Capítulo 74
No dia seguinte, após muita deliberação, Maxi dirigiu-se à biblioteca. Ela ficou aliviada quando Ruth a cumprimentou como se nada estivesse errado.
Maxi sentou-se à mesa e abriu um livro sobre magia, lançando olhares furtivos para Ruth. Depois de sua explosão de raiva, ela estava muito envergonhada para trazer à tona o assunto de ontem. Ela se viu encarando a mesma página por um longo tempo antes de finalmente conseguir abrir a boca.
“S-Sobre… o que você disse ontem.”
“Perdão?”
Ruth, que estava concentrado em seu trabalho, olhou para cima com uma expressão perplexa. Maxi engoliu em seco e continuou.
“V-Você disse… disse que… m-meu discurso poderia melhorar s-se eu praticasse. E-Eu estava me perguntando se você poderia e-explicar.”
“Oh, aquilo.” Ruth assentiu e disse sem rodeios: “Eu poderia procurar por métodos de treinamento eficientes, se você quiser. Por agora, sugiro conversar em um ambiente confortável o máximo possível.”
“C-Conversar com p-pessoas?”
“Como dizem, a prática leva à perfeição. Tente conversar o máximo possível, mantendo a calma. Eu percebi que você tende a falar mais rápido quando está nervosa, e isso piora a gagueira. Eu acho que ganhar controle sobre seus nervos é o mais vital no seu caso, minha senhora.”
Maxi olhou para baixo, envergonhada por ter sua falha comentada tão abertamente.
“Eu… entendo. O-O que mais… d-devo fazer?”
“Hmm, vamos ver… eu acho que dedicar tempo para articular ajudará, mesmo que você acabe falando devagar. O objetivo é melhorar através da repetição.”
Um rubor intenso coloriu o rosto de Maxi. Seus olhos se desviaram de maneira constrangedora antes que ela conseguisse fazer sua língua rígida se mover.
“Eu… entendo… você quer dizer… assim?”
“Sim, exatamente assim. Você sempre parece se apressar desnecessariamente ao falar.”
“P-Pareço?”
“Se esses métodos se mostrarem ineficazes, eu procurarei por outras técnicas. Tenho certeza de que, se tentarmos métodos diferentes, algo vai ajudar.”
O rosto de Maxi caiu. Ela tinha esperado que Ruth tivesse uma solução especial para ela.
Por outro lado, ela teve que admitir que, por mais inteligente que Ruth fosse, ele não era onipotente. Era irracional dela esperar uma resposta final. Reprimindo sua decepção, Maxi mais uma vez escondeu o rosto atrás de seu livro.
Ruth acariciou o queixo enquanto a observava, pensando em algo.
“Isso me lembra, você não pôde praticar magia ontem.”
Maxi se enrijeceu diante da observação calma de Ruth.
“Eu… n-não desejo… causar p-problemas… indo lá novamente…”
“Não no campo de treinamento. Se você se lembra, os cavaleiros não são os únicos habitantes deste castelo. Tenho certeza de que encontraremos algum ou outro servo na cozinha com algum pequeno problema.”
“I-Isso é verdade… m-mas…”
Ruth interveio assim que Maxi ficou sem palavras.
“A prática é vital para aprender magia, minha senhora. Qual seria o ponto de ter todas as teorias e runas em sua cabeça se você não souber como aplicá-las?”
“E-Eu sei disso… m-mas… n-não desejo p-praticar em pessoas… q-que não estejam dispostas.”
“Tenho certeza de que os servos não se importariam. Eles estão ocupados demais para cuidar de pequenos machucados, então eles até podem ficar gratos se você se oferecer para tratá-los.”
Depois de um longo momento de hesitação, Maxi se levantou relutantemente de sua cadeira. Ruth estava certo. Ela teria que praticar em alguém se quisesse aprender magia, mas a rejeição amarga do dia anterior a fez hesitar.
Eles se dirigiram à cozinha do castelo. Como um cordeiro para o abate, Maxi arrastou os pés enquanto seguia Ruth. O que aconteceria se ela falhasse diante dos servos? Ela se tornaria motivo de piada?
