Capítulo 96: VS Torreta
O chão de areia do Matadouro estava firme sob meus pés. O calor do sol da manhã começava a se fazer presente, mas minha atenção estava completamente voltada para Torreta, que já assumia sua posição alguns metros à frente. Ele levava dois baús metálicos sob os braços, o que me deixou curioso. Com um gesto rápido, pediu que eu esperasse. Seu sorriso confiante denunciava que já sabia exatamente como aquilo terminaria.
— Última chance para desistir, garoto — ele disse, estalando os dedos, a voz carregada de diversão.
— Fala demais — retruquei, assumindo minha posição de combate.
Torreta infundiu mana nos baús, e símbolos rúnicos começaram a brilhar em sua superfície. Sem que ele precisasse tocá-los, as tampas se abriram lentamente, e uma miríade de placas metálicas flutuou para fora, girando em padrões estranhos ao redor do anão. As peças se ajustaram, encaixando-se perfeitamente sobre seu corpo, formando uma armadura robusta, mas com um detalhe peculiar: quatro pernas articuladas emergiam da base da estrutura, dando-lhe um aspecto mais próximo de um veículo do que de uma armadura convencional.
Continuei observando, fascinado, enquanto as placas restantes se moviam em busca de seus lugares. Em questão de segundos, dois canhões de mana se prenderam firmemente nos ombros de Torreta. Seu apelido fazia sentido agora.
Dei um passo instintivo para frente, o interesse superando momentaneamente a tensão do combate. Desde que saíra de casa, não tivera acesso a uma oficina de engenharia de mana. Aquilo era um trabalho de mestre.
— Caramba, que linhas incríveis — exclamei, examinando a estrutura com olhos atentos. — E essas runas… Nunca imaginei uma runa de dispersão funcionando em conjunto com uma de divisão.
— Entende de engenharia de mana? — perguntou Marius, inclinando ligeiramente a cabeça enquanto avaliava minha reação. — Torreta é o nome dessa obra de arte. Não considero um apelido.
— Bem… é um nome à altura. — Cocei a cabeça, hesitante. — Não que eu seja um especialista, mas passei um bom tempo em uma oficina.
Marius arqueou uma sobrancelha, interessado.
— Eu diria que entende mais do que está admitindo. De qualquer forma, está convidado a visitar minha oficina quando quiser. Mas não pense que vou revelar todos os meus segredos.
— Nunca imaginei que faria isso, senhor — respondi automaticamente, minha postura ficando mais respeitosa sem que eu percebesse. Era um reflexo que adquiri com Mestre Kas, quando ainda estava entre os Vulkaris.
Marius percebeu a mudança e riu, divertido. No entanto, antes que eu pudesse aprofundar a conversa, a voz de Marreta cortou o ar:
— Comecem logo! E fique atento, moleque! Torreta não é do tipo que troca socos! Ele vai te manter longe o tempo todo. Descubra um jeito de encurtar essa distância!
Assim que Marreta deu o sinal, Torreta agiu sem hesitação. Suas pernas mecânicas se ajustaram, e ele deslizou para o lado com uma velocidade surpreendente. As placas metálicas ao seu redor se reorganizaram, formando uma barreira semicircular que se movia com ele. Em um instante, os canhões de mana em seus ombros dispararam uma rajada de projéteis energizados.
Saltei para trás, mas a velocidade dos tiros era absurda. Mesmo desviando dos primeiros, um impacto acertou de raspão minha costela, arrancando o ar dos meus pulmões. Outro atingiu o chão perto do meu pé, levantando areia e dificultando ainda mais minha visão.
— Não adianta só fugir! — Torreta bradou, movendo-se lateralmente sem esforço. — Quero ver se consegue revidar!
Marreta também gritou do lado de fora:
— Não fica parado, moleque! Tá fazendo o que? Dançando? Se mexe de verdade!
Mas movimentar-me sem ser um alvo fácil era mais fácil falar do que fazer. O terreno de areia dificultava minha aceleração, e toda vez que tentava avançar, Torreta reposicionava sua barreira e continuava atirando sem dar margem para aproximação.
Respirei fundo e reuni minha mana. Me sentindo acuado, resolvi atacar de longe, contrariando as orientações de Pandora. Se ele queria que eu revidasse, então que fosse assim. Concentrei um feixe de mana na palma da mão e disparei um projétil denso em sua direção. O ataque cortou o ar rapidamente, mas, no instante em que tocou a barreira de placas, uma runa brilhou e o feixe simplesmente se dispersou como fumaça ao vento.
