Capítulo 9: Okron
Dentro do quarto, longe de ouvidos curiosos, olhei para Nix ao meu lado. A lembrança da conversa daquela noite, nossas decisões e planos para o futuro, girava em minha mente. Olhei para ela e perguntei, um tanto receoso:
— Eu me pareço com quem eu era antes dos experimentos?
Ela me observou, como se avaliando cada detalhe antes de responder:
— Bem… você está mais alto, mais robusto, e seu rosto está diferente. O que mudou mais são seus olhos. Não dá para dizer que você é Ganimedes, se é isso que está me perguntando…
Assenti, absorvendo suas palavras. A ideia de voltar para casa ainda pesava em mim, mas percebi que não poderia mais fazê-lo.
— Pensei em voltar, mas tem muita coisa que me impede. Em primeiro lugar, o acidente que me levou à névoa… Sinto que o alvo era minha irmã. Depois, a confusão na apresentação dos jovens, o envenenamento… isso tudo me diz que há conspirações em torno da nossa casa. Se eu puder investigar de uma posição mais neutra, talvez eu descubra mais sem ser “Ganimedes”. Além disso, meu eu anterior jamais poderia ser o parceiro de uma vulpina. Você seria relegada a uma concubina, e eu não quero isso.
Nix me ouviu em silêncio, assentindo de leve. Eu prossegui, agora mais convicto.
— E tem o torneio. Preciso descobrir um jeito de ajudar Cass. Não faço ideia do tipo de encrenca que meu pai e ela se meteram.
Conversamos madrugada adentro, enquanto eu tentava organizar meus pensamentos. Foi só então que conseguimos dormir, apesar das dúvidas e dos planos que ainda pairavam sobre nós.
Quando acordamos, Nix virou-se para mim, curiosa, ainda refletindo sobre o que eu dissera na noite anterior.
— O que você queria dizer com “não quero que você seja apenas uma concubina”?
Eu a observei por um momento antes de puxá-la para perto e beijá-la, deixando que entendesse o que eu sentia.
— A vida toda fui desprezado. As outras mulheres que se aproximaram de mim só o fizeram por causa de minha posição. Mas você é diferente, Nix. Sou grato por isso e… quero que você seja minha mulher de verdade.
Ela sorriu, e enquanto nos perdíamos um no outro, o resto do mundo desapareceu. Depois, suados e ofegantes, ficamos conversando, ela deitada em meu peito.
— Tenho que deixar de ser Ganimedes — murmurei, agora decidido.
Ela me olhou e, pensativa, sugeriu:
— Que tal Lior? Na minha língua, significa “nova luz”.
O nome reverberou em mim, como se fosse feito sob medida.
— É perfeito. — Beijei sua testa. — Então, de agora em diante, me chame apenas de Lior. Preciso começar a me acostumar.
De repente, lembrei-me de algo importante, uma peça fundamental para nossos planos.
— Preciso encontrar uma forma de me comunicar com minha mãe. Cartas sempre geraram intriga entre as outras esposas do meu pai, então não posso usar um método comum. Ela pode me ajudar com informações sobre os atentados… e eu vou precisar de sua ajuda para construir uma nova identidade, um novo passado para Lior, antes do torneio.
Nix, com um brilho de determinação no olhar, me disse:
— Eu posso te ajudar com isso. Nós vulpinos somos bons em ser sorrateiros, e eu fui treinada para isso, mais que você pens… — Ela circulou seu mana e fez uma pose mostrando os músculos parecendo mais forte. — Não sou tão fraca assim.
— Então, minha dama — falei, segurando sua mão —, vamos construir esse novo começo juntos. Vamos traçar um plano.
Ela sorriu, e senti que, com Nix ao meu lado, o caminho à frente se tornava um pouco mais claro. Como Lior, eu era livre para recomeçar, enfrentar meus inimigos e encontrar meu lugar nesse mundo sem as amarras do passado.
