Índice de Capítulo

    Lewis foi arremessado pela porta como uma massa sem peso, e seu corpo colidiu violentamente contra as bancadas do laboratório. O choque desordenou tubos de ensaio, pipetas e béqueres que, até então, repousavam alinhados, agora espalharam-se pelo chão como bandos de pássaros sobressaltados, vidros estilhaçando-se no impacto, fragmentos reluzindo no ar feito poeira cortante.

    Desde o momento em que analisou os componentes químicos armazenados nas prateleiras, a presença de reagentes voláteis lhe saltou aos olhos como peças de um tabuleiro disposto para um xeque-mate. Peróxido de hidrogênio concentrado, solventes inflamáveis, catalisadores dispersos sem supervisão. Qualquer uma dessas substâncias poderia ser convertida em arma.

    No turbilhão de destroços, Lewis deixou uma faísca, diminuta e aparentemente inofensiva, flutuando. Uma partícula incandescente dançando no vácuo do desastre iminente. Mas ali, no âmago daquele ambiente saturado de compostos instáveis, até mesmo uma centelha carrega a força de uma sentença.

    O calor emitido pela faísca encontrou seu combustível. Os resíduos viscosos de peróxido de hidrogênio concentrado, vazados de um frasco quebrado, se misturaram inadvertidamente a um agente redutor espalhado no piso. A interação química foi rápida e obedeceu a uma lógica impiedosa. 

    Em questão de milésimos de segundo, a temperatura no interior da mistura subiu vertiginosamente, desencadeando uma reação exotérmica descontrolada. O béquer, incapaz de suportar a pressão crescente do gás superaquecido que se formava, explodiu em uma sequência devastadora: primeiro, uma expansão súbita, seguida pela liberação violenta de estilhaços aquecidos e uma nuvem opaca de vapores tóxicos.

    A fumaça espessa encheu o laboratório, impregnada do odor acre de compostos carbonizados e oxigênio rarefeito, criando uma atmosfera sufocante e corrosiva. 

    Mas Lewis não estava ali para assistir ao desfecho. Sabia que, se esperasse mais um segundo, seria também consumido pela reação que ele próprio deflagrara. Atirou-se pela janela lateral, quebrando o vidro com os ombros. Seu corpo descreveu um arco no ar antes de aterrissar sobre o teto de um carro estacionado. O metal cedeu sob seu peso, afundando como papelão esmagado.

    A sensação de calor que o envolvia vinha não só de fora, mas também de dentro.  Seu peito respirava fundo, mas cada inspiração carregava o sufocante peso do ar repleto de partículas inflamáveis. Sentia as chamas do Fogo de Agni serpenteando por sua pele, entrelaçadas nas fibras musculares e avançando em direção aos seus órgãos internos, feito fome.  Convertido em uma caldeira viva, o corpo já não tinha mais capacidade de manter o equilíbrio térmico – a oxidação avançava mais rapidamente do que ele tinha capacidade de dissipar.

    A vertigem ameaçava derrubá-lo, mas Lewis, mesmo à beira do colapso, não cedeu à fragilidade iminente. Um instinto brutal, talvez animal, talvez humano, o manteve de pé, sustentando-o à custa da própria dor. Ainda assim, aquela sensação era irrevogável, como se, por trás do caos, algo dentro dele já soubesse que o desfecho havia sido selado. O inimigo, aparentemente, fora vencido. 

    — Mandy…

    O nome escapou de seus lábios, mas só de pensar nele, seu coração se contraía. Era como uma sombra sutil sobre sua mente, deixando-o inquieto com a atual situação de Mandy.

    Seus olhos refletiam uma mistura de preocupação enquanto ele se perdia momentaneamente na vastidão de suas inquietações.

    Lewis desceu do topo do veículo até o chão, confuso sobre a localização da rua onde estava. Incerto sobre qual direção tomar, decidiu aleatoriamente virar à esquerda.

