Capítulo 10: Sete dias Depois, O enigma do Obelisco
As runas nela ainda brilhavam fracamente, pulsando como um coração adormecido. A poeira antiga das ruínas se misturava ao brilho etéreo, como se aquele fragmento de pedra contivesse a memória de algo muito maior.
K’tharr, imóvel diante da pedra, estudava as marcas deixadas pelo tempo e pelo poder que ali residia. Talvez porque sentisse que a resposta ainda não estava madura, ou talvez porque compreendesse que algumas perguntas precisam se desenrolar por si mesmas.
Lacefull, sentado próximo, mantinha o olhar fixo no símbolo central da pedra, onde um desenho espiralado parecia se dobrar sobre si mesmo.
— O que essas runas querem dizer? — Ele quebrou o silêncio.
K’tharr não desviou os olhos da pedra.
— A pergunta não é essa.
Lacefull franziu as sobrancelhas.
— Então qual é?
— O que você quer das runas? — Ele falou, sem erguer o olhar.
O silêncio voltou a se espalhar entre eles.
K’tharr sorriu levemente.
— Elas são um espelho. E espelhos não exigem nada, apenas refletem o que se coloca diante deles.
Nero observou as formas arcanas desenhadas na pedra. Durante alguns segundos, ele ouviu os sussurros ecoando em sua mente. Palavras fragmentadas.
— E se eu não gostar do que vejo? — indagou Lacefull.
— Então você deve se perguntar: o espelho distorce, ou é você que teme enxergar?
O vento soprou entre as ruínas, carregando consigo um murmúrio distante. As runas brilharam mais forte.
K’tharr finalmente tocou a pedra, e com isso, eco das respostas começou.
O tempo no Império Filophus não se movia como nos outros lugares. O céu era uma tapeçaria de tons roxos e dourados, sempre presos entre o dia e a noite, como se o próprio conceito de passagem fosse uma ilusão. As ruínas ainda se estendiam ao redor, mas algo nelas parecia diferente a cada olhar.
Ele se sentava sobre uma pedra quebrada, os braços cruzados, encarando o vazio. Desde sua chegada, os sussurros das runas nunca haviam cessado. Eles se infiltravam em seus pensamentos como raízes.
K’tharr permanecia próximo, seu corpo esguio parecendo um fragmento do próprio ambiente. Ele raramente falava, mas quando o fazia, suas palavras se entrelaçavam como enigmas.
— Você ainda não respondeu minha pergunta — falou Lacefull, sem levantar os olhos, entediado.
Nero permaneceu em silêncio.
K’tharr inclinou a cabeça.
— A resposta não virá se você não ousar formulá-la.
Nero inspirou profundamente, sentindo o ar carregado de uma umidade ancestral. “O que as runas querem de mim?”, pensou em sua mente.
K’tharr sorriu levemente.
— Essa sombra parece muito animada com o que as runas querem nos dizer.
Lacefull riu baixinho.
— Você já percebeu que todo o caminho até aqui foi baseado em perguntas? O que você acha que isso significa?
K’tharr o encarou:
— Que não existem respostas fáceis.
— Errado! — Lacefull interviu. — Significa que você ainda não decidiu que tipo de resposta aceita como verdade.
O silêncio pairou no ar.
As runas, ainda brilhando fracamente nas paredes das ruínas. Uma espécie de linguagem simbólica sobressai sobre a meia lua.
Lacefull sorriu de canto.
— E se enganar nunca foi seu estilo, não é?
Nero olhou para ele, e pela primeira vez em sete dias, sentiu que estava um passo mais próximo de algo. Uma resposta, um enigma surgiu em meio a mente da sombra que se manteve focada na discussão do Coelho e do Filósofo de manta negra.
K’tharr se manteve pensativo, com as mãos ainda sobre as runas. — É, de fato, se enganar é o pior pecado que temos sobre a nossa alma.
