Capítulo 25: Gaia, a personificação da Terra
No dia seguinte, Theresa, que havia dormido na sua farmácia por nossa causa, nos acordou com uma linda mesa de iguarias colocada somente para nós. Era de manhã, o brilho do sol penetrava a janela, enquanto eu e o Zernen bocejávamos depois de uma bela noite de sono.
Eu tinha que dizer, aqueles remédios da Theresa fizeram muito efeito. Não tive mais pesadelos com o Faisal e a Graziela me atormentando, e tão pouco sobre a destruição do reino de Hengracia.
Isso, sim, foi um alívio para minha alma.
Comemos aquelas iguarias presentes naquela mesa com vontade. Theresa havia simpatizado conosco e isso era bom demais. Havíamos conseguido uma aliada, que no futuro seria de grande valia.
E o mais incrível foi ela ter acreditado em minhas palavras. De longe, ela seria quem menos acreditaria por conta da sua racionalidade excessiva. Tudo para ela precisava de uma explicação racional.
Enfim…
Após aquela refeição, nos preparamos para deixar aquela farmácia. Theresa havia recusado fechar sua farmácia para vir connosco, afinal, disso dependia o seu sustento. Ela também tinha que ajudar os seus pais agricultores com o que podia arranjar aqui na capital. Mas, ela nos fez prometer que quando chegasse o momento de partir, que viéssemos buscá-la, ela e sua família.
Também fazia tempo que ela não tinha notícia do seu irmão, então a invasão lhe seria muito conveniente para ir atrás dele.
— Muito obrigada pela hospitalidade, Theresa!
— Disponha, eu é que agradeço pela companhia! — Depois olhou para mim e o Zernen, que estava em pé e aposto para partir. — E desejo boa sorte para vocês dois!
— Valeu! — Zernen sorriu, levantando o polegar.
— Isso não é um adeus, mas sim, um até mais.
— Sim — Meredith concordou comigo. — Com toda certeza.
Entre sorrisos e abraços, algo inesperado que estava fora do nosso alcance acabou acontecendo. O som de porta se quebrando invadiu os nossos ouvidos e vozes audaciosas vindas da sala principal ressoaram naquele quarto.
— Srta. Theresa Zerth, sabemos que abriga aqui os criminosos cujos rostos estão cravados nos papéis de todas as guildas!
Eu já deveria saber que isso aconteceria.
— Por isso, pelo poder que me foi conferido, oderno que todos se entreguem!
— Fujam pela janela, eu vou negociar com eles! — disse Theresa, indo em direção à porta. Contudo, Zernen puxou o braço dela abruptamente, a jogando para os meus braços.
No momento em que segurei a Theresa, estilhaços de madeira vieram contra os nossos rostos. A porta havia sido derrubada. Zernen baixou seus braços cruzados, enfrentando aqueles soldados e no meio deles, aventureiros cujos ranks estavam a mostra em forma de colares enrolados em seu pescoço.
F, D e C, estes eram os rank que eu podia contemplar em seus colares prateados e bronzeados.
Ufa, suspirei. Não estavam os três ranks de aventureiros mais fortes entre eles.
— Aí estão vocês… — disse um dos soldados, carregando uma espada em suas mãos.
— Essa missão foi fácil — murmurou um dos aventureiros, seguido do outro que segurava um papel: — Eu já vou avisando que fico com o mais caro! — Apontou para mim.
— Ei! Ei! Não tem essa! — contestou um dos aventureiros, um mero Rank F.
— Silêncio! — disse um dos soldados, parecia ser o chefe. — Os indivíduos em questão estão sob custódia do exército. Sendo assim, a vossa presença não é mais necessária aqui.
— Ei, como assim?!
— Não é bem assim não!
Uma discussão se instalou no meio daquele grupinho.
Aquela discussão era oportuna para nós. Os meus olhos estavam mirados para aquela janela na parede lateral. O meu plano era sair por aquela janela de fininho, enquanto os soldados e os aventureiros se espacavam para ver quem ficaria conosco.
Sim, um plano prefeito, a prova de falhas!
Precisava apenas adicionar um pouco de pimenta, para tornar as coisas mais bem amargas do que já estavam.
— Isso, aventureiros! Os soldados querem ficar com todas as recompensas! — afirmei, levantando um dos punhos para cima. — Vocês é quem são merecedores!
— Isso! A nossa recompensa está certa! — Um dos aventureiros levantou o punho, amassando o papel que segurava em sua mão. Seu companheiro, estreitou os olhos para um soldado e emitiu:
— Vocês soldados estão querendo passar a perna em nós!
— O que você disse, seu pirralho?! — Este soldado pegou o aventureiro pela gola, enquanto franzia suas sobrancelhas.
E a discussão ficava cada vez mais amarga. Toquei no ombro do Zernen e ele entendeu o que era para fazer imediatamente. Isso é o que eu chamo de um bom parceiro.
— Já eu acho que os soldados são quem deveriam ficar com a recompensa! — Zernen começou a alimentar o ego dos soldados com palavras de bajulação. E para adoçar as coisas, Zernen usou seu tapa invisível para atingir um dos soldados.
— Quem me bateu!? — O soldado que havia sido atingido, empurrou um dos aventureiros.
— Como assim “quem te bateu?” — O empurrado deu um soco no soldado. — Não vá se achando!
E assim, uma briga entre aventureiros e soldados começou. Era uma guerra de socos. Dava para ver que cada um se garantia no soco, mal se davam ao trabalho de usar suas magias.
— Vocês são os piores. — Theresa olhou para mim com um semblante de reprovação.
— Sinceramente. — Meredith balançou a cabeça negativamente e sorriu de leve, enquanto observava aquela barulheira e porradaria.
