Capítulo 9: Sete Dias Depois, Parte 1
A Chuva caia suavemente sobre a vasta extensão das ruínas do Império Delta. Os vagalumes seguiam transmitindo energia para as tubulações. O ar era denso e muito forte.
Zero estava parado diante se sua janela colossal, seu olhar era frio, calculista e sério. Os soldados hesitavam em conversar com ele.
— Ele tá bem diferente depois da morte do R’Angel, não parece? — cochichou um dos guardas que estavam presentes.
Todos os guardas estavam vestidos igualmente de ternos pretos, de luto. — Ele parecia gostar muito dele — murmurou um dos outros guardas.
Zero fechou os olhos por um momento, e respirou fundo, Uuuuuffff, e abriu os olhos novamente. — Bom, o clima de luto terminou, podem vestir seus uniformes normalmente. Avisem os outros sobre isso.
Um dos guardas deu um passo a frente, — S-senhor, se me permite dizer, sei que pode parecer idiotice, mas você não deseja mesmo que nossa frota esteja ativa na caça daquele ser negro? — perguntou.
— Hum, vocês, por quê? Eu já enviei um aviso para os líderes para questionarmos nossa próxima ação. Não preciso de vocês, se concentrem em botar a ordem naqueles insetos bioluminescentes.
Seu olhar frio se virou para o soldado, que nervoso, voltou à sua posição em que estava.
— Certo… me desculpe pelo meu alarde — desculpou.
Os guardas então, saíram em marcha deixando Zero sozinho naquele salão escuro. Sua face se contornou por linhas mais agressivas, ele cerrou seus dentes e franziu suas sobrancelhas.
“Merda, como é que aquele inútil conseguiu perder para um garoto magrelo? Eu não acredito que o meu melhor soldado se foi tão fácil assim. R’Angel seu palerma, seu erro é subestimar demais seus rivais”, pensou irritado enquanto socou a sua janela que no mesmo instante trincou.
O ponteiro do relógio em sua sala continuava rodando, faltavam quinze minutos para a reunião do Conselho Delta, e toda a população androide do Império estava tensa com esta notícia. Tic, Tac, Tic, Tac fazia o relógio.
A cabeça meia orgânica e meio robótica de Zero estava quente, dolorida e muitas coisas se passavam em sua cabeça naquele momento. Ele retirou a mão suja de sangue da janela e a limpou em seu casaco.
— Pare de pensar demais, Zero seu idiota. Pessoas fracas morrem, e os que não morrem, é porque são dignos da flor da vida — falou para si mesmo para se confortar.
Quinze minutos se passou, e Zero caminhava pelos corredores cheio de engrenagens de cobre girando incansavelmente, escoltado pelos seus guardas, enquanto arrumava seu cabelo para aquela reunião importante.
Se aproximando da porta metálica que tinha como escultura um enorme guerreiro segurando uma lança em sua mão revestido por uma armadura. Um dos guardas ordenou que abrissem a porta.
Foram necessários dois guardas para puxar aquele colosso extravagante. O portão se abriu lentamente, e lá dentro se revelou uma sala imensa, da cor azulada e mecanizada com pilares em espirais que sustentavam o teto. Ao centro do salão, uma mesa negra.
Em volta daquela mesa tecnológica, se percebeu seis figuras sentadas. Zero finalmente entrou naquela sala, e ordenou para que fechasse o portão imediatamente. Os soldados, então, assim fizeram.
— Desculpem o atraso, estava resolvendo um problema pessoal — falou Zero, sentando sobre a cadeira, ao fim da mesa.
A sua direita estava Veskar, um arquivista de conhecimentos raros sobre o subterrâneo, sua aparência esquelética e corcunda vestida com um manto negro. Seus dedos tamborilavam na mesa de tédio.
— Podemos ser mais pontuais na próxima vez, não acha? — indagou ele.
Seus olhos negros possuiam um pontinho vermelho, que causava estranheza e muita das vezes, desconforto.
A esquerda de Zero estava Lady Mirante, uma mulher de corpo metálico e olhos dourados, a mulher mais linda do Império considerada por Zero. Existiu uma lenda que, mulheres se suicidavam ao ver tamanha beleza presente em frente delas, sendo indignas de até viver no mesmo mundo que ela.
— Por que tanta pressa, Veskar? Ainda ocupado lendo mais um dos seus livros mirabolantes? — debochou, tampando seu sorriso.
Veskar olhou para ela, decepcionado. — Vocês, mulheres. Possuem tamanha beleza, mas também tamanha burrice.
