Capítulo 120: Palhaçadas em meio aos problemas
Sob os domínios de uma carruagem de madeira, que percorria as ruas asfaltadas por tijolos em uma ligeira rapidez, Alecrim conduzia as rédeas do cavalo no banco exterior, com a brisa leve esvoaçante balançando seus cabelos de um lado para o outro.
Seus lábios teciam charadas ao vento, que lhe lançava sussurros como respostas. Tão vazio era, quando se lembrava do curto momento que havia passado com o então atual rei das charadas, o manipulador charlatão.
Sempre que seu rosto aparecia na sua mente, um sorriso brotava no seu rosto e o seu coração ardia intensamente por um encontro, não como o de meros mortais, mas um lendário e histórico, entre dois amantes de charadas.
E assim, munido de seu capuz, ele ficou viajando em seus devaneios.
Enquanto isso, no conforto do sofá e na sombra do teto da caravana, ao bel prazer da janela que ilustrava a paisagem numa salada floral e casas de madeira e pedra, Airina velava pelo então adormecido capitão Xavier. Sua cabeça repousava sobre suas coxas enquanto seus pés se estendiam até o fim daquela mobília.
Já o lado opositor daquele cômodo, trazia como companhia sua prima adormecida que ocupava todo o banco enquanto o senhor Alexodoro relaxava suas costas no sofá, enquanto suas pernas estavam cruzadas em pose de lótus.
Uma quietude um pouco abalada pelo ruído de fora havia se formado entre eles, haviam conversado muito pelo caminho e agora recarregavam as forças.
Depois de algumas horas, finalmente chegaram ao distrito real da capital do reino, no entanto, por razões óbvias, não poderiam mais avançar do que o princípio do distrito. Alecrim teve que estacionar em um lugar pouco acessível.
Carregando no seu ombro direito o corpo do capitão Xavier, enfaixado por um lençol, como se tratasse de um morto de guerra, Alecrim conduziu seus comparsas para o interior do castelo, seu destino primário era seu quarto onde os acolheria.
Ele tomou a rota montanhosa onde estava localizada a passagem secreta de onde charlatão manipulador e sua companhia haviam fugido com o seu golem. Suas lembranças apareciam como uma chama acesa dos calorosos momentos que marcaram a passagem por aquele subsolo.
Graças ao golem que Alecrim criou para carregar as moças foi possível escalar sem nenhuma reclamação ou canseira. Chegando lá, encontraram uma rocha selando a passagem novamente. Obra do Xavier.
— Ah, Xavier, como você me dá trabalho…
Enquanto balançava a cabeça negativamente, Alecrim tocou sua mão naquela grande rocha e a transformou em areia, deixando aquelas duas admiradas. Ao passo que, em meio ao vislumbre, acabaram sendo descarregadas com suavidade no solo que mesclava capim e superfície pedregosa.
Assim sendo, seguiram adentrando por aquela passagem cavernosa. O golem não podia mais vir com eles para infelicidade das moças. Com um estalar de dedos, Alecrim o desfez em areia para que não frustrasse sua entrada secreta com estrondos ao sensível subsolo.
Com a mão do senhor Alexodoro brilhando ao calor de uma chama, foi possível caminhar em meio ao destroço de pedras causado pela batalha dos homens mais fortes do reino de Hengracia.
Seus passos reverberaram até alcançarem as escadas que levavam a portinhola do antigo quarto do outrora rei. Um pé aqui, outro ali, em linha reta, um atrás do outro, finalmente chegaram ao topo. Alecrim, que tomava a dianteira, foi quem removeu a portinhola minuciosamente, através de um corte com uma de suas pedras afiadas.
O quarto, ainda bagunçado de relíquias e armários, cheio de teias e empoeirado, agora tinha novos visitantes. Seus olhos percorreram cada canto. Aquelas duas jamais haviam sonhado em chegar ali. Mas com isso, vinha o perigo que tal sonho concedido trazia consigo. O medo da cumplicidade com o ato que o rei poderia muito bem condenar trazia consigo.