    “Espero que ela esteja bem…”

    A iluminação ambígua da rua obscureceu seus pensamentos, exacerbando a inquietação crescente que havia em seu íntimo

    “Eu deveria ter estado lá para protegê-la. Mas ela é forte, tenho certeza que conseguiu lidar contra aquela mulher.”

    O brilho esbatido dos postes era a única coisa que perfurava o espesso véu de noite que cobria a rua. Luzes difusas iluminavam parcialmente o seu percurso, expondo pedaços do céu noturno que se estendia à sua frente.

    À medida que avançava em uma tentativa de voltar ao museu onde Mandy estava, os seus passos tornavam-se o único ruído que quebrava o silêncio da noite. 

    “Mesmo assim, tenho que voltar pra lá. Não posso deixar que nada de ruim aconteça. Eu… preciso saber se ela está segura.”

    Lewis avançou alguns passos e inclinou-se para que seu ombro repousasse na porta de um carro estacionado. As chamas de Agni claramente o haviam enfraquecido, revelando sua fragilidade.

    “Droga, esse cara realmente me esgotou.”

    A exaustão o tornava pesado, como se cada labareda tivesse drenado um pedaço de sua essência. Seus passos demandavam um esforço hercúleo.

    “Tenho que me recompor.”

    Ele empurrou o corpo para longe da porta do carro, endireitando-se lentamente.

    A cada passo hesitante, Lewis sentia a exaustão pesando sobre seus ombros, mas a necessidade de continuar superava o cansaço. A rua deserta à sua frente parecia se estender infinitamente, e a escuridão envolvia seus pensamentos, mas ele se forçou a seguir em frente.

    Criaturas grotescas encontravam-se logo à frente, espalhadas pela redondeza. Algumas delas entregavam-se a uma macabra refeição de carne humana, enquanto outras pareciam estar à caça de novas vítimas. 

    No entanto, um curioso detalhe estava a acontecer: nenhum dos Mephistos, apesar da sua natureza predadora, ousava aproximar-se de Lewis.

    Apesar de tudo, as chamas de Agni permaneciam crepitando, embora com uma intensidade acentuadamente reduzida, em torno de Lewis. 

    Uma ideia ocorreu a ele, cansado como estava: talvez as criaturas estivessem temerosas em relação ao fogo. Era como se o mesmo, apesar de se estar a extinguir, ainda irradiasse uma força que afastava os monstros.

    Os sons dos passos multiplicavam-se, ecoando no ambiente com uma cadência inquietante. Uma ligeira sensação de estranheza percorreu-lhe a espinha. Voltou-se e o seu olhar fixou-se instintivamente sobre a figura que ali estava.

    — Tá de brincadeira…

    Ali, Wolfgang permanecia como uma sombra persistente.

    Seu rosto, outrora uma máscara de pureza ariana, era metade de uma ruína carbonizada e enegrecida, um mosaico grotesco de cinzas e tendões. Tinha a pele rachada e descascada, como a lama seca do leito de um rio. As queimaduras formavam um marrom doentio e carbonizado, pontilhado com os restos grotescos do que antes eram folículos capilares.

    A órbita do olho esquerdo, negra como carvão, tornara-se um vazio na paisagem queimada do seu rosto. Estava rodeada por uma auréola carmesim de carne crua e exposta, uma lembrança constante do inferno que tinha consumido metade do seu rosto.

    O outro olho, embora intacto, tinha um brilho feroz e predatório, um contraste gritante com a casca sem vida ao seu lado. Na boca, havia um corte aberto e sem lábios, expondo dentes amarelados e irregulares que o mundo parecia zombar.

    — O que foi?

    Ele sorriu pavorosamente, as linhas da sua boca esculpidas numa fusão disforme de carvão e carne endurecida. 

    Os olhos de Lewis, dilatados pelo choque, traduziam surpresa e horror perante a visão bizarra que tinha diante de si. As feições do seu rosto distorceram-se num forte sentimento de repulsa.

