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    Região do Bosque

    Assim que através daquela flauta óssea, senhora da música emitiu uma melodia com um tom diferente da última, em instantes, Theresa e Sond se viraram cercados daqueles animais, que formavam um círculo, zumbindo e rosnando, arremessando suas salivas.

    — Eliminem-nos! — Quando ela apontou sua flauta num tom imperativo, os animais, em sua postura hostil, rumaram em um toque veloz, a sua presa.

    Ficando em frente a Theresa, para o descontentamento da senhora da música, Sond emitiu uma melodia com um tom mais grosso, enquanto manipulava as mãos como se fosse um maestro. Ao passo que seus movimentos não eram meros enfeites, alguns dos animais desviaram seus punhos para seus colegas.

    Era uma autêntica melodia da confusão, pois os animais se atacavam entre si enquanto Theresa e Sond se distanciavam para um lugar mais seguro, perto de uma das árvores. Senhora da música, seguiu o mesmo procedimento, ainda que rangendo os dentes e franzindo o cenho de indignação, se afastou daquela confusão e preparou sua flauta para dar o fim naquele motim.

    — Mandou bem, Sond. Desse jeito a vitória será nossa!

    Theresa estava em euforia.

    — Ainda não acabou…

    Assim que outro som ressoou, este agudo, que deixou Sond espantado por não esperar que aquele tipo de instrumento pudesse produzir um som tão agudo. Este, que desfez o feitiço do Sond, unificando os animais novamente em único objetivo, atacar aqueles dois.

    Sond tentou fazer uso de sua melodia para revidar, mas parecia não fazer efeito, então tiveram de correr enquanto pensava num som que pudesse combater aquele som.

    — Theresa… — Sua voz foi abafada pelo vento e pela correria produzida pelos seus pés. Algumas vezes tinham que pular raízes e esquivar algumas abelhas e passarinhos, que vinham com seus ferrões e bicos contra sua pele. — Theresa…

    — O que foi?

    — Consegue me arranjar um instrumento? Enquanto isso, eu distraio eles. Parece que os instrumentos têm mais efeito que usar nossa própria voz.

    — Também tinha pensado nisso. Tudo bem.

    Assentindo a cabeça, Sond viu Theresa desviar uma rota e deslizar por uma superfície íngreme que dava acesso a um lugar com mais árvores e arbustos, enquanto Sond seguia atraindo os animais com uma melodia que os deixava enfurecidos.

    Ele percebeu, que a base disso tudo, eram os tons e as afinações produzidos por suas cordas vocais, que faziam os animais expressarem certo tipo de postura. No caso dele, havia deixado sua voz ruim.

    Daí Sond teve uma ideia enquanto corria. Ele contornou uma árvore abastada e escalou uma que estava bem próxima, recebendo os animais que procuravam escalar e os que conseguiam voar, o perseguiram ao alto, mas ele saiu voando através de uma liana.

    Sond havia escolhido aquele ponto porque não era tão longínquo das outras árvores, tendo lianas que facilitariam sua travessia de um lugar para o outro. Deu um sorriso nostálgico, lembrando dos momentos em que teve no campo, balouçando de uma árvore para a outra e do rosto indignado da sua mãe, dizendo para ele parar, porque podia se machucar.

    Assim, Sond foi atravessando de árvore em árvore até chegar ao lugar onde estava a Senhora da música. Quando seus olhos se encontraram, Sond pulou na direção dela, uma atitude inesperada que pegou senhora da música de surpresa e a fez tentar se esquivar, mas não conseguiu.

    Sond acabou agarrando seu pé, fazendo ela cair no chão, deixando sua flauta cair e deslizar pelo gramado. Senhora da música contorceu-se de indignação, mas quando virou e bateu de frente, uma expressão de pavor tomou conta de sua cara.

    — Não…

    Assim que os ursos e as abelhas realizaram sua investida, Sond levantou-se e deu um salto ao estilo caçador da lua, embora sendo raspado por picada e garras, conseguiu alcançar a flauta, deixando senhora da música ao bel prezar, que teve muita sorte.

    Como sua música ainda estava surtindo efeito, os animais pararam no último momento e foram atrás do real alvo, agora detentor da flauta.

    — Seu maldito…

    Sond respondeu o insulto da senhora de música, elevando sua flauta aos lábios, com o rosto imbuído em timidez, as bochechas em rubro, pois lembrara que os lábios daquela mulher inegavelmente

    exuberantes haviam tocado a superfície daquele osso.

    Engolindo em seco, começou a tocar de uma vez por todas, sentindo seu coração derreter e uma chama tomar conta de seu peito, à medida que sentia um nítido pegajoso nos seus lábios.