No entanto, era tarde demais para voltar atrás… Haviam chegado ali, desfazer os passos não era uma opção. Por sua amiga e pelo bem do reino, Airina decidiu prosseguir de cabeça erguida ao lado de sua prima não tão confortável com aquela situação e daqueles dois homens com semblantes que revelavam prontidão e confiança.
Quando Alecrim semi abriu a porta, encontrou dois soldados mais à frente, que estavam comendo um pouco de pão enquanto olhavam para um lado, para outro, temerosos de que alguém pudesse encontrá-los.
Essa era uma das peripécias da vida de alguns soldados. O que ocorria era que, na verdade, haviam soldados que faltavam e outros que se atrasavam, então eles tinham que cumprir um pouco das horas dos outros. Obviamente, havia desconto salarial não importava a justificava. No entanto, isso costumava sempre pesar no estômago de muitos soldados, principalmente os que não poderiam ficar muito tempo sem comer.
Mas onde estava o problema em comer durante o serviço? Bem, isso era proibido por razões de etiqueta, nos termos do regulamento que regem um soldado. Quem fosse encontrado cometendo tal ato, concorria ao risco de ser despedido.
Um sorriso acabou saindo do rosto do palhaço ao ver tal fato. Deixando o corpo do Xavier no chão, fez um sinal de mãos para que seus cúmplices aguardassem no chão enquanto ele ia ter com aqueles soldados.
Obviamente, seria mais fácil para qualquer pessoa com os poderes que o Alecrim têm, acabar com aqueles soldados sem deixar rastro, no entanto, para aquele bobo da corte, agir desse jeito seria sem graça. Graça fazia parte da sua vida e resolver as coisas de um modo comum não fazia parte do seu estilo de vida.
— Ei, yo, eai… — Seus dedos esticaram um sorriso largo e malicioso para aqueles soldados, que jogaram o pão para trás imediatamente e sacaram as espadas para aquele homem. Uma reação esperada de homens bem preparados, porém esfomeados. Sua postura não deixava a desejar, mas seu rosto denunciava milhares de migalhas de pães.
— Quem é você?
Enquanto falavam, e mantinham a espada posicionada diante daquele encapuzado que havia saído daquela porta, aproveitavam para limpar as migalhas do seu rosto.
— É sério isso? — Ele removeu o seu capuz, revelando seu rosto um tanto quanto aterrorizante. — Pensem no seu maior pesadelo!
— Não pode ser… — Um deles caiu de joelhos, seguido do outro.
— É o senhor Alecrim…
Não era para menos, ali estava o homem que não queria saber se você estava certo ou errado, se suas justificativas eram ou não boas, o oposto do Xavier que usava a lei como base do seu julgamento. Para ele o que determinava tudo era se você acertava ou não as suas charadas, isso determinava se você estava certo ou não, se você merecia viver ou não.
Esse era o tipo de pessoa que era Alecrim, um pesadelo para os seus inimigos e amigos.
— Já sabem, não sabem?
— Por favor, charadas não!
— Tudo menos isso!
Ali estavam os homens que vivenciaram seus companheiros perdendo o emprego por conta do Alecrim.
— No, no, no, no… — Seu dedo balançava de um lado para o outro. — Charadas são vidas. Charadas são espadas, que cortam o mal e o separam do bem.
Dado que se um mau acertasse, se livraria de uma punição, essa afirmação era ilógica para pessoas normais, mas não para amantes de charadas.
Aqueles homens, com os rostos prostrados contra o brilhante pavimento de mármore que refletia suas caras tristes, continuaram lançando seus clamores para que o bobo perdoasse.
— O perdão só vem por meio de charadas.
— Ah…
Lamentaram.
— Contudo, não se preocupem, essas charadas não vêm para determinar se vocês perdem o emprego ou não, mas sim, se vocês guardarão segredo ou não.
— Como assim guardar segredo?
— Mas não é mais fácil pedir que a agente guarde segredo?
O soldado tinha razão, mas essa lógica não se aplicava a um amante de charadas.
— Vocês não entenderiam.
— Não mesmo — disseram em uníssono.