    — Pensou que tinha acabado? Eu ainda nem usei meu triunfo.

    Wolfgang se dissolveu no espaço como se a composição de seu corpo tivesse sido reconfigurada em algo alheio à física convencional. 

    A vibração no ar ao seu redor deixou uma assinatura efêmera no espectro visível, como se a própria realidade demorasse a reconhecer sua ausência. 

    Sua movimentação foi tão abrupta que os fótons refletidos nele permaneceram por frações ínfimas de tempo, como um vulto espectral, antes de desaparecer por completo.

    Lewis tentou rastrear o movimento, mas sua visão humana não conseguia acompanhar a transição de Wolfgang de um ponto a outro. O deslocamento ocorria dentro de uma escala temporal ridiculamente curta — frações de femtossegundos1, quando a luz mal tinha tempo de se propagar. 

    Não houve reflexo nem som. Apenas a ausência súbita, que fazia com que o mundo pulasse uma cena em sua percepção.

    O golpe veio sem aviso.

    Um impacto devastador atingiu o lado esquerdo de seu rosto a ponto de romper fibras musculares e deslocar a mandíbula em um estalo seco. A pressão transferida pelo choque deslocou-se para a coluna, forçando as vértebras cervicais em uma torção violenta. 

    Seu corpo foi lançado como um projétil pelo campo aberto a uma velocidade absurda. O atrito contra o solo criou sulcos profundos na terra, fraturou pedras e levantou uma nuvem espessa de poeira. 

    O impacto subsequente contra um bloco de concreto destruiu a estrutura em uma explosão de detritos, que se espalharam por toda parte na forma de cacos afiados.

    Lewis sentiu todos os ossos e músculos protestarem em uníssono contra a brutalidade do ataque. O gosto repugnante de sangue subiu à boca e sua visão escureceu por um momento.

    Ao longe, Wolfgang caminhava lentamente, convencido de que já havia vencido. Não apenas seu corpo absorvia a energia cinética do ambiente, mas também a convertia em uma amplificação contínua de seus próprios movimentos. 

    Lewis apoiou as mãos no chão para se levantar. Respirou fundo, dolorido pelos danos internos. Seu olhar encontrou o do adversário, e ele percebeu, momentaneamente, algo que não queria admitir.

    Ele não estava lidando com um homem, mas com uma força maior. Estava diante de um fenômeno físico, uma força que transcendia a biologia humana e operava segundo princípios além da compreensão comum.

    Wolfgang sorriu e inclinou levemente a cabeça.

    — Vejo que ainda consegue ficar de pé. 

    O sangue que escorria pelo seu rosto pingava na poeira seca ao seu redor. Suas articulações gritavam para que ele parasse e aceitasse a derrota. No entanto, algo dentro dele se recusava a ceder.

    — Admira-me sua persistência. Mas já deve ter percebido… não há um único golpe que você possa acertar em mim.

    Ele cuspiu uma gota de sangue no chão e levantou-se.

    — Foda-se.

    O alemão riu.

    — Assim está melhor.

    Lewis sabia que qualquer provocação seria apenas combustível para um oponente que não precisava de mais vantagens.

    Mas Wolfgang já havia decidido.

    O som de sua aproximação não veio de seus pés ao tocar o chão, mas da compressão do ar. A pressão oscilou e, então, ele desapareceu. O vento rugiu quando sua silhueta se dissolveu em uma corrente de puro movimento, a qual transformava a resistência do próprio ar em força propulsora.

    O ruivo nem sequer defendeu o soco que o atingiu no esterno, que forçou o ar a sair com a força de uma explosão interna. 

    Antes que seu corpo tivesse a chance de recuar, Wolfgang bateu com o cotovelo na base da coluna vertebral.

    O tempo pareceu ficar mais lento por um segundo. Lewis viu a destruição ao redor: os prédios distantes, os postes de energia inclinados pela luta, os restos de veículos arrastados pela força dos golpes. 

