Capítulo 14: Quebre esse silêncio
“Era uma vez um camponês dotado de um dom inestimável. Seu nome era Junni. Ele amava pintar, principalmente em retratar a natureza em seus quadros. Manipulava as cores como um maestro conduzia uma orquestra, harmonizando tons com uma precisão que transformava telas em sinfonias visuais. Mas não apenas isso, em seu vilarejo isolado nas montanhas, ele transformava o sofrimento em alívio. O simples ato de mencionar que estava sentindo dor nas costas, perto do garoto, fazia com que ela desaparecesse. Alguns o chamavam de “O Curandeiro”, outros de “Profeta”, e havia quem o venerasse como uma divindade perdida.”
“Sua fama atraiu multidões. Pessoas de terras distantes vinham para compartilhar seus fardos. Elas sussurravam seus temores, suas mágoas, inseguranças e, em alguns casos, suas tentações mais profundas. Através de sua sábia compreensão, as inquietações de seus pacientes esvaneciam, e suas almas se sentiam leves como folhas ao vento. Com o tempo, vilarejo prosperou; tornou-se uma cidade pequena e vibrante, crescendo com as histórias mais cativantes sobre o menino.”
“No entanto, o peso das dores alheias começou a consumir Junni. A cada história ouvida, a cor do mundo ao seu redor acinzentava. Sua arte agora refletia sua própria angústia. A árvores em seus quadros pareciam sem vida; a água do riacho parecia impura; os animais retratados pareciam de cera. Quando o incentivaram a levar seus dons para a cidade-imperial, ele recusou. Mas com o tempo, o exaustivo fardo tornou-se insuportável. Ele ficava cada vez mais desmotivado e cansado. Certo dia, partiu sem aviso, dizendo que viajaria para a capital. Era uma mentira. Desceu as montanhas pela primeira vez, buscando o que nunca conhecera: o mundo com todos os seus mistérios e maravilhosas. Ele fugiu de sua cidade natal… daquele local que um dia chamara de lar.”
“Vagou pelo mundo visitando vários povoados; caminhou por terras jamais imaginadas, pintando paisagens exóticas e horizontes vastos, mas nenhuma imagem parecia satisfazê-lo. ‘Onde está a beleza em minha arte,’ lamentava. Escondido sob uma nova identidade, Junni cruzou vilarejos e cidades, mas o sofrimento que presenciava continuava a macular o seu coração. Tentou se isolar, mas os gritos que carregava dentro de si o seguiam como monstros. Restava-lhe uma última esperança: encontrar outro curandeiro.”
Junni percorreu terras distantes, templos sagrados, cidades esquecidas e salões reais. Perguntou, escutou rumores, até mesmo subornou crianças para lhe poupar o trabalho de buscas infrutíferas. Mas sua jornada foi em vão. O desespero começou a corroer suas últimas forças. Ele não podia desistir, a esperança não podia morrer, era o que suplicava em seu coração.”
“Seus passos deixavam marcas nas dunas do deserto de Thaaros. Marcas que jamais foram apagadas.”
“Em um momento de rendição, Sob ventos ferozes que quase lhe cegavam a visão, Junni avistou um jovem deitado sobre uma viga quebrada de um antigo santuário abandonado. A pele do rapaz estava ressecada e febril, os lábios rachados, seu peito ofegava com dificuldade. Aquela jovem alma segurava um punhal sobre sua garganta. Mas ao ouvir os passos de Junni se aproximando, sua mão trêmula havia desistido da morte. ‘Á… gua’, sussurrou o jovem, sua voz arranhando como vidro.”
“Sem hesitar, Junni retirou o cantil de barro pendurado em sua cintura e despejou as últimas gotas nos lábios do rapaz. Em seguida, carregou-o nos braços e atravessou o deserto em busca de sua salvação.”