    A senhora da música ficou aterrorizada ao ouvir aquela melodia, parecia, na verdade, ser o seu fim… Mas tempo se passou e nada aconteceu, os animais apenas ficaram com raiva e foram atacar o Sond, que estranhamente não compreendia, contudo, logo se deu conta de que os animais muito provavelmente estavam reagindo assim porque sua música era ruim, afinal de contas, ele nunca havia tocado uma flauta.

    Um sorriso contorceu-se nos cantos dos lábios da senhora, seguido de altos risos que mostraram seus dentes enquanto fitava a fuga daquele homem.

    — Mas que ironia… — Ela se levantou do chão e apalpou suas cinturas. Depois, esticou seu braço. — Vamos, devolva minha flauta e quem sabe eu o dê um fim indolor.

    Sond recebeu essa oferta no pior momento, numa altura em que se encontrava encurralado pelos animais numa árvore. Eles haviam formado um círculo, prestes a estraçalhar seu corpo e não importava que melodia ele cantasse, não resultava.

    — Vamos. Seja rápido.

    Sond, mordendo os lábios, acabou, relutantemente, lançando a flauta contra senhora da música.

    Assim que recebeu, senhora da música mandou que os animais cessassem seus movimentos e, nesse meio tempo, Sond rezava para que Theresa aparecesse com um instrumento. Ela estava demorando demais, estava roubando batidas descontroladas de seu coração. Se Theresa não aparecesse naquele impasse, ele estava cogitando desistir… E esperava que ela também fizesse o mesmo, porque de nada adiantaria ambos perecerem.

    Assim que senhora da música usou uma das folhas para polir a flauta, torceu seus traços em um semblante manhoso e emitiu uma sentença enquanto apontava a mesma flauta.

    — Matem-no da forma mais terrível possível. Que seja lento e que seus gritos sejam sons aos meus ouvidos.

    Sádica. Paranoica. Malévola. Maldita. Era o que passava na mente do Sond. Aqueles animais não tiveram piedade, pegaram Sond pelos braços e pernas e o elevaram ao alto enquanto levava ferrões e bicos dos animais aéreos, seu rosto começando a se deformar devido aos ferrões do enxame enquanto soltava gritos agonizantes de dor, ainda mais quando estavam esticando seus braços e pernas.

    No entanto…

    Uma melodia ruim andou de ouvido em ouvido, tão ruim que os animais largaram o Sond no chão e rumaram em direção àquela voz.

    Era Theresa. Com o rosto desfigurado e cheio de hematomas, Sond podia ver Theresa na posse de um instrumento, confrontando-se com a senhora da música.

    — Mas que voz mais horrível…

    — Eu sei disso. Mas eu sempre tive uma habilidade nata para tocar instrumentos musicais. — Assim que depositou a flauta feita com o ramo de uma árvore, Theresa tocou uma melodia mui linda que cessou os passos dos animais e os fez voltar contra senhora da música.

    — Viu só?

    Sorrindo maliciosamente, senhora da música tocou sua melodia, mas não teve o efeito desejado. Os animais permaneceram imóveis em obediência à Theresa.

    — Você tem dez segundos para fugir daqui.

    — Não me subestime. — Senhora da música franziu o cenho e colocou a flauta nos lábios com uma expressão de irá.

    — Pensando bem. Ataquem logo.

    Assim que Theresa deu a ordem, apontando sua flauta de ramo, os animais correram em direção à senhora da música, mas assim que tocou a sua chamada “melodia do fim”, o chão estremeceu e os animais se desequilibraram, caindo no chão.

    Theresa afunilou os olhos, ficando muito preocupada com o que estava por vir e não tardou a saber. Seus olhos se arregalaram quando viu uma criatura derrubando a terra, enquanto arrastava milhares de águas consigo. Era a criatura anormal que tinha consigo a fisionomia de um jacaré e o corpo volumoso de um urso.

    — Eita… — Theresa murmurou. — Será que eu consigo controlar esse aí?

    — Ataque ela! — Senhora da música direcionou a flauta e o monstro, com seus passos pesados que faziam o espaço estremecer, rumou a Theresa com pujança e punhos cerrados.

    Theresa tentou entoar outra melodia, mas apenas os animais que estavam caídos é que a obedeciam, levantando-se para formar uma defesa em nome de sua dona.

    Mas o que aconteceu ali não foi uma luta, foi um massacre… Quando as garras daquele monstro rasgaram os ventos, todos os ursos e mesmo abelhas e pássaros pequenos foram aniquilados e uma chuva de sangue desceu por Theresa e por aquele monstro que agora se encontrava diante dela, acompanhado por escombros de corpos ao seu redor, que havia criado um lago de sangue.

