Capítulo 104: No lugar onde Judas perdeu as botas
Envolvidos em um breu que se estendia por aquelas quatro paredes, a frontal contendo frestas que levavam a um horizonte de escuridão vindo da parede afora, que fazia parte do corredor, Frida e Sond estavam lado a lado enquanto agarravam os joelhos com as cabeças encurvadas, contemplando aquele chão empoeirado que havia manchado parte de suas vestes.
— Ah, que saco! Eu odeio escuridão! — disse Frida enquanto se levantava para ir segurar aquela grade, que outrora havia tentado socar na companhia de Sond, mas sem sucesso. Naquele momento, ela pensava o quão ser magrinha semelhante a um palito à beneficiária, mas a medida havia sido pensada para que qualquer que fosse humano não passasse.
Enquanto Frida contorcia seus traços de irritação, Sond ainda se sentindo desgastado, emitiu uma melodia que a acalmou e a fez sentar, mas uma súbita tosse veio em seguida, o abrigando a selar os lábios. O ar daquele lugar não era dos melhores.
— Não se esforce.
Sond meneou a cabeça positivamente.
No entanto, logo depois, seus olhos foram direcionados ao cume rochoso do teto, onde purpurinas começaram a brilhar, ganhando uma intensidade que incendiou aquele lugar, e então um corpo volumoso tomou forma, contendo uma mulher no topo de sua cabeça.
— Ah, não…
Qualquer esforço que fizessem para conter aquela criatura que vinha sobre suas cabeças seria comparado a de uma formiga. Frida contorceu seus traços em uma expressão de pavor enquanto Sond tentava inutilmente entoar uma melodia dançante para onde não havia espaço.
Ao se aperceber de que iria esmagar os seus companheiros, Theresa gritou para que o Golem se transformasse em miniatura no último instante, fazendo com que ambos pousassem no chão sem gerar nenhum estrondo, já que agora quem o segurava era Theresa após tombar de traseiro e levantar leve poeira.
— Theresa… — murmurou Frida.
— Então, é para aqui que vão aqueles que desistem, bem como imaginei… — Theresa rodeou os seus olhos por aquele compartimento, que gritava a um vazio ausente de cores vivas.
— Para você estar aqui, isso significa que você perdeu… Oceano e os outros, como estão? Como é a sexta prova?
Agora, Frida mostrava uma expressão preocupada enquanto confrontava seus olhos curiosos nela.
Sond acabou balançando a cabeça afirmativamente, revelando interesse em seu único olho que não havia se tampado por sua montanha de cabelo.
— Sinceramente, não sei como eles estão…
— Como assim? Em que circunstâncias você perdeu?
— A sexta prova é uma aberração… — Theresa estreitou os olhos em uma expressão de severidade e espanto diante das lembranças do último ataque executado pelos Golems. — Sendo sincera, não sei se tem como vencermos. Se houver chance de vitória, só o Oceano poderá passar a sétima prova.
Ao ouvir isso, Frida ficou mais tensa enquanto esperava mais revelação por parte de Theresa que parecia estar fazendo um grande suspense.
— Portais…
— O quê?
— A sexta prova é um mar de portais, que levam a diferentes dimensões.
— O quê?! Me explica melhor isso… Como isso é possível?
— É… Igual à antiga dimensão?
Emitiu Sond, atraindo o olhar de Theresa, que balançou a cabeça negativamente.
— São portais como aqueles que aparecem quando vencemos uma batalha e o terrível disso tudo é que eles só aceitam apenas a entrada de uma pessoa.
— Não pode ser… — disse Frida, descrente. — Então isso quer dizer que, diferente das demais dimensões, nessa cada um vai ter que se virar sozinho?
Theresa afirmou com a cabeça.
— Mas qual é a lógica disso? Como sair de uma dimensão como essa?
— Ao que parece, segundo o rei dos bandidos, dentre todos os portais há um que leva à prova que finaliza a sexta prova.
— Isso significa que só uma pessoa pode passar…
— Pois é, quem tiver a sorte de pegar o portal correto dentre os milhares.
— Milhares? As chances de alguém passar são muito baixas… O que o rei dos bandidos pretende?
— E você, como veio parar aqui? — questionou Sond.
— Eu estava em uma dimensão onde estavam muitos Golems como Gaia, então já devem imaginar o que aconteceu…
— Além disso, o nível é altíssimo. Mas vocês já tentaram explorar o lugar sem nem entrar nos portais para ver qual é a real extensão dele?
Theresa negou com a cabeça.
— Nem pensamos nisso, mas ao que parece, se você fica um bom tempo sem entrar, eles ficam vermelhos e te sugam para o interior.