Lady ficou envergonhada com a resposta e corada escondeu seu rosto. — Desculpe… não quis ofendê-lo.
Uma figura no fim do outro lado da mesa se meteu na conversa, — Acho que vocês precisam estudar mais sobre: pensar antes de falar… hehe — debochou.
A figura era Dr. Ekron, um anão de barba branca, com orelhas tão grandes quanto sua cabeça, usando um óculos para esconder a falta de seus dois olhos. Ele estava vestido com seu jaleco que era bem maior que ele.
Ao seu lado, Melephis, o famigerado Tece-sombras. Uma figura até então sem forma física, apenas uma nuvem escura envolto de um terno elegante para poder ser visualizado. Sua voz era como sussurros, ele não era de falar muito.
— Vocês são tão imaturos — exclamou ele.
A frente de Melephis, estava “O juiz”, um guerreiro gigante, que usava uma armadura que cobria seu corpo inteiro, sem deixar uma parte aparente a não ser seus olhos azuis que brilhavam como diamantes. Ele apenas bateu com a mão sobre a mesa, respirando agressivamente. Ele também não falava muito.
Ao lado dele, por último, Kyogre, uma barata humanoide magra e esguia, vestido por uma armadura leve, com uma capa branca sobre seus ombros, ele possuía uma máscara vermelha oriental em seu rosto, possuindo também uma espada em sua cintura.
Aquela era a reunião dos Sete Líderes, um momento para se decidir o que seria feito com a sombra que eliminou R’Angel.
— Quanto ruído em uma só mesa — falou Kyogre, cruzando seus braços.
— Que tal calarem a boca e ouvirem o quê Zero tem a nos dizer? — falou Dr. Ekron.
Todos olharam para Zero, que estava esperando a sua vez de falar, em meio a tanta bagunça. — Vocês são bem tagarelas, sabiam? — reclamou Zero.
— Bom, vamos logo ao que interessa.
Zero então deslizou o dedo sobre a mesa, e nela apareceu um holograma 3D do Império. Todos ficaram impressionados com tamanha tecnologia.
— Desde que eu vivo aqui, nunca percebi o quanto o seu Império evoluiu tecnologicamente, Zero — falou Veskar.
O holograma possuia a coloração da temperatura ambiente, possuindo cores vibrantes como azul, vermelho e branco.
— Realmente, bem impressionante — admirou Kyogre.
Zero se sentiu inspirado e nisso abriu um sorriso de canto do seu rosto, — Deixem os elogios para outra hora. Eu ordenei que criassem um mapa em tempo real para localizar futuros ataques e desenvolver estratégias.
— E com quem iremos guerrear desta vez? — perguntou Lady.
Zero suspirou, — Contra o exército de um homem só.
Todos do ambiente ficaram perplexos. Melephis foi um dos que indagou o líder sobre isso:
— Esse “ser”, foi o quê matou R’Angel? Se for, realmente a preocupação é plausível.
— Eu entendo as curiosidades de vocês, sei que posso estar superestimando essa coisa. Mas, acredito que esse seja o melhor título até o momento.
— Nossa, Sr. Zero, pelo visto até o senhor está com medo, não é? — debochou Lady, segurando sua risada.
Zero a encarou por um instante, seu olhar vermelho ficou mais forte, sendo possível ouvir o som de queimado em suas retinas robóticas. Ela logo fechou seu rosto e olhou para baixo, envergonhada.
— Continuando, eu consegui ter acesso a localização em tempo real de onde esse ser está. E pelo visto, Veskar, ele está a caminho das Ruínas dos Império Filophus.
Veskar, ao ouvir essa informação, estreitou os olhos, e se inclinou levemente para frente. O nome Filophus pareceu despertar algo nele — talvez desdém, talvez uma lembrança incômoda. Ele respirou fundo, cruzou os braços, e respondeu com um tom de ironia:
— Então é para lá que ele segue… O Império dos Filósofos. Um túmulo de ideias fracassadas e doutrinas que nunca sustentaram uma lâmina sequer em suas mãos… Tsc.
Ele deixou escapar um riso seco, quase desprezando o destino do alvo. Mas, após um breve silêncio, sua expressão ficou mais séria.
— Isso pode ser um problema. Mesmo em ruínas, aquele lugar ainda guarda segredos e conhecimentos perigosos. Se ele encontrar algo útil… pode ser perigoso.
Veskar olhou diretamente para Zero, esperando sua reação, antes de concluir em um tom mais grave:
— Iremos agir o quanto antes. A Biblioteca do Sanfão ainda se mantém presente mesmo em ruínas, se ele descobrir e conseguir traduzir os livros, ele com certeza irá trazer caos ao subterrâneo.
