Capítulo 99
Maxi precisava de algo para fazer. Ficar ociosa estava trazendo de volta lembranças de sua vida no Castelo de Croyso, e isso a deixava deprimida.
Ela seguiu para a cozinha. O mínimo que podia fazer era fingir supervisionar os criados enquanto preparavam o jantar. Estava descendo as escadas quando ouviu uma voz grave chamá-la.
“Minha senhora!”
Maxi se virou. Sir Gabel Lachzion e Sir Remus Baldo estavam entrando na grande sala, com expressões sérias.
Maxi ficou tensa. “O-O que os traz ao castelo a essa hora? A-Aconteceu alguma coisa?”
Eles passaram pelos servos que limpavam o chão e correram até Maxi.
“Perdoe-nos pela interrupção, minha senhora, mas alguém se feriu. Poderíamos pedir sua assistência?”
Os olhos de Maxi se arregalaram. Embora ela frequentemente tivesse cuidado dos cavaleiros no passado, não o havia feito após seu episódio de esgotamento de mana.
O pedido agora era tão repentino que Maxi supôs que a situação devia ser grave.
Confusa, ela perguntou apressadamente: “O-O que aconteceu com Ruth?”
“O feiticeiro está atualmente no local da construção. Não desejamos sobrecarregá-la, minha senhora, mas não podemos nos dar ao luxo de ir até o vilarejo procurar outro curandeiro.”
Os cavaleiros estavam visivelmente ansiosos enquanto levavam Maxi até a porta sem esperar por sua resposta. Ela teve que correr atrás deles para acompanhar seus passos largos.
“P-Poderia… me dizer quem se machucou?”
“Um dos cavaleiros que foram enviados como batedores para Livadon no inverno passado. Parece que foram atacados por lobisomens em Anatolium, e um deles foi envenenado, de todas as coisas…”
Gabel clicou a língua. Em seguida, como se lembrasse de algo, ele se virou para Maxi com uma expressão preocupada.
“Você é capaz de neutralizar veneno com magia, minha senhora?”
“Eu… estudei as runas, mas ainda não as experimentei…”
“Então você poderia aproveitar essa oportunidade para testar”, respondeu Gabel sem hesitar antes de praticamente descer as escadas.
Maxi teve que juntar sua saia de um lado e pular para evitar cair escada abaixo.
“N-Não seria melhor… esperar Ruth voltar?”
“Se adiarmos e o veneno se espalhar, o pobre rapaz perderá a mão direita para sempre. Seria o fim de sua vida como cavaleiro. Não importa se você falhar. Por favor, tente.”
O tom de Sir Remus era mais coercitivo do que um pedido.
Maxi engoliu em seco. Ela não sabia se deveria se sentir feliz ou preocupada pelo fato de os cavaleiros, que inicialmente relutaram em tê-la como curandeira mesmo para ferimentos superficiais, agora dependerem dela em uma situação tão grave.
E se fosse algo sério demais para ela lidar? Agitada, Maxi continuou a enxugar as mãos úmidas na saia enquanto seguia os cavaleiros pelo jardim. Eles passaram pelo portão e correram direto para os alojamentos dos cavaleiros.
“Por aqui, minha senhora.”
Lá dentro, cortinas grossas cobriam as janelas. Maxi congelou ao entrar na sala escura.
Alguém acendeu uma vela, iluminando três ou quatro leitos alinhados no chão. Esta sala provavelmente havia sido preparada para tratar ferimentos durante as sessões de treinamento. O infirme também continha uma prateleira cheia de bolsas de ervas e frascos de remédios desconhecidos, um braseiro fracamente brilhante e uma chaleira fervente. O interior sombrio fez Maxi encolher os ombros enquanto seus olhos vasculhavam o ambiente.
Um gemido fraco vinha do outro lado da sala. Maxi se virou na direção do som e viu um jovem cavaleiro deitado em um dos leitos.
Ela se aproximou do homem e franziu o cenho. “É difícil ver o ferimento no escuro. P-Poderiam abrir as cortinas?”
“O veneno de lobisomem torna alguém extremamente sensível. A luz do sol seria muito forte para ele”, explicou Gabel. “Aumentaria sua dor. Aqui, permita-me.”
Gabel acendeu a vela ao lado do leito. À luz tremeluzente, Maxi pôde distinguir o corpo superior do cavaleiro ferido, nu e bronzeado.
Ela inspecionou cuidadosamente o ferimento, e seus ombros relaxaram com alívio quando viu que não era tão grave quanto temia. Embora a mordida em seu antebraço fosse profunda, seus ossos pareciam estar intactos. Ainda assim, ele estava gravemente envenenado. Maxi colocou a mão na testa do jovem para verificar sua temperatura e franziu a testa ao sentir sua pele ardente.
“Você já tentou… detoxificantes?”
“Ele recebeu folha de mandrágora logo após ser mordido, mas a besta que o atacou era um monstro poderoso. O detoxificante foi ineficaz.”
Maxi olhou na direção da voz desconhecida que se juntara à conversa. Um jovem cavaleiro de aparência cansada, carregando um balde de água, estava se dirigindo ao infirme.
Sir Remus rapidamente pegou o balde dele. “Eu disse para você descansar. Deixe os criados lidarem com essas tarefas.”
“Estou bem. Esse canalha foi mordido quando tentou me proteger, então é justo que eu mesmo cuide dele”, respondeu o jovem cavaleiro teimosamente.
Ele pegou o balde de volta e se aproximou do leito. Depois de molhar uma toalha, começou a limpar o cavaleiro inconsciente. Um gemido fraco escapou dos lábios do cavaleiro ferido.