— Isso é um problema… — Impôs um dos dedos no queixo enquanto mantinha contato visual. — Pode significar que um dos portais esteja por perto, talvez tenha um padrão diferente dos demais e por isso ele não queira que vocês procurem.
— Pode ser. Mas um dado importante é que no início pensamos se tratar de uma masmorra, porque a estrutura é de uma caverna. Tinha até pedras de manas fixadas na parede.
— Masmorra, é? Me conta, vocês partiram do exterior? Se sim, como é.
— Ah, sim… Tem a aparência de uma criatura estranha… Talvez você, como uma aventureira, pudesse identificar.
— Não é padrão, mas às vezes as cavernas têm algumas características que lembram o Boss ou muito provavelmente as criaturas que irão encontrar lá… Então, se for isso, talvez o Boss na masmorra possa ser essa criatura escondida em um dos portais.
— Como nenhum dos aventureiros mencionou isso, então nem me importei… Mas, por mais que faça sentido, como irão achar esse boss em meio a tantos portais?
— Pois, é… — Frida franziu as sobrancelhas enquanto cerrava um dos punhos. — Se essa é a penúltima prova, será mesmo que eles conseguiram completar a sétima e última prova?
Depois que disse isso, todos levantaram os olhos para mais purpurinas que apareciam no teto, ganhando formato de um humano muito familiar, que começou a lançar gritos quando viu em que situação se encontrava. Sond se levantou para o segurar, amparando assim sua queda que poderia resultar em alguns ossos quebrados.
— Caramba, essa foi por pouco… — Assobiou enquanto era deixado em pé pelo Sond que deu um leve sorriso enquanto voltava para sentar contra a parede.
— Bem que só podia ser você… — Frida semicerrou os olhos.
— Como assim? Vocês estavam à minha espera? — Jarves deu um sorriso travesso enquanto afunilava os olhos. — Saudades?
— Vai se catar. Eu lá sou pessoa de sentir saudades suas, seu verme?!
— Aí, aí, aí… — Ele deu um sorriso enquanto coçava sua cabeça, rodeando seus olhos por aquele cômodo. — Então, essa é tal prisão? É como eu imaginei… Combina com o rei dos bandidos escolher isso aqui. — Dirigiu-se as paredes, passando as mãos até chegar às grades do abismo, onde tentou atravessar inutilmente, mas depois deu um grito que fez eco.
— Alguém aí?!
— Burro, não vê que você não atravessa aí? Francamente, não tem noção da sua própria massa?
Sond acabou formando um sorriso por saber que Frida havia tentado isso não fazia muito tempo.
— É mesmo, não é? Enfim! — Se sentou em pose de lótus e depois se deitou contra o chão enquanto apoiava as duas mãos contra a cabeça. — Fazer o que, não é? Agora a gente virou refém. Bora dormir! Me acordem quando isso tudo acabar.
— Aí, como você me irrita! — Franzindo o cenho, Frida se levantou e deu um chute nele, que emitia um ronco falso. — Não é hora de brincadeiras, você precisa nos contar o que aconteceu contigo!
— Eu desisti.
— Não é isso que a gente quer saber.
— Ah, sobre isso… — Jarves se pôs sentado e colocou o dedo contra os lábios. — É segredinho.
— Aí, alguém me segura porque eu vou matar ele!
Jarves começou a rir. Theresa puxou sua orelha logo em seguida.
— Chega de brincar com ela, agora desembucha.
— Claro.
Jarves fez um rosto tão severo que deixou Frida impressionada.
— Como você pode obedecê-la? — Deu um suspiro após murmurar enquanto cruzava os braços.
— Eu acho que encontrei o portal para a sétima prova! — Jarves disse isso, mas depois estalou os dedos, se lembrando de algo. — Ah, é mesmo… Vocês dois não sabem como é a sexta prova, não é mesmo?
— Já sabemos — Frida murmurou, voltando a sentar ao pé de Sond. — Agora fala da parte mais importante.
— Espera um pouco, já, já chego aí… Agora estou um pouco curioso para saber em que dimensão a Theresa estava.
— Aí, como você pode falar algo importante e mudar de assunto logo em seguida?! Alguém me segura!
Dando um sorriso calmo, Theresa emitiu.
— Eu estava na dimensão dos Golems como o Gaia.
— Nossa! — Ele pegou o Gaia que repousava numa das mãos da Theresa, observando algumas partes ainda rachadas. — Vocês devem ter sofrido tanto, não é?
— É, mas e o Zernen? Como ele está?
— É mesmo, não é?
— Até você, Theresa?!