“No início, agira por instinto. Mas um calor tomou seu coração. Um lampejo de esperança, uma última canção antes do fim: ‘Minha dor é uma ilusão que desaparecerá na morte. Tudo o que importa é o agora, e a vida deste garoto. Ele não pode desistir. Eu não podia.'”
“‘Por que estava prestes a fazer aquilo?’, perguntou Junni, horas depois.”
“‘Porque… ‘ Iliel hesitou, os olhos encheram de lágrimas de memórias recentes. ‘Não suportava mais a queimadura do sol, a sede, a fome. Mas… algo dentro de mim pediu que esperasse. Uma parte de mim ainda acreditava na salvação… e você apareceu.’”
“Com um gesto instintivo, Iliel envolveu o pescoço de Junni, soluçando em gratidão silenciosa. Pela primeira vez em muito tempo, Junni sentiu algo florescer dentro de si: um amor paternal, um dever de proteger. Os dias que se seguiram foram cheios de aventuras e perigos, mas também de confissões. O garoto, como todos os outros, compartilhava seus segredos e dores. Mas algo era diferente. Cada lágrima contada trazia a Junni um prazer sutil e doloroso. Ele ignorou esse sentimento, embora seu corpo se tornasse cada vez mais frágil.”
“Anos se passaram. Seu corpo perecia, o peito latejava em agonia. Muitos médicos e curandeiros vieram para examiná-lo. Mas todos afirmavam que não havia nenhum problema em sua saúde física. Sua mente, no entanto, estava sendo consumida.”
“Em seus últimos sussurros, Junni pedia para Iliel que ficasse tranquilo com sua partida, que aproveita-se o máximo da sua vida. Iliel chorava sobre o peito de seu mestre, sentindo o coração dele desacelerar. ‘Não…’, suplicou o garoto.”
As últimas palavras que Junni ouviu, estavam envolvidas em um grito de desespero. Ele, que carregara a dor dos outros, mais uma vez absorveu o sofrimento de seu protegido.
Subitamente, uma luz celeste desceu sobre Iliel. Era suave, como um amanhecer sob as copas das árvores ou como vagalumes enfeitando o entorno de um singelo lago.”
Neste instante, em uma pequena escala de tempo, ele estava suspenso no ar, sentia tudo e ao mesmo tempo, nada. Como se houvesse vida em cada coisa. O vento não soprava, as folhas não caiam, os pássaros não cantavam. Neste pequeno fragmento de tempo estagnado, é como se o mundo parasse para que ele fosse apreciado. E em um momento constante, sintia corações batendo como um eco. E então, despertou para a verdade! ‘Eu posso enxergar a alma dele, ela está se apagando. Não, eu não posso deixar!’”
“‘Entrego-lhe parte de minha alma, mestre.‘, murmurou Iliel.”
“Dizem que os dois partiram juntos, mas que suas almas estão destinadas a se encontrar em cada vida futura, reencarnando lado a lado — sempre unidos, sempre fadados a morrer juntos, como um único suspiro partilhado entre dois corações.”
Rounn estava com a boca aberta, paralisado. Segurava a xícara em sua mão, focado em cada palavra que saía da boca da senhora Durval.
— Isso… foi lindo.
— é, foi legalzinha. Mas e os biscoitos, já assaram? — Estava formando uma piscina de saliva entre a minha língua.
— Ah, sim, os biscoitos. Minha nossa, que cheiro de queimado é esse?
— OS BISCOITOS!! — Berrei, me levantando bruscamente do banco de madeira. A saliva voou no rosto de Rounn o tirando do transe imaginativo dele.
— Urgh… Laurient! — Empurrou a xícara com minha saliva para o canto da mesa e limpou o rosto.
— Era brincadeira, hahahaha. — A velha riu da minha cara. — Irei buscá-los.
— Aii, que alívio! Traga logo, estou morrendo de fome.
Rounn passou a mão pelo braço marcado pela manopla.
— Mesmo acorrentado, nunca me senti tão livre quanto nos últimos dias…
— Eu acho… que poderia dizer o mesmo, Rounn.
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