Capítulo 54 - Instinto Selvagem
Main St
Ignorei o caos que tomava a rua, apesar do pânico que se alastrava pela cidade. Meu desejo era apenas encontrar Benjamin, agora à mercê das garras geladas de Klaus Fritz. Não podia me permitir distrações, mesmo com os Mephistos ameaçadores ao redor. O tempo se esvaía em uma espiral torturante, e o medo crescia a cada momento que passava.
Empreguei o melhor de meu esforço e agilidade para fugir das garras assassinas. O sucesso em minha fuga dependia unicamente do meu instinto de sobrevivência, de uma inteligência detalhada e de uma necessidade avassaladora que me impulsionava.
Meu instinto conseguia discernir oportunidades mesmo nas situações mais adversas, como se estivesse observando através de um buraco de fechadura.
Diante de mim, um caminho de fuga se abria através de uma pilha de veículos abandonados. Sem hesitar, pulei sobre um carro destruído, utilizando seu teto amassado como apoio.
No momento seguinte, me agarrei à lateral de um ônibus tombado, cujas janelas quebradas eram testemunhas silenciosas do caos predominante.
Ergui-me, ficando em pé sobre o teto inclinado do ônibus. A paisagem de uma cidade em ruínas se estendia ao meu redor, enquanto eu controlava minha respiração diante da ameaça iminente que se aproximava.
O teto irregular sob os meus pés vibrava em resposta à perseguição, mas, por enquanto, eu estava um passo à frente.
— Pra onde ele tá? Merda, sou muito burro! — A afirmação escapou-me dos lábios num sussurro autocrítico. — Tenho que dar um jeito de encontrá-lo de novo.
O sabor amargo da frustração pairava no ar enquanto eu encarava a realidade da minha falta de cuidado.
— Se eu não conseguir encontrá-lo, espero que…
Houve um distúrbio que sacudiu o veículo, juntamente com uma sinfonia frenética de tentáculos e brados agudos. Foi só então que reconheci que se tratava de uma infestação de Mephistos.
Observando de cima, vi que algo impudente estava usando seus tentáculos para se agarrar tenazmente à estrutura do veículo.
— Que se foda, eu consigo sim.
Não havia tempo para lamentações, mesmo que a irritação comigo mesmo estivesse crescendo. Era necessário recuperar o tempo perdido, superar minha negligência e descobrir como lidar com a desordem caótica à minha frente.
Movi-me rapidamente para mirar no Mephisto invasor, canalizando meu anseio em um chute decisivo. Com um grunhido, ele caiu ao chão, desestabilizado.
— Morre, diabo.
Prosseguindo com a busca, lancei-me para trás do outro veículo, fazendo de sua superfície uma plataforma de ação efêmera. Meus músculos se contraíram em movimentos fluidos, esquivando-me das investidas inúteis dos Mephistos, que se agarravam ao vazio do meu rastro.
Uivos ressoavam enquanto eu deslizava pela encosta, com o som de vidro se estilhaçando reverberando na cena caótica.
No extremo oposto, um Mephisto teve o seu destino selado por um acerto crítico do meu pé no seu rosto, deixando-o cruelmente amassado.
Rolei para o chão e continuei a minha fuga sem tréguas.
Um estrondo seco e ensurdecedor rasgou o ar, arrancando-me de qualquer pensamento que não fosse a urgência do momento. Meu coração disparou com o pressentimento, uma convicção visceral de que Benjamin estava na zona da explosão. Sem hesitar, lancei-me naquela direção, como se minha própria sobrevivência dependesse de encontrá-lo a tempo.
Os Mephistos deslizavam entre os veículos abandonados como serpentes prontas para dar o bote.
Um deles saltou ferozmente sobre o teto de um carro. Não hesitei – meu corpo reagiu instintivamente, desviando para o lado, e com o impacto ensurdecedor, o Mephisto, vencido por seu próprio impulso, caiu pesadamente no asfalto, com seu rosto monstruoso se chocando contra o chão.
Mais à frente, uma sombra imensa se ergueu – era outro Mephisto, esticando seus músculos com força extraordinária para levantar um carro como se fosse pouca coisa. Rugindo a pura fúria, ele arremessou o veículo em minha direção, como um projétil de metal girando fatalmente no ar.
Corri com os pés mal tocando o chão, como se o tempo se dobrasse ao meu redor. No último instante, lancei-me ao asfalto. O carro passou zumbindo por cima de mim, com o rugido do vento e do metal roçando-me.