— Hum… — murmurou Zero.
O silêncio se arrastou pela câmara após a troca ríspida entre Veskar e Zero. O ambiente pesado se tornou ainda mais sufocante.
Lady Amarante, que até então se manteve ecostada contra o encosto de sua cadeira ornamentada, tamborilou os dedos enluvados sobre a mesa de obsidiana. Seu olhar dourado passou pelas figuras antes de se fixar em Zero com um misto de tédio e leve desinteresse.
— Então… finalmente estamos nos movendo? — indagou com uma voz aveludada que ressoou como o vento, — Eu já estava começando a pensar que essa reunião seria apenas mais um desfile de quem possui o ego maior.
— Se fosse assim, você seria a campeã — debochou Kyogre, com um sorriso no canto do rosto.
O Juiz, sentado ao lado dela, soltou um resmungo grave e entrelaçou os dedos diante do rosto. Sua armadura escura brilhava sob a luz azulada dos cristais incandescentes espalhados pelo salão.
— Movimentos precipitados podem nos custar caro. Se esse ser está se dirigindo às ruínas, talvez devêssemos considerar que ele pode não estar sozinho. Há mais forças em jogo.
Dr. Ekron, que até então analisava os dados projetados em sua tela holográfica pessoal, bufou e afastou o visor com um gesto brusco.
— Típico. Sempre com essa prudência exagerada. O tempo que passamos discutindo poderia ter sido usado para dissecar esse maldito e entender o quê é para ser feito. Mas, estamos entrando em um consenso de quem irá enfrentá-lo.
Melephis, o Tece-Sombras, riu baixinho, um som fino e quase imperceptível, vindo de algum ponto do salão.
— Enfrentá-lo?— sua voz era um sussurro envolto em ironia. — Você assume que teremos o luxo de capturá-lo vivo, doutor.
O olhar de Ekron cintilou com uma fagulha de impaciência.
— Sempre há um jeito.
— E sempre há risco — Melephis inclinou a cabeça. — Estamos lidando com uma variável que nem mesmo Zero compreende completamente.
Zero, até então ouvindo em silêncio, inclinou levemente para frente, apoiando os cotovelos na mesa. Seus olhos, frios, varreram a todos antes que ele falasse.
— Se estamos com medo de um único ser, então talvez o Império Delta já tenha falhado antes mesmo de agir — exclamou ele.
A sala mergulhou em um silêncio absoluto e a tensão se instalou.
Zero então se levantou, sua silhueta projetou uma sombra longa contra a parede esculpida.
— Não estamos aqui para filosofar sobre riscos. Estamos aqui para decidir quem irá interceptá-lo primeiro.
Ele se virou para Kyogre, cuja máscara branca refletia a luz espectral do ambiente.
— Kyogre. Você e sua companheira serão os primeiros caçadores.
Kyogre inclinou levemente a cabeça, um gesto quase reverente.
— Como desejar, Imperador Zero.
O barulho seco da cauda de Luwang contra o chão ecoou pela câmara, como se a criatura compreendesse a ordem dada ao seu mestre.
Zero voltou seu olhar para os demais.
— Esta reunião não é um conselho, é um decreto! O jogo começou, e agora, nós vamos mover as peças.
O brilho intenso nos olhos de Veskar sugeriu que ele ainda não estava satisfeito, mas não se atreveu a contestar. Lady Amarante esboçou um sorriso enigmático, enquanto Melephis apenas se dissolveu mais uma vez nas sombras.
O Juiz soltou um suspiro pesado.
— Que assim seja.
E com isso, o Império Delta selou seu próximo passo.
O vento carregava o cheiro de pergaminhos em decomposição e pedra úmida. As ruínas do Império Filophus eram vastas, antigas, e agora, silenciosas. Colunas de mármore rachado se erguiam como carcaças de um passado perdido, e símbolos esculpidos em pedra.
No centro desse cenário esquecido, Nero caminhava. Suas pegadas ecoavam no solo de mosaicos quebrados, e sua presença parecia contrastar com a serenidade fantasmagórica do lugar. Ele parou diante de uma estrutura semicircular, semelhante a um fórum, onde uma grande estátua caída retratava um homem de toga segurando um livro. A inscrição na base estava parcialmente legível:
“A Sabedoria não se curva à Força, mas a Força sempre teme a Sabedoria.”
Nero inclinou levemente a cabeça ao ler as palavras, mas não demonstrou nenhuma emoção. Ele simplesmente continuou andando, seus olhos analisando cada fragmento do império caído.
