Capítulo 71
Maxi apertou os olhos ao olhar para o jardim desolado. A neve havia caído intermitentemente nos últimos dias, e a camada congelada de neve que cobria os canteiros de flores brilhava como diamantes. Os galhos secos das árvores tremiam melancolicamente ao vento.
Ela se apressou ao lado de Ruth, passando pelo paisagem sombria. Uma vez que estavam além do portão que cercava o jardim, ouviram o som agudo de espadas, cascos batendo e vozes ressonantes.
“Parece que vamos ter que esperar um pouco, minha senhora”, murmurou Ruth, clicando a língua enquanto ficava na entrada do campo de treinamento dos cavaleiros.
Maxi espiou por trás do corpo magro de Ruth.
Os campos de treinamento lembravam um estádio. Centenas de cavaleiros a cavalo se enfrentavam em oito longas filas. Todos estavam de armadura completa e cada um segurava uma lança mais alta que um homem comum.
A tensão palpável fez Maxi prender a respiração. O cavaleiro no centro ergueu uma bandeira vermelha; os outros gritaram e avançaram.
Maxi gritou e cobriu os olhos com as duas mãos. O metal retinente, os cavalos relinchando e os rugidos trovejantes continuaram por um tempo. A batalha era tão feroz que Maxi sentia as pedras tremendo sob seus pés.
“Estão mais agressivos que o normal hoje”, comentou Ruth, emitindo um assobio baixo.
Quando finalmente parou, Maxi abriu os olhos lentamente. Os cavaleiros, voltando à sua formação, estavam desmontando e tirando os capacetes. Ruth pegou o braço de Maxi e a levou para baixo das escadas.
“Venha, minha senhora. Eu apostaria que há mais de alguns homens machucados lá embaixo.”
Desajeitada, Maxi seguiu Ruth de uma maneira bastante desengonçada. Um dos cavaleiros que estava cuidando de sua lança e capacete ficou surpreso quando eles se aproximaram.
“Mago Ruth, o que traz você aos campos de treinamento?”
“Vim ver se alguém se machucou durante o treino.”
“Ah, ah”, disse Hebaron, jogando seu capacete sem cerimônia no chão. “Que surpresa agradável. Eu pensei que você não queria que nós te chamássemos para nada menos que uma ferida incapacitante.”
Talvez porque seu sangue ainda estivesse pulsando pela justa intensiva, o corpulento cavaleiro parecia mais sombrio que o habitual. Ele cortava uma figura imponente, e Maxi se sentiu intimidada. Ela se escondeu atrás de Ruth, mas o feiticeiro, que não era dado a comportamentos infantis, a empurrou na direção do cavaleiro.
“Eu nunca me voluntariaria para fazer tal coisa, é claro. Será sua senhoria que fará a cura.”
Os cavaleiros arregalaram os olhos quando perceberam que a figura encapuzada atrás de Ruth era a dama do castelo.
Maxi deu aos homens um sorriso desconfortável em resposta aos olhares inquietos deles. Ela pensou que tinha se acostumado a enfrentar esses homens, mas ficar diante deles enquanto estavam completamente armados a deixou tão nervosa que suas mãos tremiam. Maxi puxou as mangas para esconder seu tremor antes de começar a falar.
“A-apesar de não ser g-habilidosa… g-gostaria de o-oferecer minha ajuda p-para c-cuidar de seus f-ferimentos…”
Os cavaleiros trocaram olhares confusos diante da oferta atrapalhada, e um silêncio constrangedor se seguiu. A longa pausa foi finalmente quebrada por Elliot Charon, o cavaleiro na frente do grupo.
“Somos gratos pela sua oferta, minha senhora, mas não precisa se incomodar. Ferimentos leves são fáceis o suficiente para serem tratados por nós mesmos.”
Ao ser tão decididamente rejeitada por um cavaleiro — um dos poucos com quem ela estava familiarizada naquela — Maxi perdeu toda a sua coragem. Diante da visão de Maxi ali parada como se estivesse muda, Ruth interveio.
