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    Segui Pandora para o centro da arena, sentindo o solo de areia ceder levemente sob meus passos. Apesar do cansaço, mantive a postura ereta e os sentidos atentos. Eu sabia que qualquer deslize custaria mais tempo de aprendizado e, se havia algo que Pandora não gostava, era desperdício.

    Ela me olhou de cima a baixo, avaliando-me como se estivesse procurando algo além do óbvio. Então, cruzou os braços e começou a falar:

    — Vamos lá. Vou te ensinar uma terceira respiração.

    O tom dela era direto, sem rodeios.

    — Essa vai maximizar o mana no seu núcleo. Vai fortalecer qualquer magia que você conjurar. Os feitiços serão mais poderosos, durarão mais tempo e serão mais difíceis de dissipar.

    Ajustei minha postura, absorvendo cada palavra com seriedade.

    — Mas tem um porém. — Ela estreitou os olhos. — Se usada de forma errada, essa respiração pode te sobrecarregar. E se você não souber como liberar o excesso, pode acabar se ferindo.

    Pandora fez um gesto para que eu prestasse atenção, e redobrei minha concentração. Ativei meus sentidos ao máximo, tentando captar qualquer mudança sutil nela, qualquer variação em sua energia ou respiração.

    Foi quando percebi.

    A cadência da sua respiração mudou. Os movimentos de seu diafragma ficaram mais intensos, subindo e descendo de maneira firme e ritmada. Seu peito inflava em uma sequência veloz, mas sua expressão permanecia serena, controlada.

    E então senti.

    Seu núcleo de mana se expandiu, tornando-se mais denso, como se tivesse sido inflado por uma força invisível. O ar ao redor dela vibrou com a energia acumulada, e a mana ambiente foi atraída como um rio sendo puxado para um vórtice. O efeito era tão intenso que, por um momento, parecia que toda a arena girava ao redor dela.

    Eu já havia sentido mana sendo manipulada de várias formas antes, mas aquilo era algo diferente. Era como se Pandora estivesse criando um reservatório dentro de si, condensando energia bruta de uma maneira que eu nunca tinha testemunhado.

    Então, com um longo suspiro, ela expirou.

    A liberação foi tão súbita que quase dei um passo para trás.

    Uma névoa de mana escapou de sua boca, dissipando-se no ar como vapor quente no inverno. Não era apenas uma expulsão de ar — era mana pura sendo liberada, um excesso que seu corpo não podia reter.

    — Não segure o excesso. — O tom dela era sério, quase um aviso. — Pode fazer mal pra você.

    Respirou fundo e se virou para mim, cruzando os braços.

    — Sua vez.

    Olhei para Pandora mais uma vez antes de voltar minha atenção para o espaço vazio da arena. Meu coração batia acelerado, não por medo, mas pela antecipação do que estava prestes a tentar.

    Fechei os olhos e respirei fundo, acalmando minha mente.

    Revi os passos que Pandora havia demonstrado e comecei. Primeiro, controlei minha respiração, buscando o mesmo ritmo firme e ritmado que ela usou. Inspirei lentamente, sentindo meu diafragma expandir, e expirei de forma controlada. Aos poucos, minha respiração se acelerou, tornando-se mais intensa, mais profunda.

    A voz dela me guiou, distante, mas presente.

    — Isso, continue nesse ritmo…

    Mantive-me concentrado. A mana começou a responder.

    Senti a energia ao meu redor ser puxada para dentro de mim com uma violência quase assustadora. Era como se meus canais de mana fossem rios secos e, de repente, uma enxurrada tivesse sido liberada, inundando tudo sem controle. A energia fluiu pelo meu corpo, percorrendo cada fibra, cada célula, como se quisesse me preencher por completo.

    E então, atingiu meu núcleo.

    Era como um ímã atraindo limalha de ferro. Meu núcleo de mana se expandiu rapidamente, absorvendo mais e mais energia, até que começou a transbordar. A pressão aumentou, e uma sensação de calor intenso percorreu meu corpo.

    Foi quando ouvi a voz dele.

    — Que porra é essa que você está fazendo?!

    O grito soou como um trovão dentro da minha mente. Minha contraparte sombria rugiu, sua presença emergindo do fundo do meu oceano de mana.

    — Pare imediatamente! Esse fluxo de mana é grande demais! Seu ponto de corrupção não vai aguentar esse volume de energia!

    Ele estava assustado. Era a segunda vez que se manifestava durante meus treinos com Pandora.

    Da primeira vez, ele havia bloqueado meu núcleo contra a influência da mana dela quando ela tentou me ajudar a recuperar as forças para continuar treinando. Eu não tinha tentado me comunicar com ele depois disso. Acreditei que, de alguma forma, ele estava tentando nos proteger de ter o miasma descoberto.

    Na minha cabeça, aquilo fazia sentido.