— Belo truque — Torreta zombou. — Mas não vai ser assim que vai me pegar.
Meus olhos se estreitaram. Então era isso. Ele não só possuía uma defesa física móvel, como sua armadura tinha um sistema de dispersão mágica. Isso significava que ataques diretos não funcionariam. Precisava encontrar outra abordagem.
Tentando não perder o ritmo, comecei a circular ao redor dele, fingindo buscar um ângulo de ataque. Torreta acompanhou meus movimentos, mantendo seus canhões apontados para mim. Quando vi uma mínima abertura, impulsionei meu corpo com mana e avancei rapidamente.
Mas Torreta já esperava por isso. Antes que eu pudesse alcançar seu flanco, sua barreira metálica se reconfigurou instantaneamente, e uma rajada de tiros em leque foi disparada.
Tentei me esquivar, mas a velocidade dos projéteis era avassaladora. Um impacto direto na coxa fez minha perna ceder, e outro atingiu meu ombro, me lançando ao chão. A dor era intensa, mas precisei me forçar a rolar antes que mais disparos me acertassem.
— Está lento! — Torreta debochou, movendo-se novamente para ampliar a distância entre nós. — Se continuar assim, esse combate não vai durar muito.
Marreta grunhiu do lado de fora.
— Você tem que parar de correr feito um maluco! Usa essa cabeça! Ele não pode atirar por todas as direções ao mesmo tempo!
Tinha razão. Eu estava sendo previsível. Precisava de uma estratégia melhor, algo que quebrasse o ritmo de Torreta. Ainda ofegante, me levantei, sentindo a pulsação latejante da dor onde fui atingido.
A voz possante de Marreta ecoou pelo Matadouro, cortando o ar com autoridade:
— Parou! Desse jeito, você só vai se machucar à toa!
O comando foi direto, sem rodeios. Eu ainda estava tentando recuperar o fôlego quando ouvi passos firmes se aproximando. Pandora havia interrompido seu próprio treino para assistir à minha primeira tentativa e, pelo olhar carregado de fúria, ficou longe de satisfeita com o que viu.
— Será que você é tão burro assim? Quer me fazer passar vergonha? — As palavras saíram afiadas como lâminas, acompanhadas por um olhar de puro desdém.
Marreta, que continuava ao lado, deu um passo à frente, pronto para intervir. Seu maxilar se contraiu, e ele chegou a abrir a boca para dizer algo, mas Pandora ergueu a mão em um gesto brusco, sem sequer desviar o olhar de mim. Ele parou no mesmo instante, cruzando os braços, mas sua expressão deixava claro que não gostou da abordagem dela.
— Os disparos dele são rápidos demais para que eu consiga enxergar os ataques — respondi a ela, envergonhado.
— Então por que está agindo como um idiota? — rebateu, sem hesitação. — O que foi que combinamos? Ataque como um guerreiro, defenda-se como um mago!
Ela passou a mão pela testa, respirando fundo antes de erguer o queixo.
— Será que tenho que te ensinar tudo?
Foi um resmungo baixo, provavelmente para si mesma, mas tanto eu quanto Marreta ouvimos perfeitamente. Havia frustração na voz dela, mas também algo mais. Algo que me fez observá-la com mais atenção.
Foi naquele momento que percebi. Ela não admitiria nem sob tortura, mas seu mau humor não era apenas irritação comigo: era pressão. A luta contra Hass pesava nela.
Passei a última semana inteira treinando com ela e já sabia reconhecer seus padrões. Pandora podia ser implicante, exigente e até debochada, mas nunca cruel sem motivo. Se estava reagindo daquela forma, havia algo pesando em suas costas.
Ela me encarou mais uma vez, dessa vez com um olhar mais calculista do que irritado.
— Use a cabeça, Lior — disse, sua voz um pouco mais controlada, mas ainda carregada de firmeza. — Vou falar só uma vez, então presta atenção. Se você circula mana pelos músculos, ossos e tendões, o que acontece?
— Fico mais rápido e forte — respondi automaticamente, ainda sem entender onde ela queria chegar.
Pandora assentiu, como se esperasse exatamente essa resposta.
— Certo. E se, em vez disso, você tentar circular sua mana nos olhos, nos nervos e no cérebro… o que acha que vai acontecer?
Ela inclinou a cabeça levemente para o lado, esperando minha resposta. A ficha começou a cair.
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