— Que insensível. Zernen estava machucado e foi arrastado para um portal inconsciente! Eu ainda estou preocupado, sabe?
— Tá, tá.
Ela disse isso, logo emitindo em um tom baixinho.
— Desculpa…
— Bom, eu entrei em um acordo com o rei dos bandidos em que eu lhe oferecia… A minha magia.
— Por que travou por um instante? — perguntou Frida, semicerrando os olhos.
— Tem algo que está escondendo?
— Não, não. Ele acabou aceitando em troca do meu corpo e Fred acabou indo para o portal onde estava o Zernen.
— Ah, menos mal… — disse Theresa e Frida concordou com a cabeça.
— Agora…
Quando estava prestes a terminar suas palavras, Sond levantou a mão.
— Agora que você falou nisso, tem algo que não sai da minha cabeça, Jarves…
— E o que seria?
— Sua magia… Ela é de visualização de tempo ou de futuro? Segundo os dados que recebemos, você visualiza o futuro e, quando você argumentou sobre o Sr. Alecrim, ele disse que você possuía magia de visualizar o tempo. Por que ele disse isso?
Jarves recebeu aquelas palavras como uma estaca no peito, Sond estava falando mais do que deveria.
— Espera aí, isso aconteceu no tempo em que estávamos desacordadas, né? — disse Frida, recebendo a confirmação de cabeça do Sond.
— É, você está certo, Sond… Minha magia é de visualizar o tempo. Eu posso saber do passado e do futuro das pessoas.
— O quê? Então, aquilo daquele dia, o Capitão Xavier estava certo…
— Sim, mas eu não queria revelar porque iria piorar a situação.
— Deveria ter me contado isso naquela hora… Você, por acaso, espreitou o meu passado?
— Foi como eu disse, nem eu sei sobre esse poder…
— Tudo bem. Você pode estar certo.
— Tem certeza de que não tem mais nada escondendo?
— Tem algo que eu acabei de pensar agora. Mas antes, vou contextualizar sobre o portal que conecta a sexta prova. — Todo mundo prestou a atenção. — Eu encontrei os mesmos seres que vinham no exterior da caverna dentro da dimensão em que estava e olha que eu e os demais já tínhamos passado de outras antes e ninguém falou de algo semelhante.
— Então, vocês se encontraram?
— Sim, quando você acaba uma dimensão, você é trazido de volta à caverna e, quem não acaba, o portal fica verde sinalizando que está lá dentro.
— Oh… Essa informação é muito relevante — disse Frida.
— E como era esse ser? Esse mundo? — questionou Theresa.
— Cheio de neve. Até brinquei nela. Vocês tinham que estar lá, embora o frio fosse de matar.
Se abraçou enquanto lembranças passavam por sua mente.
— Aí, ninguém quer saber disso… Conta logo como é esse ser.
— Aí, estraga prazeres. Se eu disser o nome do ser, vocês não vão conhecer, porque faz parte de um dos seres instintos pela humanidade, tal como a sereia, o monstro do mar.
— Você sabe mais do que fala. Para um mendigo… Quais livros andou lendo sobre isso?
— Isso só prova que até um mendigo tem mais conhecimento do que uma analista, não é?
— Alguém me segura!
Frida cerrou os punhos enquanto todo mundo simplesmente a observava com uma cara de paisagem, voltando seus olhos ao Jarves.
— O ser tinha asas de borboletas e orelhas pontudas, era uma fada segundo os livros. E outro era um ogro.
— Esse último nós já derrotamos em uma masmorra…
— É mesmo, não é?
— Ainda assim, não muda muita coisa. Eles terão que contar com a sorte para achar — disse Theresa.
— Não, segundo as informações, os portais ficam vermelhos quando ninguém quer entrar, verdes quando está ocupado e azuis quando estão normais, o que significa que terá algum tipo de reação caso alguém tenha descoberto o verdadeiro portal.
— Isso é verdade — disse Jarves. — E agora que você diz isso, se em todas as fases nós tínhamos como libertar uma criança, acredito que tem um jeito de todos passarmos.
— Isso! Isso!
— Não é que vocês se dão bem mesmo?
— Huphm!
Frida virou para o lado, fazendo os demais darem um leve sorriso.
— Agora, Jarves, o que era aquilo que você tinha pensado antes?
— Ah, é mesmo… O que era mesmo? — Depois de alguns segundos balançando a cabeça, desistiu por não conseguir lembrar. — Agora que tento lembrar, está me fugindo… Mas está ligado ao rei dos bandidos, eu tenho certeza. É algo muito importante.
Ao dizer isso, Jarves os deixou ainda mais curiosos.
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