“Sua senhoria está aprendendo magia atualmente. Como precisamos de voluntários para praticar sua magia de cura, a cooperação de vocês seria muito apreciada.”
Hebaron, que estava engolindo água de um cantil, lançou a Maxi um olhar surpreso.
“Magia?”
Os outros cavaleiros também se viraram para ela usando olhares de choque iguais.
“Você sabe usar magia, minha senhora?”
“E-Eu a-acabei de c-começar a a-aprender… e-então n-não posso d-dizer que s-sou c-capaz…”
Sua resposta parecia carecer da convicção apropriada, já que os cavaleiros desviaram o olhar mais uma vez.
“Magos,” disse Hebaron, coçando os cachos molhados de suor com uma expressão preocupada. “A intenção é louvável, eu reconheço, mas se houver quaisquer efeitos colaterais… nosso atual regime de treinamento já é exaustivo o suficiente…”
“É magia de cura. Não haverá consequências mesmo se ela falhar. Vocês não precisam se preocupar com isso.”
O grupo de cavaleiros continuou trocando olhares furtivos entre si. Ruth percebeu isso e cruzou os braços, encarando-os com fúria.
“Tenho certeza de que não preciso lembrar a importância dos curandeiros para todos vocês. Pelo bem de Anatol e dos Dragões Brancos, estou sacrificando todo o meu tempo, incluindo o meu sono, para ensinar a senhora aqui, magia. No entanto, vocês se recusam a oferecer a menor assistência por medo? E ainda se chamam de cavaleiros!”
“Puxa! Não precisa ficar martelando nisso. Quem disse que não ajudaríamos? Apenas não tenho nenhum arranhão para oferecer. Ei! Alguém está ferido?”
“A senhora aqui ainda não acumulou mana suficiente, então não seria capaz de curar ferimentos significativos. Alguém com uma ferida leve seria mais útil.”
“Por que você é tão exigente,” resmungou Hebaron.
Então, como se lembrasse de algo, ele parou e fez um gesto com o dedo para chamar um cavaleiro que estava cuidando de seu cavalo a alguma distância.
“Ricaydo!” bradou Hebaron. “Você não arranhou sua bochecha durante a justa? Por que você não se voluntaria?”
O cavaleiro loiro franziu a testa e lançou um olhar afiado para ele. Maxi instintivamente encolheu os ombros. De todos ali, Hebaron havia escolhido Ursuline Ricaydo, o cavaleiro que havia sido o mais hostil com Maxi.
O cavaleiro olhou para Maxi antes de gritar de volta: “Eu pensaria que você seria mais adequado. Certamente o golpe da minha lança deve ter deixado um hematoma considerável.”
“Ha! Hematoma, você diz? Nada mais que uma picada de pulga. Tenho medo de que esteja intacto.”
“Sua bravura é louvável, mas te vi balançando no seu cavalo como um espantalho.”
“Aquele malandro também deve ter machucado os olhos! Minha senhora, certifique-se de tratá-lo completamente.”
Maxi parecia preocupada, e seus olhos se desviaram da expressão fria de Ursuline. Evidentemente cansado da briga entre os dois cavaleiros, Ruth soltou um suspiro profundo e caminhou em direção ao cavaleiro loiro.
“Vejo que você tem um corte na bochecha, Sir Ursuline. O ferimento é pequeno o suficiente para a senhora aqui curar. Não levará muito tempo, então por favor, dê seu consentimento.”
“Não há necessidade. Um pequeno arranhão desses vai cicatrizar sozinho.”
“Você não preferiria se livrar dele rapidamente? Não queremos que cicatrize e deixe uma marca no seu rosto bonito, afinal.”
“Eu preferiria que cicatrizasse a ser olhado por uma maga incompetente.”