— Mas bem, se vocês acertarem as charadas, vocês podem contar tudo, mas se vocês errarem, não contarão tudo sob pena de morte.
” Não era mais fácil nos ameaçar ao invés de dar tantas voltas?”, um dos soldados pensou, olhando para o seu companheiro, que apenas balançou a cabeça negativamente como um sinal de decepção.
— Mas já agora, que segredo é esse?
— De que não viram nada, nem ouviram nada. Tudo sempre esteve como esteve, entenderam?
— Não, mas tudo bem.
— E, guardaremos esse segredo!
Eles falavam isso, mas apenas queriam se livrar daquele bobo louco de uma vez por todas. Ao passo que dentro do antigo quarto do rei, senhor Alexodoro acabou espreitando um pouco devido a demora do bobo para se livrar daqueles dois soldados. Na sua cabeça lhe vinha apenas o pensamento do quão pacífico ele era, apenas por querer resolver as coisas na base do diálogo e não em pancadaria.
— Muito bem, lá vou eu!
O que aliviava aqueles dois homens que agora se levantavam para responder às charadas do bobo era que, caso eles acertassem ou errassem as charadas, ainda continuariam vivos e com emprego.
— O que um pirata faz quando o barco afunda?
Aquela era uma pergunta deveras interessante, mas como sua resposta não afetaria em nada, eles decidiram dar uma resposta de qualquer maneira.
— Ele afoga?
— Ele grita por socorro?
Aquelas respostas deixaram Alecrim um tanto quanto irritado. Soavam como um desprezo. Seus traços se moveram de raiva e seus punhos cerraram.
— Ele nadaaaaaaa!
— Oh…
— Então era isso? Que infelicidade, nós erramos. Ah, eu queria tanto ter acertado!
Aquele drama não passou despercebido, acendeu a fúria de quem queria que suas charadas fossem valorizadas.
— Escutem aqui, seus palhaços, se vocês não acertaram as próximas charadas, eu vou cortar suas cabeças!
Seus corações foram imediatamente tomados por batidas, seus rostos empalideceram e um sorriso assombroso tomou conta do rosto do Alecrim. Agora sim, essas eram as expressões que ele gostava. Engolindo em seco, os soldados começaram a entrar em desespero, dizendo que aquela não era a condição que ele havia estabelecido.
— E quem liga? Quando eu sou quem faço as regras.
Naquele momento, eles perceberam a imponência e soberania do outrora mestre das charadas.
— Só pega leve por favor… — Eles juntaram as palmas das mãos e suplicaram com os olhos fechados.
Ao passo que, levantando o dedo indicador, enquanto sorria, Alecrim emitiu.
— Xavier saiu para caminhar quando começou a chover. Ele não tinha guarda-chuva, nem usava chapéu. Quando voltou, suas roupas estavam ensopadas, mas nenhum fio de cabelo estava molhado. Como isso é possível?
— Com licença, eu não entendi… Poderia dizer novamente?
— É, isso. — Esse coçou a cabeça. Não era que eles não haviam entendido, era que eles não sabiam a resposta e estavam usando esse tempo para tentar responder a charada, que costumava ter uma duração de tempo.
— Não vou repetir. Só tem trinta segundos.
Alecrim, o bobo, havia percebido isso.
Aqueles soldados logo começaram a se desesperar.
Tentaram pegar as características do Xavier em seu consciente imaginário, no entanto, nada lhes dizia. Afinal, como ele poderia voltar encharcado e os seus cabelos não? E a resposta que eles concluíram faltando poucos segundos era…
— Ele estava usando um lenço!
— Ele estava usando magia capilar!
— Erradoooooo!
Seus rostos entraram em pranto e desespero.
— Primeiramente, Xavier não tem magia capilar e segundo, ele não usa lenço e ainda que usasse… Evidentemente, o cabelo ainda estaria molhado.
— Nós não somos bons nisso, por favor nos perdoe!
— Isso, só o senhor é o mestre disso! Igual ao senhor não tem!