Lacefulll sorriu de canto, despertando uma curiosidade sobre a criatura. — Por quê está sorrindo, falei algo engraçado?.
— Irônico, eu diria. Que resposta terei sem eu saber se eu estou enganado? Isso é um enigma para eu conseguir saber a resposta final?
K’Tharr tirou a mão sobre a estrutura, e todas as runas pararam de brilhar no mesmo momento. — Aaaaf — suspirou o filósofo.
— Eu poderia fazer um jogo de respostas o dia inteiro com você. Mas, você tem os argumentos na ponta de sua língua, coelho.
Lacefull se sentiu maravilhado, seu ego subiu um pouco, — Eu sei, eu sou demais, não é? — debochou.
— Ademais — continuou K’Tharr, lamento a minha entrada meio enigmática. Eu sou um dos sobreviventes deste resto de Império. O Império dos Filósofos.
Nero, feliz, sorriu e estendeu sua mão para cumprimentá-lo. — Oh, muito prazer sombra, gratificante sua felicidade.
— Você pode me dizer o quê temos de importante aqui? — indagou Lacefull
— Hum, importante?— perguntou K’Tharr. — De importante não tem nada além da incrível e infinita biblioteca de Sanfão.
— Já é alguma coisa.
As ruínas daquele local eram completamente caóticas, porém, existia um toque de genialidade em cada pico destruído daquele império. As Torres antes feitas de mármore com uma esbelta arte de guerreiros, se transformou outrora em algo abstrato.
As estradas se conectavam em um símbolo de um oito virado na horizontal, simbolizando o infinito. A Biblioteca de Sanfão ficava no centro daquele oito, preservada pelo tempo.
A Biblioteca de Sanfão é uma imensa estrutura subterrânea esculpida na rocha negra, com colunas ciclópicas sustentando abóbadas altas onde a escuridão se mistura com a luz espectral de globos flutuantes.
Seus corredores labirínticos se entrelaçam em múltiplos níveis, conectados por pontes de pedra e escadarias em espirais, enquanto prateleiras colossais formam espirais ascendentes repletas de tomos antigos e pergaminhos selados. O ar é denso com o cheiro de papel envelhecido e magia adormecida.
K’Tharr continuou guiando Nero e Lacefull, cada espaço e cada cômoda daquela imensa extensão do Império pareciam como um labirinto. — Esse lugar é estranhamente confortável — falou Lacefull.
Os corredores se interligavam de um ponto a outro como uma ponte, dentro daquele local se perdia a noção da realidade, pois qualquer corredor levava sempre ao mesmo ponto de saída.
— Essa biblioteca armazena os maiores conhecimentos de Runas, ou magias como quiserem chamar. Infelizmente uma guerra civil aconteceu inesperadamente, a troco de ideias entre dois dos maiores filósofos do Império: Sanfão e Veskar, dois irmãos.
Ele continuou explicando:
— Eles tinham o ápice do conhecimento do mundo Metafísico, com base nisto criaram diversos pergaminhos e livros sobre magia e Runas e assim criaram essa biblioteca infinita. Mas, o irmão de Sanfão foi egoísta, e começou a estudar as magia das Runas da imortalidade sozinho.
— E ele conseguiu adquirir a imortalidade? — perguntou Lacefull.
— Bom, no meio de todo aquele problema familiar, os irmãos se afastaram e criaram dois lados. Veskar prometeu poder a todos que o seguissem, e Sanfão não prometeu nada além de conhecimento. Com essas indiferenças, uma grande guerra aconteceu.
K’Tharr suspirou, apontando o dedo para o que parecia ser uma estátua de ouro esculpida pelos maiores artistas daquele lugar. Seu corpo era atlético, exceto por seu rosto, que tinha o formato do Sol.
O Coelho curioso perguntou. — Nós não vimos esta estátua há pelo menos quatro corredores atrás? — analisou os cantos e as paredes da biblioteca.