A determinação de Maxi se fortaleceu diante das palavras duras. Ela não entendia por que ele se recusava tão veementemente quando não haveria consequências mesmo se ela falhasse.
Ela engoliu em seco e disse tremendo: “E-Eu lhe asseguro, e-eu t-tenho t-treinado. N-Não vou f-falhar, e-então por f-favor, p-permita-me…”
Suas palavras morreram quando ela viu o olhar de nojo estampado nas feições frias do cavaleiro.
Ursuline a encarou com desprezo e, então, cuspiu: “Você é capaz até de recitar o feitiço?”
Dominada pela vergonha, um rubor intenso percorreu Maxi da cabeça aos pés. Ela estava tão mortificada que sentia as orelhas queimarem e os olhos arderem. Ela queria responder com uma réplica cortante, mas sua língua estava paralisada.
Ela abriu e fechou a boca como uma boba antes de abaixar a cabeça, incapaz de suportar a humilhação por mais tempo. Era melhor parecer indiferente se quisesse preservar a dignidade que lhe restava, mas não conseguia encontrar coragem para encarar o olhar gélido do cavaleiro.
“O-O feitiço…”
Depois de recuperar brevemente sua compostura, Maxi estava prestes a dizer que não precisava recitar o feitiço em voz alta quando sentiu uma mão em seu ombro.
Surpresa, virou-se para olhar atrás dela.
Era Riftan. Nem mesmo havia percebido que ele se aproximava. Ele estava atrás dela, os olhos faiscando enquanto encarava o cavaleiro loiro. Gentilmente, moveu Maxi para o lado e, então, agarrou o colarinho de Ursuline com uma mão.
“Você ousa falar com minha esposa com tamanha insolência?” Rugiu Riftan entre dentes cerrados, quase erguendo o cavaleiro do chão.
Ursuline tentou se soltar, mas Riftan não se moveu.
Estrangulado por sua capa, o rosto de Ursuline começou a ficar vermelho. Os outros tentaram intervir às pressas.
“Comandante! Por favor, acalme-se!”
Mesmo a força combinada de dois cavaleiros não foi suficiente para fazer diferença. Riftan sacudiu Ursuline antes de jogá-lo no chão. Com o rosto vermelho como beterraba, Ursuline começou a tossir, e os outros cavaleiros o ajudaram rapidamente a se levantar.
Riftan observou o cavaleiro com calma antes de girar e puxar uma Maxi petrificada para si.
“Vamos, vamos voltar para o castelo.”
Maxi seguiu nervosamente atrás de Riftan enquanto ele a conduzia para longe.
Naquele momento, a voz indignada de Ursuline ressoou atrás deles.
“Você não tem orgulho, Comandante?”
Riftan congelou e virou-se para encarar o cavaleiro. Ursuline estava esfregando o pescoço, sua expressão sombria.
“Não te enfurece?” Ursuline continuou. “Depois de tudo o que o Duque Croyso nos fez passar… como você pode apoiar a filha dele? Ela não é nada além de—”
Antes que alguém pudesse detê-lo, Riftan investiu contra Ursuline e desferiu um soco em seu rosto. O grande cavaleiro recuou; Maxi soltou um grito. Como se insatisfeito com um único soco, Riftan ergueu o punho novamente. Os outros cavaleiros seguraram seu braço em pânico.
“C-Comandante! Por favor, se contenha!”
“Maldição… está procurando briga, Comandante?”
“Isso é o bastante, Sir Ursuline! Você está fora de controle!”
Ursuline limpou o lábio cortado com o dorso da mão. Embora parecesse estar encarando o olhar furioso de Riftan da mesma forma, um suor frio começou a escorrer de sua testa como se o olhar ameaçador de seu comandante estivesse pressionando-o.
Riftan se aproximou ameaçadoramente e cuspiu as palavras, uma por uma: “Se você ousar falar sobre minha esposa daquela maneira novamente, eu vou cortá-lo de cima a baixo, da boca até a virilha.”
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.