    Theresa desceu seus olhos arregalados por aquilo, arrepiada. Membros no chão, vísceras e entranhas esparramadas, que a deixavam com ânsia de vômito. Teve que segurar sua barriga, tentando inutilmente aplicar sua magia de cura para lhe conferir um pouco de conforto enquanto buscava retroceder, atraindo, ao passo, aquele monstro que rosnou ao céu tingido de folhas e ramos, enquanto deixava suas garras à deriva do vento.

    — Viu só, mulher? Não é à toa que me chamo senhora da música. A minha música comanda os mais fortes, a minha música é a melhor.

    — Você não é mesmo um ser humano… — Theresa encurvou a cabeça enquanto dirigia a flauta aos seus lábios com o braço tremelicante. — Eu já deveria saber, mas só agora caiu a ficha… — E olhou para aquele ser com olhos arregalados e uma expressão sombria. — Você é uma aberração da natureza a ser destruída.

    — Quanto raiva… Mas eu até que te entendo. Cada um tem seu jeito de ficar desesperado, embora me bajular para poupar sua vida, quem sabe fosse te ajudar.

    Sem dizer nada, Theresa tocou sua flauta inutilmente. Não importava qual melodia criasse, ela não conseguia domar aquela fera.

    — Terminou? — Um riso contraído emergiu nos lábios da mulher enquanto ela apontava para Theresa, que continuava tentando mais uma melodia. — Acabe com ela.

    Anuindo com a voz imperativa, o monstro lançou sua garra contra aquela pequena moça que estava prestes a desistir enquanto não parava de cantar com lágrimas rodeando os olhos, no entanto… Assim que uma voz grossa se misturou com o som emitido pela flauta, o animal parou o braço no último instante, um vento sacudindo as vestes de Theresa e o gramado. Theresa ergueu os olhos e suspirou, estava a um passo de desistir.

    — O quê?! — A mulher virou para de onde vinha o som da música.

    — Não existe combinação perfeita do que uma voz e um instrumento. Algo que você jamais conseguirá fazer.

    — Não… — Atônita, senhor da música ficou boquiaberta, lançando suspiros ofegantes, elevando com sua mão tremelicante, a flauta enquanto cantava. Fez isso por um bom tempo, alternou entre cantar e tocar flauta, mas não conseguiu persuadir o monstro.

    Apenas o atraiu para ela.

    — Me obedeça, por favor… — Sua voz agora era tímida e miúda, com gotas de lágrimas ao redor dos olhos.

    — Senhora da música…

    Assim que Theresa falou, ela foi e se jogou aos seus pés, ficando de joelhos.

    — Por favor, não me faça nada. Por favor…

    — Depois de tanta crueldade, espera que eu responda à sua súplica, é isso mesmo?

    — Não vai, né? — Levada pelo desespero, bem próxima dela, senhora da música derrubou Theresa e tomou consigo sua flauta, jogando a dela. — É isso, não é? Que te dá mais poder… — Com pujança, levantou-se enquanto Theresa se contorcia no chão e, afastou-se, rapidamente entoando uma melodia com aquela flauta, fazendo com que o monstro se movesse para sua alegria e espanto.

    — Eu… Eu venci! A vitória é minha!

    Sond entoou sua melodia, mas não fez efeito. Então, com um tom imperativo, senhora da música apontou a flauta para sua inimiga: — Acaba com ela! Rápido!

    Ouvindo isso, o monstro dirigiu suas garras, mas agilmente Theresa tomou a flauta de osso, travando o movimento do monstro aliado à melodia do Sond.

    — Senhora da música… Será que você ainda não percebeu?

    Arregalou os olhos, com o monstro virando-se contra ela.

    — A melhor música é aquela cantada a dois e perfeita, se ambos tiverem laços profundos.

    — Não, por favor, não…

    — No fim, você não passava de uma marionete do rei dos bandidos, então não haverá ressentimentos pelo que vou fazer agora.

    — Não… — Ela balançava a cabeça negativamente, enquanto entrelaçava as mãos em oração.

    — Acabe com ela.

    — Nãaoooooooo!

    Quando captou esse comando, o monstro dirigiu suas garras e dessa vez, não houve melodia que o amparasse, em um instante, o corpo da senhora da música havia sido destroçado e sangue havia saltado para as vestes de Theresa e a pele daquele monstro, assim como os restos mortais da dona, acabou brilhando em purpurinas ao lado dos demais animais.

    Aquelas purpurinas subiram ao céu e se juntaram em único ponto, formando um cetro dourado com uma joia no meio, que desceu contra o solo, se assentando nele para admiração daqueles dois.

    — O que é isso?

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