    Então, a realidade voltou a acelerar.

    Para completar o movimento, Wolfgang chutou lateralmente. Seu calcanhar girou como uma lâmina de turbina em rotação máxima, encapsulando toda a energia acumulada em um único ponto de contato.

    O golpe o acertou no lado do tronco, onde as costelas já estavam danificadas. O corpo foi lançado como um projétil descontrolado, com o rompimento da barreira do som em seu trajeto.

    Uma parede de casa abandonada surgiu em seu caminho, mas não ofereceu resistência. Seu corpo atravessou o concreto como se fosse papel, ao longo de um rastro de escombros e poeira.

    Ele colidiu contra o solo do outro lado da rua e derrapou sobre o asfalto áspero até finalmente parar, com o corpo estirado e imobilizado.

    O ar cheirava a pólvora e terra queimada. Peças de madeira e concreto despencavam da estrutura destruída atrás dele.

    O vento soprou, poeira e restos de destroços foram levantados.

    Lewis apertou os punhos até deixar marcas vermelhas nas palmas das mãos, com as unhas cravadas nelas. Seus braços tremiam, os músculos estavam tensos e doloridos, era difícil tentar levantar o corpo destruído. 

    Levantar o corpo era uma batalha, uma luta contra a gravidade e a dolorosa sensação que emanava de cada célula de seu corpo. 

    Ele sentiu o peso do próprio corpo como nunca antes, mais forte do que se estivesse carregando uma montanha sobre os ombros. A respiração vinha em golpes curtos e irregulares, o peito ardia, acompanhada por uma pontada aguda que latejava em suas costelas.

    Ao finalmente se levantar, as pernas vacilaram, traindo-o. Lewis caiu de barriga sobre o asfalto. Ele cuspiu, manchando o chão de vermelho, e usou os braços para se arrastar para buscar qualquer tração que pudesse encontrar no asfalto áspero. 

    Ganhar cada centímetro era uma vitória, uma pequena resistência contra a imobilidade que tentava engoli-lo.

    Seus pensamentos eram um emaranhado de medo, raiva e força de vontade. Não podia parar, não agora. Wolfgang estava por perto, e Lewis sabia que não sobreviveria a mais um golpe. 

    A imagem do rosto dele surgiu em sua mente, nutrindo a chama que ainda ardia dentro dele. 

    De repente, um vulto escuro bloqueou a luz acima.

    Wolfgang.

    O inimigo avançou lentamente. Suas luvas estavam encharcadas de sangue, que tilintavam levemente enquanto flexionavam os dedos, pronto para desferir outro golpe.

    — Olhe para você… — A voz escorregou pelos lábios torcidos em um sorriso que transbordava desdém. — Se arrastando como um animal ferido.

    Lewis tentou mexer os braços, mas os nervos gritavam em protesto. O corpo se recusava a obedecer.

    Wolfgang ajoelhou-se ao seu lado e, sem hesitar, cravou os dedos enluvados no peito do rapaz. A dor veio como um trovão seco, rasgando carne e nervos como um ferro em brasa. Um espasmo sacudiu Lewis, mas ele se recusou a gritar.

    O soldado nazista inclinou a cabeça, analisando-o como se fosse um experimento fracassado.

    — Você realmente acredita que pode vencer? — Seus olhos brilharam com um prazer perverso. — Sempre há alguém que acredita nisso. Sempre há alguém que acha que sua existência faz diferença.

    Ele fechou a mão em volta do rosto de Lewis e o ergueu com um puxão brusco. Os dedos afundaram na mandíbula do rapaz, forçando sua boca a abrir enquanto ele o segurava no ar.

    — Onde está aquela centelha ridícula que vocês tanto gostam de falar? Me mostre, vai.

    E então, com um movimento seco, o atirou contra o chão.