— Não… — Com uma expressão nostálgica, Alecrim ergueu os olhos ao teto alumiado por um lustre, imaginando Jarves como um ser iluminado. — Teve alguém que não só me derrotou, como me superou, um homem a qual eu pretendo alcançar… — Cerrou um dos punhos, mordendo os lábios.
— Ah, entendi. E quem seria?
— Essa é a última charada! — Ele apontou o dedo para aqueles dois que engoliram em seco, colocando imediatamente o cérebro para trabalhar. Não conseguiram pensar em mais nada, mas pelo sim, pelo não, chutaram o nome que lhes vinha à mente como sinônimo de alguém que pudesse fazer frente ao senhor Alecrim, aquele que havia enganado duas das princesas desse reino.
— É o manipulador charlatão!
— Isso, isso! É ele!
Quando ele disse isso, o bobo pressionou a mão contra o peito e disse com uma voz um tanto quanto excitada.
— Isso, vocês passaram…
Como jeito de comemorar, eles saltaram com sorrisos e bateram as palmas umas com as outras.
— Bom, vocês escaparam da morte, entretanto, vocês não contarão nada do que virão aqui, entenderam?
Sem nem piscar os olhos, eles afirmaram que sim.
Então, Alecrim pousou a mão nas suas cabeças, ambos olhando para aquela atitude com uma expressão confusa. Então viram bichinhos indo contra os seus cabelos, comendo cada fio em rápida aceleração.
— Essa é a resposta para a segunda charada.
Eles entenderam da pior forma o terror que era brincar com o bobo da corte. Dependendo do tipo de inseto que estava devorando suas madeixas, eles corriam risco de ficar sem cabelo para sempre e saber disso, os deixava apavorados.
— Não…
Lágrimas saíam dos seus olhos, agora com uma careca que reluzia a luz do lustre. Ao passo que os insetos, satisfeitos e de barriga cheia, retornavam para dentro do Alecrim.
— Por favor, não…
Essa era uma das habilidades do bobo, armazenar insetos em sua terra.
Assim, enquanto aqueles homens se lamentavam, depois de afagar suas carecas, Alecrim bateu a cabeça deles uma na outra. Ambos desmaiaram e caíram no chão enquanto um sorriso maquiavélico se formava nos lábios daquele bobo.
— Vocês dirão apenas o que viram…
Concluindo, no fim aquilo tudo não passou de uma perda de tempo quando ele poderia muito bem acabar com tudo aquilo desde o início, no entanto, as atitudes daquele homem não poderiam sequer ser comparadas às de um homem normal.
Assim que voltou ao quarto antigo, deu um sorriso de bobo e começou a carregar o corpo do Xavier.
— As negociações falharam, infelizmente não teve outra forma. Mas vamos nos apressar.
— Entendo. Deve ter sido difícil — disse senhor Alexodoro. Ao passo que aquelas duas estavam mais preocupadas com o fato daquele tour pelo castelo estar a tomar tais proporções.
— Vamos. Daqui para o meu quarto não é longe.
Depois de dizer isso, ele seguiu, atraindo aqueles três consigo. Seus passos ecoando pelos corredores. Os olhos daquelas duas e do senhor Alexodoro passeando por aquelas paredes. Com exceção daqueles dois, Kamila jamais havia entrado naquele castelo, então era uma experiência nova, mas não tão boa, não fosse sua entrada clandestina.
Mas naquele instante, naquele curto momento em que desviavam para mais um corredor, eles não tiveram reação para contornar aquele caminho, se esconder ou retroceder, ambos haviam sentido a presença um do outro.
Naquele corredor estreito, de um lado havia a imagem rara da família real, quase reunida, não fosse a ausência da princesa Alexandra. Ali estava Istar, o príncipe herdeiro, o rei e a rainha.
No momento em que os seus olhos alcançaram os membros da família real, Kamila percebeu que uma aura sombria estava envolvendo o rei e a rainha, semelhante a que envolvia o capitão Xavier.
— Céus… — Fechou a boca com pavor, seus traços se contorcendo como se quisesse vomitar. — O rei e a rainha estão amaldiçoados!
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