    Era uma forma de proteger nossos segredos.

    E se havia alguém que tinha talento para desenterrar segredos, mesmo que apenas na superfície, esse alguém era Pandora.

    Mas agora… agora ele queria que eu parasse.

    E eu não via sentido nisso.

    Continuei, ignorando seu aviso.

    — Pare, seu teimoso! Se não parar, vou ter que tomar uma atitude!

    Ele insistiu, sua voz carregada de ameaça.

    Foi então que percebi algo estranho.

    Ele não estava lendo meus pensamentos.

    Se ele realmente estivesse ligado a mim de forma tão profunda, saberia que eu não pretendia parar. Mas ele parecia apenas reagir ao que via acontecer, como se estivesse lidando com um estranho, tentando adivinhar minhas intenções.

    Esse detalhe me incomodou.

    Desde o início, eu acreditava que minha contraparte sombria fazia parte de mim — que éramos duas metades da mesma consciência, ligadas por algo fundamental e inseparável. Mas, se isso fosse verdade, por que sentia essa distância entre nós?

    Eu nunca tinha percebido falta de nenhuma lembrança ou experiência. Nunca houve um lapso, um vazio que sugerisse que ele carregava algo que eu não possuía. Mesmo assim, certos detalhes já vinham me perturbando há algum tempo: os segredos que ele mantinha, o conhecimento que não era compartilhado, as coisas que ele me induzia a fazer sem que eu soubesse as consequências completas.

    Talvez… talvez nossa conexão não fosse tão profunda assim.

    Talvez ele só tivesse sido parte de mim no começo e, com o tempo, algo tivesse mudado.

    Curioso, tomei uma decisão.

    Afundei minha consciência dentro de meu oceano de mana.

    Queria ver com meus próprios olhos o que estava acontecendo.

    Quando minha projeção chegou ao meu espaço interior, a visão me deixou em choque.

    Minha contraparte sombria estava ali, desesperada, lutando com todas as forças para impedir que a mana pura que inundava meu oceano chegasse à esfera negra.

    A prisão de Mahteal.

    A esfera pulsava.

    Não era um brilho comum. A cada pico de energia, seu tom sombrio era invadido por flashes azulados, ecos da mesma cor da mana que agora saturava meu oceano.

    Era como um coração negro sendo forçado a pulsar com sangue novo.

    Meu núcleo de mana, aquela pedra física que existia dentro de mim como um pilar de poder, brilhava intensamente. Os três anéis que representavam meus círculos de magia giravam com velocidade, emanando uma luz tão forte que fazia meus olhos doerem.

    Minha contraparte percebeu minha presença.

    Virou-se para mim.

    Seus olhos eram poços de fúria.

    — Você! Pare com isso já!

    Não respondi. Apenas observei.

    E naquele momento, ele percebeu que eu não tinha intenção de interromper.

    Um brilho de desespero cruzou seu rosto sombrio. Ele resistia ao fluxo de mana que me invadia, mas, por mais zelosa que fosse sua guarda, a energia pura continuava a pressionar as barreiras da esfera que representava Mahteal. A cada onda, o azul pulsante dentro dela se intensificava, como se algo estivesse prestes a romper.

    Foi então que uma voz ecoou dentro do meu oceano de mana. Foi um choque para mim que uma voz estranha tivesse surgido dentro de meu oceano de mana. Parei para ouvir o que ela dizia.

    — Ele não é quem você pensa que é… Eu não sou o inimigo…

    As palavras pairaram no ar como um trovão silencioso, reverberando em cada gota de mana ao meu redor. Algo dentro de mim hesitou, um lapso de dúvida rasgando a determinação que me guiava. Mas não tive tempo para processar.

    Minha sombra reagiu primeiro. Seu semblante se contorceu em raiva, um ódio primitivo emanando dela como uma onda de calor.

    — Chega disso!

    A explosão veio antes que eu pudesse reagir. A energia negra, liberada pela minha sombra, se expandiu com violência, colidindo com a mana pura que entrava aos borbotões. Foi como misturar tempestade e fogo. O impacto gerou um choque abrupto, uma ruptura caótica que sacudiu meu ser por inteiro, a dor que senti era como se tivesse a alma dilacerada.

    Fui arrancado do meu próprio oceano de mana. Minha consciência desabou para fora daquele espaço, como se tivesse sido expulsa à força. Meu corpo perdeu o equilíbrio, um torpor irresistível dominando cada fibra dos meus músculos. Não tinha forças nem para gritar.

    Antes que tudo se apagasse, uma última imagem se gravou em minha mente:

    Pandora estava diante de mim. Seus olhos verdes, sempre tão cheios de confiança e determinação, estavam arregalados. Ela parecia… assustada, muito assustada.

    O que era uma visão rara.

    Minha visão escureceu.

    E desmaiei.

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