    Antes que pudesse sequer tentar se mover, Wolfgang pressionou a bota contra sua coxa, esmagando o músculo contra o osso. 

    Lewis soltou um gemido baixo, os dentes cerrados até doerem.

    — Cada um de vocês acredita ser especial. — A pressão da bota aumentou, fazendo os nervos gritarem. — Todos vocês, falhando em aceitar que existem apenas para serem esmagados.

    Ele retirou o pé da perna do ruivo, mas apenas para pisar em seu peito. Com uma força crescente, pressionou o peso sobre o osso esterno a ponto de comprimir seus pulmões.

    Você sabia que eles tinham essa mesma postura? Os judeus acreditavam que poderiam resistir ao inevitável. Não é engraçado? Eles eram apenas um peso morto. — Riu-se e se inclinou mais perto, onde seu aperto aumentou com um rangido audível de seus ossos. — Gente como eles, como você, estão destinados a serem esmagados. Será que vocês acham que são relevantes? Ah, claro, porra!

    Wolfgang pressionou ainda mais o pé, fazendo com que os gemidos de dor se intensificassem.

    — É tão relevante quanto uma camisinha usada em uma lixeira. Mas vou te contar uma coisa. Eles são o câncer que está corroendo este planeta e você é apenas mais uma engrenagem da máquina, esperando para ser substituída. Enfia essa porra na sua cabeça.

    O alemão olhava para a vítima com desdém e se deleitava com cada segundo do poder que exercia sobre aquele que estava sob sua bota.

    — Quando o Führer acabar com este mundo, mostraremos a esses parasitas quem é o chefe. Cada um deles. Judeus, ciganos, comunistas – são todos iguais, um bando de insetos. Exterminaremos todos eles.

    Wolf retirou a perna do seu peito. Sem perder um instante, suas mãos se fecharam com força sobre a camisa já esfarrapada de Lewis e ergueu do chão como um boneco de trapos. 

    O corpo de Lewis, ainda sem reação, foi arremessado com violência contra o veículo mais próximo. O impacto contra a lataria amassada ecoou como um trovão metálico, reverberando pelo local e fazendo tremer os vidros das janelas próximas. 

    Este se contorceu no capô, um gemido rouco escapando de seus lábios enquanto a dor se espalhava por suas costas e membros, como se seu esqueleto estivesse prestes a desmoronar.

    Wolf não deu trégua. 

    Ele quadruplicou a sua energia cinética num instante, com os músculos das suas pernas a contraírem-se. A sua velocidade duplicou e o espaço entre eles desapareceu numa fração de segundo. A pancada do seu punho contra o abdômen foi como um trovão, uma explosão de força que fez o chão tremer sob os seus pés.

    Com o impacto, o capô do carro cedeu e afundou-se com um rangido agudo. A dor era avassaladora, uma onda quente e cortante que se espalhava pelo seu tronco, até à garganta, com risco de o sufocar.

    Lewis lutou para manter os olhos abertos, incapaz de distinguir qualquer coisa. Tentou mover-se, mas os seus membros pesavam como se estivessem presos em concretos. A escuridão tentava puxá-lo para baixo, um abismo convidativo que prometia alívio para a dor insuportável. Mas ele resistiu, agarrando-se à consciência com todas as forças.

    Wolf olhou para ele, seus lábios se curvando em um sorriso cruel. 

    — Die Nase voll haben!2

    O grito ensurdecedor de alguém perdido na loucura encheu o ar, um grito de guerra, como se não houvesse sinal de uma alma.

    O seu pulso de vibrou com a carga de energia cinética enquanto o erguia para lançar um segundo golpe devastador. O ar tremeluzia com a promessa iminente do impacto, e era como se o próprio espaço estivesse à espera do resultado.

    — A partir de hoje, estarás sob a luz da lua, mas isso não durará para sempre. O sol em breve brilhará sobre ti e se juntará a ti quando se pôr.