Afundando em seus pensamentos habitualmente sombrios, Maxi entrou na cozinha. Ela não sabia se deveria ficar aliviada ou decepcionada quando viu que a agitação habitual estava quieta hoje.
“M-Minha senhora.”
O cozinheiro assobiava enquanto mexia um caldeirão. Ele dirigiu um sorriso alegre para ela quando entrou.
“Posso ajudar em algo, minha senhora?”
“N-Não, não estou aqui para nada…” murmurou Maxi.
Ruth, posicionado atrás dela como um guardião, deu-lhe um empurrão com o ombro. Maxi franziu levemente a testa com sua impertinência antes de soltar um suspiro.
“E-Eu estava… m-me perguntando se a-alguém estava… f-ferido.”
O cozinheiro pareceu confuso e coçou sua grande cabeça. “Ferido, minha senhora?”
Ruth a cutucou novamente. Maxi virou para encará-lo antes de olhar de volta para o cozinheiro.
“Q-Quero dizer coisas como cortes… ou queimaduras… ou entorses.”
“Nisso, nós temos um suprimento infinito, minha senhora. Especialmente alguém como o Crom Desajeitado ali. O garoto é todo desajeitado. Mal passa um dia sem que ele se machuque. Por que, ele queimou a mão agora mesmo tirando os pães do forno.”
Maxi virou-se para olhar o servo que o cozinheiro havia apelidado de ‘Crom Desajeitado’. O rapaz magro, com o rosto profundamente bronzeado, parecia não ter mais de dezesseis anos. Ele estava atualmente cortando algo com uma das mãos envolta em pano.
Respirando fundo, Maxi disse, “V-Você poderia… c-chamá-lo para mim?”
Embora o cozinheiro parecesse surpreso, ele prontamente gritou pelo rapaz. “Crom! Aqui, rapaz. A senhora deseja vê-lo.”
O garoto saltou com a voz alta do cozinheiro como se tivesse sido atingido por um raio. Ele imediatamente correu para Maxi.
“C-Como posso ajudar, senhora?”
Seu rosto estava branco de medo, evidentemente preocupado por ter feito algo errado. O cozinheiro estava olhando para Maxi, seu olhar cheio de curiosidade sobre por que diabos ela estava perguntando sobre um servo ferido.
Maxi limpou a garganta e falou com sua voz mais digna. “Ouvi dizer que… você machucou sua… mão… você se importaria… se eu der uma olhada?”
“M-Minha mão, senhora?”
O garoto piscou, perplexo, antes de desenrolar apressadamente o pano que cobria sua mão. A carne estava vermelha e crua. Maxi pôde sentir que era doloroso só de olhar.
Ignorando a ansiedade do rapaz, Maxi colocou delicadamente seus dedos sobre a ferida e respirou fundo. Os ombros de Crom se contorceram de dor. Ela se sentiu mal por ele; como mero servo, ele não podia protestar e simplesmente tinha que suportar os caprichos da senhora do castelo.
Sabendo que explicar seu objetivo só aumentaria seu medo, ela não ofereceu explicação e começou a invocar sua magia. Calor se reuniu em sua palma. Logo, a ferida de Crom começou a desaparecer lentamente.
Os olhos do jovem servo se arregalaram quando sentiu a dor diminuindo. Depois de infundir a ferida com magia suficiente, Maxi retirou seus dedos. A mão de Crom estava como nova.
“C-Céus!”
Exclamações surgiram ao seu redor, mas ninguém ficou mais espantado do que Maxi mesma. Ela não esperava ter sucesso na primeira tentativa. Depois de olhar boquiaberta para a mão do rapaz, Maxi virou-se para Ruth e pulou de excitação.
“Eu consegui! E-Eu realmente consegui!”
Ruth sorriu orgulhosamente e bateu em suas costas. “Muito bem, minha senhora! Um esforço inicial excepcional!”
Fortalecida pelo resultado triunfante, Maxi virou-se para os servos e falou com mais confiança. “E-Eu estive aprendendo magia de cura nas últimas s-semanas, e p-preciso de voluntários para praticar. A-Alguém mais está f-ferido?”