— Merda. — A palavra escapou entre os dentes cerrados. O suor escorria pelo rosto, os pulmões queimando com cada respiração rápida.
Olhei ao redor – não tinha como seguir em frente, não com aquelas coisas me caçando implacavelmente. Eram muitos. Levantei rapidamente e voltei a correr na mesma direção pré-estabelecida.
“Preciso pensar rápido, agir mais rápido ainda…”
A preocupação pendia como chumbo sobre minha mente, mas logo se dissolveu na pura necessidade de sobreviver.
— Essa energia é, por natureza, repulsiva. É como se o universo estivesse reagindo a essas emoções, tentando afastar o que as causou.
As palavras de Mikael voltaram à minha mente com a nitidez de um tiro no silêncio. A convicção em sua voz, que naquela hora parecia distante e teórica, agora se tornava meu único fio de esperança no meio da devastação que me cercava.
“É isso, vou tentar a sorte. Que funcione.”
Eu estava ciente do risco, do perigo oculto que habitava as forças que eu estava prestes a controlar. Manipulá-las era como tentar domesticar uma tempestade em meio a um campo minado. No entanto, com o cerco dos Mephistos, cuja presença sinistra era semelhante à de predadores no ar carregado de fuligem e fumaça, a hesitação não era uma opção.
A terra tremeu sob meus pés, vibrando com a proximidade deles, enquanto o pavor me perseguia.
Girei bruscamente, com a ressonância do vidro estilhaçado reverberando à medida que meus passos esmagavam os fragmentos espalhados pelo asfalto. Estendendo meu braço, senti a energia negativa pulsando tumultuosamente ao meu redor. Fechei os olhos, inalando profundamente, enquanto os momentos se estendiam pelo que pareceu ser uma eternidade.
“Funcione… por favor, que funcione!”
Então, uma explosão ensurdecedora rasgou o ar, um estrondo que sacudiu as estruturas restantes. Abri os olhos e vi, com um misto de alívio e horror, que toda a área à frente havia sido dizimada, deixando um enorme buraco a vários metros de distância.
Os postes de iluminação estavam inclinados e quebrados, alguns pendurados perigosamente em fios elétricos expostos que faiscavam com energia residual. Carros destruídos estavam espalhados por toda parte, como brinquedos descartados. Alguns estavam completamente amassados, com tetos afundados e janelas quebradas, pedaços de vidro espalhados pelo chão como estrelas caídas.
Os veículos mais próximos da explosão foram arremessados pelo ar, caindo em cima de outros escombros e formando pilhas de metal que brilhavam à luz pálida da lua. Em alguns deles, vestígios de chamas ainda raspavam a pintura desbotada, enquanto colunas de fumaça preta subiam lentamente, fundindo-se ao ar saturado de fuligem.
As fachadas dos prédios ao longo da rua ofereciam um espetáculo igualmente desolador. Estruturas inteiras haviam sido destruídas, expondo os interiores abandonados dos edifícios.
E, finalmente, os vestígios da vida que um dia existiu ali. Uma bicicleta infantil esquecida, com seu vermelho vívido agora enferrujado e deformado, estava em um canto, com as rodas girando ao vento.
— Puta que pariu… O que eu fiz?
Uma sensação de apavoramento percorreu minha espinha, apertando meu peito em um nó sufocante. Eu me forcei a olhar para meu braço, ao qual agora pesava um estranho fardo. Lá estava ela, a mancha escura, espalhando-se como uma queimadura, mas pulsando com vida própria. O contorno da mancha tremia suavemente, como se tivesse se enraizado em minha pele, consumindo algo de dentro para fora.
Meu coração batia de forma irregular, lutando para acompanhar o turbilhão de pensamentos e emoções que se alastravam como uma tempestade.
— C-cacete…
Era como se o poder que eu havia convocado deixasse sua marca em mim, e fosse um lembrete sombrio do ato que eu acabara de cometer. Esse poder não era apenas uma força externa; estava enraizado em meu ser, incorporado em minha carne como uma maldição.
No fundo, honestamente, o que realmente me aterrorizava não era a ruína que me cercava ou os inimigos. Era a dura e terrível realidade de que, naquele instante, eu não reconhecia mais a pessoa que havia se tornado capaz de tal façanha. Pior ainda, eu temia o que mais essa nova versão de mim poderia fazer.
— C-certo, foda-se! Não posso parar!
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