    Lewis finalmente compreendeu o significado com um arrepio de entendimento. Ele reconheceu que a luminescência distante e gelada da lua significava antecipação, prontidão e a jornada escura que precedia o amanhecer. No entanto, sabia que essa luz não era eterna. 

    Entendeu que o sol vindouro não ofereceria consolo, mas uma chama feroz, um teste decisivo que incineraria suas fragilidades e forjaria sua verdadeira fortaleza.

    Lewis não recuou. Em vez disso, mostrou uma coragem notável, lançando-se para defrontar o golpe iminente. 

    Com uma determinação feroz, apanhou o pulso de Wolfgang, segurando-o pelo pulso. 

    O momento parecia congelado, como se a batalha entre os dois titãs estivesse suspensa no tempo.

    — Há algo que você não está entendendo. — As forças dos dois se opunham, mas o ruivo gradualmente torcia o pulso do soldado. — Vocês podem ficar com tudo o que quiserem…

    Lewis aplicou uma força descomunal que fez o braço de Wolfgang ser arrancado do ombro.

    — Mas o futuro nos pertence!

    No brilho das brasas carmesim que se desvaneciam, o ferimento de Wolfgang jorrava sangue tão brilhante quanto rubis reluzentes.

    A motivação de Lewis brilhava com a intensidade da chama eterna de Agni. Seu espírito firme e imutável pulsava como um fogo eterno contra a imponente adversidade. 

    Essa tenacidade vinha de uma promessa sagrada, uma tocha que ele carregava incessantemente, dedicada à honra de seu clã. Ele entendia que sucumbir à derrota colocaria em risco não apenas sua identidade, mas a herança que ele prezava. 

    Tal compreensão fundamental, como se o fogo de seus ancestrais sussurrasse a fortaleza em seu ser, obrigou-o a ascender, independentemente dos obstáculos que enfrentasse.

    O espanto e a bravura de Lewis deixaram o nazi assombrado. 

    No seu desespero, tentou recuar, mas os dedos dele estavam firmemente agarrados a ele. 

    A sua obstinação era tão ardente como as chamas à sua volta.

    Agitou-se violentamente, puxando o corpo de Wolfgang para o asfalto, esmagando o soldado contra o pavimento com um estrépito estridente. 

    O peso da colisão fez com que o chão tremesse e se partisse por causa da colisão.

    — Mesmo que eu morra aqui, não vou te dar esse direito de viver à vontade. 

    Fugindo à situação, agarrou-o pelo rosto. Com os dedos firmes, pressionou impiedosamente o rosto contra o asfalto áspero, que a fúria das chamas ardentes parecia irromper do seu cotovelo. 

    O asfalto se desfez sob a pressão, criando uma cavidade na qual o rosto do nazista foi empurrado, como se a própria terra estivesse repelindo sua existência. O tormento de Wolfgang era evidente, e seus gritos foram abafados pelo calor intenso e pela compressão esmagadora.

    ⌊ Erosão Ardente ⌉

    A mão do ruivo avançou como um pistão, o espaço entre os dedos e o rosto de Wolfgang encheu-se de um turbilhão de partículas incandescentes. Não se tratava de fogo comum, mas sim de um microfluxo piroclástico.

    O ar comprimiu-se, com colisões de moléculas a um nível termodinâmico, até que a energia acumulada irrompeu sob a forma de um soco de plasma concentrado. Atingiu-se uma temperatura de 1200 °C, com a onda de choque propagando-se a 300 metros por segundo. 

    O rosto de Wolfgang não teve tempo de se contrair com um ar de horror. A carne carbonizou-se instantaneamente, as células desidrataram num instante molecular, os ossos reduziram-se a pó calcário mais rapidamente do que os neurónios tivessem tempo de registar a dor. 

    Restou apenas uma máscara grotesca de fuligem e osso exposto, fixada numa expressão de surpresa eterna. Lewis não pestanejou. Os seus olhos, reflexos das chamas que o consumiam por dentro, brilhavam com uma frieza que rivalizava com o próprio inferno.

