minha espinha. Eu reconhecia aquele homem. Ele era o criador do rato que espionava Selune.

    — Queima de arquivos… — murmurei para mim mesmo, apertando os punhos enquanto deixava a conexão com Philip se desfazer.

    A descoberta era preocupante. Alguém estava tentando encobrir rastros, eliminando peças de um quebra-cabeça do qual eu mal começava a entender. Mas quem? E por quê?

    Philip terminou de absorver o miasma e se enrolou sobre si mesmo, como uma sombra satisfeita, mas vigilante. O quarto parecia mais escuro do que antes, e a sensação de que uma trama maior se desenrolava sem que eu conseguisse ver seus contornos começou a me pesar.

    Eu precisaria agir rápido, antes que mais peças desaparecessem do tabuleiro.

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