“Nós gostaríamos de ser voluntários, minha senhora.”
Maxi virou-se bruscamente com a voz inesperada. De pé na entrada estavam o Sir Hebaron, o Sir Elliot e um jovem cavaleiro que ela tinha visto apenas algumas vezes. Encontrar os cavaleiros por volta dessa hora do dia era inédito a menos que alguém fosse para o campo de treinamento. Maxi estava tão chocada que parecia estar sendo emboscada.
“Por favor, nos perdoe por te assustar, minha senhora”, disse Elliot cortesmente ao ver como ela estava nervosa.
“T-Tudo bem…”
“Imaginar que fomos tão rudes com você ontem quando você é tão talentosa.”
Maxi fez um gesto de negação. “N-Não posso dizer que sou talentosa…”
Hebaron, seu grande porte encostado na entrada, entrou na cozinha envergonhado coçando a nuca.
“Será que poderia se incomodar… para dar uma olhada nesta ferida de um combate?”
O cavaleiro mostrou a Maxi um pequeno corte nas costas da mão. Seus olhos se moviam freneticamente entre o ferimento e o rosto do cavaleiro, incapaz de compreender sua mudança repentina de atitude. A expressão de Hebaron ficou arrependida diante do silêncio de Maxi.
“Como esperado, a senhora ainda deve estar chateada com os eventos de ontem.”
“N-Não! Eu estava… a-apenas surpresa… p-por favor, sente-se a-aqui. V-Vou cuidar do seu ferimento i-imediatamente.”
Os servos prontamente trouxeram cadeiras para eles. Os cavaleiros se alinharam na frente, cada um tentando parecer o mais dolorido possível.
“Eu torci o meu pulso, minha senhora.”
“Para mim, é o meu ombro…”
“E-Eu ficarei… feliz em dar uma olhada.”
Maxi engoliu em seco. Ela ficou tensa com o pensamento de que poderia falhar e fazer papel de boba. Percebendo sua reação, Ruth riu.
“Não precisa ficar tão nervosa, minha senhora. Eles só estão aqui porque se sentem arrependidos pelo que aconteceu ontem.”
Hebaron franziu a testa e rugiu, “Que absurdo!” Ele apontou para o arranhão que parecia insignificante até mesmo para Maxi. “Não vê que estou sangrando?!”
Ruth clicou a língua. “Alguém seria sortudo de extrair uma gota disso…”
Vendo o cavaleiro robusto se preocupar com um arranhão tão pequeno fez Maxi rir. Ela subitamente se sentiu mais confiante.
Ela se recompôs e lançou um feitiço de cura sobre a mão do cavaleiro, e a ferida desapareceu diante de seus olhos. Hebaron começou a elogiar Maxi como se tivesse acabado de testemunhar um milagre. Seus elogios eram tão exagerados que Maxi acabou explodindo em risadas, arrancando um sorriso do cavaleiro.
“Por favor, não leve a sério o que aquele canalha do Ursuline disse, minha senhora. Ele apenas se exalta por despeito.”
“N-Não levei.”
“Então estou feliz.”
Hebaron sorriu e se levantou da cadeira. Maxi curou os outros dois cavaleiros depois dele e depois passou a curar os servos que se apresentaram com ferimentos.
No final do dia, com exceção da mão de Crom, todos os ferimentos que Maxi acabou tratando eram menores. Embora fossem tão pequenos que mal precisavam de um curandeiro, ela ainda se sentia fisicamente exaurida.
Maxi limpou o suor da testa com um sorriso satisfeito. Não foi uma proeza extraordinária, mas o fato de poder ajudar os outros a preenchia de alegria. A ideia de que ela era inútil tinha sido martelada em sua cabeça durante toda a sua vida. Considerando isso, este era um grande passo à frente. Pela primeira vez em sua existência, Maxi se sentiu útil. O pensamento quase a fez chorar.
“Se estiver de acordo, minha senhora,” disse Hebaron, voltando-se para ela enquanto saía com os outros cavaleiros, “por favor, venha até nós se precisar de voluntários. Vou ter certeza de informar os outros.”
Maxi assentiu, dando-lhe um sorriso tímido.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.