Em meio à neblina que serpenteava pelo chão de pedra, Lacefull apareceu, emergindo como uma sombra elegante entre os escombros. Seu terno estava impecável como sempre, mesmo nesse ambiente desolado.
— Interessante escolha de destino, Nero — murmurou o coelho, seus olhos brilhando com uma astúcia. — As ruínas dos Filósofos … um túmulo de mentes brilhantes e ideias que um dia estremeceram o mundo. Triste saber que Acolyn decidiu ficar pelo seu Império ao invés de visitar esse mar de história.
Nero virou a cabeça para encará-lo, mas não respondeu. Apenas continuou caminhando, o que fez Lacefull soltar um pequeno riso.
— Como sempre, um homem de poucas palavras… — falou o coelho, teletransportando-se para uma pilastra quebrada à frente de Nero. — Mas me diga, você realmente acredita que encontrará algo aqui? Ou está apenas seguindo instintos?
O silêncio de Nero foi sua única resposta, mas algo na postura dele fez Lacefull arquear as sobrancelhas.
— Ah… então é isso. Você sente que há algo aqui. Interessante…
O vento se intensificou por um momento, e um som sutil veio do subterrâneo. Mas, Nero sentiu e seus olhos brilharam levemente, como se reconhecessem algo oculto sob os escombros.
Lacefull notou a mudança e estreitou os olhos.
— Ora, ora… parece que este lugar ainda guarda segredos.
Antes que qualquer um deles pudesse continuar, um som abrupto os interrompeu. Um rangido metálico, seguido por um brilho fraco de bioluminescência emergindo das sombras das colunas caídas.
Nero parou. Lacefull se virou levemente, e estalou os dedos.
Algo estava vindo. Algo que pertencia às ruínas, ou que havia sido acordado por sua presença. — Um brilho roxo? — perguntou Lacefull.
O brilho púrpura pulsou diante deles, e tingiu as ruínas com uma luz fantasmagórica. O ar vibrou com um sussurro quase inaudível. Nero parou, os olhos fixos no símbolo que cintilava sobre a parede desgastada. As runas estavam vivas, movendo-se lentamente.
— O que significa isso? — murmurou algo que estava sob o brilho.
Antes que pudessem especular, um som rasgou o silêncio, eram passos arrastados, seguidos por um tilintar metálico, como correntes se movendo.
Das sombras, surgiu uma figura encurvada, envolta em um manto desfiado. Seu rosto estava oculto por uma máscara de osso rachada, e seu único olho visível brilhava pela cor dourada. Suas mãos ossudas tremiam levemente, enquanto apontava o dedo para Nero e Lacefull.
— A luz púrpura chama aqueles que restaram. E vocês… são os últimos a ouvi-la. — Sua voz era profunda, e ecoava.
Nero se manteu imóvel, mas sua postura indicava alerta. O estranho inclinou a cabeça, e observou com uma curiosidade insana.
— Quem é você? — perguntou Lacefull.
— Eu sou K’Tharr… o Último Oráculo. Aquele que leu as runas quando ainda tinham voz. Agora… resta apenas o eco do que foi. — Ele se aproximou lentamente, suas vestes roçando o chão de pedra. — Vocês caminham sobre uma ferida aberta. A luz púrpura não ilumina… ela devora.
O brilho ao redor das runas pareceu vibrar com suas palavras. Um vento frio percorreu as ruínas.
— Se devora… então por que ainda está aqui? — perguntou Lacefull, sua voz carregando uma nota de desconfiança.
K’Tharr riu, um som rouco e seco.
— Porque sou aquele que ficou para perguntar: vocês são parte da cura… ou da ruína?
O silêncio se criou. A luz púrpura pulsava, e as runas pareciam se mover ainda mais rápido. K’Tharr ergueu uma das mãos esqueléticas e traçou um símbolo no ar e, no mesmo instante, as runas responderam, rearranjando-se em padrões que ninguém ali conseguia compreender.
— O caminho não é visto pelos olhos… mas pela dúvida. Se vieram até aqui, então têm perguntas. Se tiverem coragem, posso lhes dar respostas. Mas… cuidado. Algumas perguntas nunca deveriam ser feitas.
Ele se virou, começando a caminhar rumo a um arco de pedra em forma de meia lua que estava com runas brilhantes.
— Sigam-me… ou virem as costas para o que nunca deveriam ter visto.
E então, o silêncio voltou, exceto pelo pulsar incessante da luz púrpura que estava se apagando aos poucos.
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.