    — Queime mais!

    O comando desencadeou uma reação em cadeia. Arredores tornaram-se numa câmara de combustão esférica, com moléculas de oxigénio a ionizarem-se num halo azulado. Lewis sentiu o sangue a ferver. O seu corpo era um reator nuclear de carne e osso, convertendo cada gota da sua vitalidade em destruição.  

    A arrogância esmorecera; restava apenas o instinto primal de uma fera encurralada. 

    Quando as chamas finalmente se extinguiram, não foi com um estrondo, mas com um suspiro – o último suspiro de um colosso derrotado. Wolfgang jazia em cinzas.  

    Lewis elevou o olhar para o céu, onde nuvens de fumaça desenhavam cifras efêmeras. Havia algo de poético naquela destruição, pensou. Uma simetria brutal entre criador e criatura. Ambos reduzidos a brasas – um literalmente, o outro metaforicamente. No entanto, enquanto um jazia derrotado, o outro…  

    O outro ainda respirava.  

    E respirar, naquele momento, era a única vitória que importava.

    Em seguida, caiu de joelhos enquanto a incisão no seu peito continuava a abrir-se. 

    — Consegui… 

    Dezessete anos de perseguição incessante culminaram nesse inferno de tirar o fôlego. O próprio ar crepitava com uma energia quase senciente enquanto a chama vermelha dançava diante dele. Diferente de qualquer outra que ele já havia encontrado, seus tons carmesins pulsavam com uma intensidade de uma entidade viva.

    Ele sentiu isso em seus ossos, um poder primordial percorrendo a terra que ressoou com um tremor profundo dentro dele. Um medo primordial se misturou a um temor eletrizante. Essa não era uma chama comum – era uma força antiga, uma essência intocada pelo tempo, um cadinho de segredos esquecidos. Ela sussurrava um potencial incalculável, um poder bruto e indomável que havia atraído civilizações passadas.

    Neste local, banhado pelo brilho avermelhado, o trabalho de sua vida não estava terminando; estava se acendendo. Esse fogo inflexível era uma promessa, um vislumbre de uma odisseia ainda a ser escrita. As possibilidades, tão vastas quanto as próprias chamas, se estendiam diante dele, um horizonte infinito acenando com um desafio tão emocionante quanto aterrorizante. Seu coração batia forte, uma batida de tambor ecoando o antigo ritmo da terra, um ritmo que agora definia seu destino.

    No entanto, à medida que o sangue fluía, seu espírito diminuía, acompanhado pela vida, que começava a murchar. Mesmo assim, ele contemplava a lua.

    Sentiu a fraqueza espalhar-se pelo seu corpo, como sombras que avançam na escuridão. No entanto, mesmo neste estado precário, não conseguia desviar o olhar da lua. Era como se a sua presença o amparasse nos seus últimos momentos, uma testemunha silenciosa da sua efêmera existência.

    — Você sempre esteve comigo… né? 

    Por entre as grandes sombras da noite, havia um facho luminoso que emanava força e valor. Era uma luz inabalável que indicava o caminho com um farol de esperança. 

    — Nunca saiu do meu lado, sempre me protegeu. 

    Seu corpo caiu, vazando o sangue.

    Sol.

    Todavia, mesmo àquele momento sublime, um vento suave começou a soprar, diminuindo gradualmente a sua força até que a última faísca fosse apagada por completo. 

    Foi como se a luz tivesse finalmente perdido a batalha para a própria escuridão.

    — É com vocês, Mandy… Pessoal.

    1. os femtossegundos são unidades de tempo utilizadas para medir intervalos extremamente curtos. Um femtossegundo é equivalente a 10^-15 segundos, ou seja, 1 femtossegundo é igual a 0,000000000000001 segundos[]
    2. Já chega dessa palhaçada![]
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