Nero também assentiu, e se aproximou da estátua, analisando seus detalhes. — Oh, essa é a estátua de Sanfão, o ideal do sol. É como chamam essa escultura um tanto… peculiar — respondeu K’Tharr.
— Ótimo saber da história, mas nós não passamos por ela umas quatro vezes? Estamos andando em círculo.
Nero assustado, caminhou para o lado oposto, — O Quê você tá fazendo? — perguntou Lacefull.
Nero chegou ao outro lado do corredor, sob a grade que protegia da enorme altura que os protegiam da queda. Ele percebeu uma coisa, o andar debaixo refletia o andar de cima, e vice-versa.
Nero acenou para os outros dois, apontando para eles verem o que estava acontecendo naquele lugar. Porém, uma voz chamou sua atenção:
— Escutem, almas perdidas! — Em um tom enigmático, a luz sobre o rosto da estátua brilhou forte, iluminando ainda mais o corredor.
— O quê, o quê é isso? — indagou Lacefull assustado, se afastando.
K’Tharr se manteve imóvel, debaixo da manta que cobria seu rosto foi possível ouvir um leve riso. Nero sacou sua espada e em estado de alerta subiu a lâmina sobre atrás do seu pescoço.
— Vocês vieram até a minha biblioteca. Sejam bem-vindos ao meu armazém de conhecimento, a Biblioteca infinita. Foi um ato de genialidade K’Tharr trazerem vocês até aqui, mas uma petulância por serem dois seres tão folgados — falou a estátua.
— Com- — Silêncio! — interviu a estátua, — eu ainda não terminei de falar.
O coelho, frustrado e irritado,se sentou no chão do corredor. Nero ainda estava na defensiva, cuidando para qualquer ataque surpresa.
— Vocês poderão usufruir do que ainda resta desta biblioteca, mas, irão fazer isso apenas se responderem uma pergunta. Caso não acertarem, um espaço da biblioteca irá se apagar, até sobrar apenas vocês em um completo breu, sem qualquer chance de viver.
— Um enigma, eu esperava que fosse algo mais difícil ou perigoso — debochou Lacefull.
— Vocês realmente não conhecem nada sobre Sanfão. Em toda a vida dele, ninguém conseguiu decifrar suas perguntas — falou K’Tharr.
— Bom, quem sabe hoje a gente quebre esse ciclo? — respondeu Lacefull, aquecendo seus ombros.
— Estão preparados? — perguntou a estátua. — Manda ver, Sanfão.
— Ótimo, então… qual o elemento da vida em que percorre o presente, porém, não volta para trás? — A pergunta se estendeu até Nero, que estava com uma mão sobre a orelha para poder ouvir melhor.
Lacefull com uma mão sobre o queixo, e um senso de convicção muito grande, respondeu:
— Eu já sei, é o trem.
ZUUUMMPP
Um pedaço do corredor foi apagado no mesmo instante em que a resposta foi dada. — Errado, coelhinho.
K’Tharr riu e falou:
— Vocês deveriam levar mais a sério, se não, vão morrer pelas próprias escolhas.
— Acho que estou deixando muito fácil pra vocês, ao contrário de muitos que morreram ao responder uma pergunta, para vocês eu abrirei uma exceção. Como faz tempo que não recebo visitantes, irei dar a vocês uma hora, e cada segundo que passa um pequeno pedaço se apagará. O quê me dizem?
Nero se aproximou ao lado de Lacefull E tocou em sua cabeça entre as orelhas. Ele estava sedento por aquele desafio, e mostrava força de vontade em desvendá-lo.
— Realmente é uma situação perigosa. Se sobrevivermos, temos história para contar para os nossos netos.
— Então, comecem a correr…
O jogo começou. K’Tharr desapareceu como uma névoa púrpura. Restavam apenas Nero e Lacefull como companhia para a estátua. — Não me decepcionem.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.