Nix queria experimentar o máximo que pudesse das comidas de rua, e eu não me opus. Com o manto que escondia seu rosto e suas orelhas vulpinas, ela se sentia mais à vontade, e eu sabia o quanto aqueles sabores e aromas eram uma novidade para ela. Como uma garota-raposa, Nix era especialmente sensível aos cheiros, e cada parada em uma barraca parecia uma descoberta. Passamos de banca em banca, provando de tudo e rindo juntos, esquecendo os problemas por alguns instantes.
Quando voltamos para a estalagem, o clima de despreocupação evaporou. Os dois homens que haviam encurralado Nix no beco estavam nos esperando. O jovem loiro estava sentado, tomando uma bebida, com o homem baixo e corpulento de pé atrás dele, andando de um lado para o outro com uma expressão ansiosa.
Inclinei-me e sussurrei para Nix subir ao quarto e me esperar. Ela hesitou por um segundo, mas assentiu e foi. Então, me aproximei dos homens. Antes que eu pudesse dizer qualquer coisa, o loiro se adiantou, direto e insolente:
— Quanto você quer por ela?
Controlei o impulso de rir, mas me mantive firme.
— Ela não está à venda, amigo. Por dinheiro nenhum.
A expressão dele mudou num instante, seus olhos carregados de uma mistura de ódio e descontrole. Ele parecia perturbado, com olheiras profundas e o cabelo desalinhado, como se sua obsessão por Nix estivesse corroendo-o.
O homem baixo tentou intervir:
— Jovem mestre, desista… — mas foi interrompido por um grito repentino.
— CALADO! — o loiro vociferou. Levantou-se, tentando recompor-se, e tirou uma bolsa de moedas do casaco. Repetiu com um tom mais contido, mas ainda claramente tenso:
— Quanto?
Respondi com firmeza:
— Não está à venda.
Por um instante, ele me olhou, segurando a bolsa, antes de jogá-la em minha direção — um truque sujo, com o qual os nobres costumavam forçar um acordo. Se eu pegasse a bolsa, significaria que havia aceitado sua proposta. Apenas desviei, deixando que caísse no chão.
O jovem explodiu, gritando:
— Maldição!!! — E saiu pisando duro pela porta da estalagem.
Ainda tomado pela adrenalina, sentei-me no balcão e pedi uma cerveja. O mercador de pele escura que conheci na noite anterior se aproximou, com um olhar sério. Ele havia observado toda a cena em silêncio.
— Eryk Forlorn é um jovem problemático — disse ele. — É conhecido por abusar das escravas de sua casa. Ele adora o que é raro, e uma vulpina é tentadora demais para ele deixar passar…
Ia responder, me apresentando como Ganimedes, mas parei a tempo.
— Lior — disse, estendendo a mão.
O mercador sorriu de canto e apertou minha mão.
— Okron.
Aproveitei a abertura para pedir conselho.
— O que você sugere que eu faça, então? Vender a Nix está fora de questão…
Ele riu, relaxando o semblante.
— Sei disso… Acho que não passou despercebido o jeito como vocês se olham. — Ele deu uma risada e acrescentou: — Ah, jovens e seus amores… tempos bons…
Ficou em silêncio por um momento, pensando, e finalmente me deu um conselho.
— Pode tentar conversar com a mãe dele. Talvez ela ajude a tirar o rapaz do pé de vocês. Mas sem um nome forte de família, duvido que ela vá sequer recebê-lo… — Ele fez uma pausa, como se considerasse algo. — Gostei de você e da garota. — Okron tirou uma plaqueta de bronze do bolso, marcada com um emblema, e me entregou. — Guarde isso. Se precisar, diga que Okron quem lhe deu.
Peguei a plaqueta, surpreso e grato.
— Obrigado, Okron. Vou usá-la com sabedoria.
Enquanto guardava o objeto, não imaginava como aquilo iria me ajudar.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.