Sir Remus observava a cena com uma expressão endurecida e agora se virou para Maxi com urgência em sua voz. “Você deve se apressar, minha senhora. O braço dele pode ficar permanentemente danificado se o veneno se espalhar mais.”
“V-Vou tentar.”
Maxi aproximou a vela mais perto da ferida da mordida e cuidadosamente inspecionou o estado do braço do jovem. Ela já tinha visto mordidas de lobisomem antes, mas essa era diferente.
As duas marcas de mordida afundaram profundamente como se tivessem sido marteladas com uma lança. Um cheiro horrível emanava delas. A carne de seu antebraço estava roxa e inchada como uma salsicha recheada em excesso.
Será que consigo realmente curá-lo?
Enquanto posicionava uma mão trêmula sobre a ferida, ela tentava lembrar a runa mágica que Ruth havia lhe ensinado.
Embora a desintoxicação consumisse menos mana do que a cura, envolvia cálculos mais complexos. Ela tinha que fazer sua mana fluir ao longo de um diagrama com o qual não estava acostumada. Provar ser mais difícil de controlar do que ela havia antecipado, e ela acabou desenhando a runa incorretamente duas vezes.
Os cavaleiros assistiam em silêncio. Como se sentissem sua luta, seus rostos ficavam ansiosos.
“Você acha que será difícil para você curá-lo?”
“D-Deixe-me… tentar novamente”, murmurou Maxi em uma voz próxima de um sussurro, um rubor intenso colorindo seu rosto.
A culpa a inundava. Como teria sido bom se ela tivesse praticado magia de desintoxicação em vez de se lamentar tanto tempo. Se ela perdesse esse jovem agora, os cavaleiros perderiam toda a confiança nela.
Maxi enxugou as gotas de suor da testa e reuniu sua mana pela última vez. Felizmente, uma névoa de luz azul começou a subir e envolver o braço do jovem cavaleiro. Ela espiralou e se curvou em padrões intricados. Fluindo ao longo da runa, a magia de Maxi penetrou em seu corpo, neutralizou o veneno correndo por seu sangue e rastreou a runa de volta para fora.
A magia estava funcionando. A cor do braço do cavaleiro logo voltou ao normal, e o inchaço gradualmente diminuiu.
Maxi suspirou aliviada. “E-Está feito.”
A energia turva desapareceu completamente do corpo do cavaleiro, e Maxi lentamente recuou a mão. Gabel se inclinou com a vela para inspecionar a compleição do cavaleiro. Satisfeito, ele prosseguiu para abrir as cortinas. Maxi semicerrava os olhos na luz brilhante que iluminava seu rosto.
“Ele não parece incomodado pelo sol. O veneno deve ter sumido.”
“M-Mesmo assim, eu acho que deveríamos dar a ele mais detoxificantes… já que ainda pode haver veneno em seu corpo. Alguém poderia ferver as ervas?”
“Permita-me, minha senhora”, disse o jovem cavaleiro que trouxe o balde de água.
Ele tinha estado preocupado ao lado do leito durante todo o processo de cura. Agora, colocou algumas folhas de mandrágora e outras ervas em uma chaleira e a pendurou sobre o braseiro para ferver.
Maxi se sentou perto da janela para recuperar o fôlego enquanto esperavam pelo chá. Tinha sido um tempo desde que ela tinha usado magia pela última vez. Ela se sentia cansada, mas longe de tão tonta quanto com o esgotamento de mana.
Maxi avaliou cuidadosamente a mana restante em seu corpo e, depois de decidir que ainda tinha uma quantidade segura, lançou magia de cura no cavaleiro ferido.
Os outros pareceram aliviados quando as marcas de mordida no antebraço do jovem homem desapareceram.
“Obrigado por aceitar nosso pedido difícil , minha senhora. Você também deveria tomar um chá de mandrágora. Suas raízes são um bom restaurador de mana.”
“O-Obri…gada.”
“Somos nós que devemos agradecer a você, minha senhora. Obrigado por salvar a vida de nosso camarada.”
O rosto de Maxi corou com o sincero sentimento de Gabel. Ultimamente seu monólogo interior tinha sido nada além de autodepreciação, e suas palavras de gratidão pareciam uma chuva após uma longa seca.
Dando um gole no chá fumegante, Maxi murmurou timidamente, “Estou feliz… qu-que pude ajudar.”
“Sua ajuda foi fundamental, minha senhora. Ele teria perdido o uso do braço se não tivéssemos neutralizado o veneno a tempo. Com o mago Ruth fora do castelo, foi uma bênção divina para este rapaz que você tinha conhecimento de tal magia.”
Gabel franziu a testa de repente e lançou um olhar furioso para o jovem cavaleiro que estava fervendo o chá.
“Você deveria ter procurado um curandeiro em vez de voltar para o castelo imediatamente.”
O jovem cavaleiro, pingando de suor enquanto mexia a chaleira, parecia aflito ao retrucar: “Entramos em Anatol pela porta oeste, então achamos melhor ir direto para o castelo em vez de seguir o longo caminho até o vilarejo. Na verdade, foi esse patife aqui quem insistiu que voltássemos imediatamente. Aposto que nem ele sabia que estava tão gravemente envenenado. Mas, mais importante ainda, não queríamos perder tempo em entregar as últimas notícias ao senhor.”
“As últimas notícias?”, disse Gabel.
O jovem cavaleiro parecia ponderar cuidadosamente antes de falar.
“Tenho certeza de que vocês dois estão cientes de que o senhor nos enviou para Livadon para reunir informações. Passamos o último inverno lá investigando a migração dos monstros.”
“E vocês conseguiram descobrir alguma coisa?”
O jovem cavaleiro assentiu em resposta, com o rosto sombrio.
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