— Vamos nos apressar e fugir! — Todos concordaram comigo. Corremos em direção a janela aberta, que deixava passar um vento impetuoso que balançava as cortinas.
No entanto, o nosso plano falhou miseravelmente. Quando queríamos saltar pela janela, era como se o ar estivesse duro.
— Nem adianta tentar fugir, há uma barreira erguida do lado de fora — disse um deles, era um grandão e barbudo que se mantinha de pé enquanto aqueles outros brigavam. Ele não estava ali quando a briga havia começado, mas não interessava. Esse era o aventureiro mais forte e o único rank B que eu podia detectar, ou seja, fazia parte do rank dos três aventureiros mais forte daqui.
Possivelmente do mesmo nível que Zernen.
Eu bem que estava desconfiando essa missão ter um nível de emergência B e não haver sequer um aventureiro rank B.
— Bem que eu senti uma forte energia rodeando toda essa casa — disse Zernen.
— Por que você não disse nada, idiota?!
— Porque pensei que você tivesse sentido antes.
— Eu não sinto nada disso.
Miseravelmente, eu não renasci overpower como tanto desejei.
— Eu também não senti nada — disse Theresa. — Deve ser por causa do meu défice de mana.
Concordei com a Theresa, afinal, era o que eu tinha. Défice de mana, uma condição caracterizada por pessoas que nascem com muito pouca mana. Por essa razão, a mana de uma pessoa se esgotava rápido, levando-a a um estado de fadiga e na pior das hipóteses, coma.
Contudo, no meu caso, eu só não tinha deficiência de mana, mas também não tinha magia nenhuma.
— Eu senti, mas se tratando do Jarves, pensei que ele tivesse um plano em mente, por isso não disse nada.
” Meredith!”
— Seus bando de inúteis, parem de brigar! Não vem que eles estão nos fazendo de idiota para fugirem — disse o grandão. — Ao invés disso, vamos nos unir para capturá-los e depois vemos o que fazemos!
Incrivelmente, todos concordaram com o que o grandão ali dizia. Seu sorriso malicioso parecia ser direcionado para mim, indicando que a confiança e a união que eu havia destruído agora estava renovada.
Aventureiros e soldados agora estavam unidos, todos com o mesmo propósito. Caçar e nos capturar.
— Agora fiquem quentinhos aí e se deixem ser capturados — disse ele.
— Tô vendo que teremos que brigar aqui! — Zernen bateu o punho contra a palma. — É assim que eu gosto! Fugir seria bem fácil e desinteressante.
— Seu amigo é um masoquista por acaso? — questionou Theresa e eu concordei com a cabeça. Tinha que concordar, Zernen não batia muito bem da cabeça.
— Nesse caso… — Meredith cerrou o punho. — Teremos que usar a violência para abrir caminho para nossa fuga.
— Você também Meredith? — questionei, abrindo caminho para ela.
— Tem alguma ideia melhor?
De fato, não havia ideia melhor. Contando pelos meus dedos, apenas Zernen e Meredith reuniam condições para lutar contra aqueles soldados e aventureiros.
Eu não sabia lutar e muito menos a Theresa. Ela só era boa em curar pessoas mesmo.
— Princesa Meredith, não a queremos machucar. Por favor, se entregue e a levaremos ao castelo imediatamente — disse um dos soldados.
— Não precisa me chamar assim. Abro mão desse título. Agora eu sou uma revolucionária!
— Princesa… — murmuram alguns deles, decepcionados.
” Espera. Espera. O que Meredith acabou de dizer?”
— É isso! — Zernen concordou. — Nós somos os revolucionários e queremos mudar este reino falido! E para isso…
“Cala boca, Zernen! Cala boca, Zernen!”
— … Vamos derrubar o atual rei!
” Ele disseeeee!”
— Caluniaaaa!
— Malditooooo!
— Como ousaaaaaa?!
Os soldados e os aventureiros ficaram tão indignados que partiram ao ataque do Zernen. O que ele havia dito era um crime grave. Eu não sabia se ele tinha ciência disso, mas ele estava declarando uma guerra contra o rei. Um golpe de estado!
— Era isso que eu queria! — Zernen bateu o punho contra a palma.
“Então foi proposital?”
Meredith estreitou os olhos, com os punhos preparados. Theresa que estava na retaguarda, vasculhava sua mala cheia de fracos, folhas e muitas coisas que eu não identifiquei.
“Droga!”
Pelo visto, eu teria que me juntar a briga também. Fazia tempo desde a minha última briga no meu mundo, quando eu fui espancado por um valentão que queria ficar com o meu dinheiro. É, eu não era bom de briga, mas diante de uma injustiça, eu jamais ficava parado!
No final, ele me bateu, mas pelo menos eu fiquei com o dinheiro.
Sorri, observando aquela multidão.
Contudo, quando pretendíamos atacar, algo inusitado aconteceu.
— Eu não consigo me mexer. — Era Zernen, e eu também não sentia o movimento dos meus pés. O mesmo acontecia com a Meredith que tremia os seus membros.
” O que estava acontecendo?” Eu me perguntava enquanto tentava achar o culpado naquela multidão. Com certeza era magia de paralisia. Eu conhecia muito bem essa magia, ela consistia em uma expansão de aura do adversário contra a aura do inimigo, imobilizando o mesmo.
Aquele grandão era o único que ficava parado ali, de braços cruzados enquanto soltava um sorriso malicioso. Era como se tivesse escrito no seu olhar: “vocês estão ferrados!” E de fato estávamos. Agora mesmo um punho estava prestes a acertar o meu rosto.
— Golem, crescer!
Um estrondo se ouviu, e a maioria dos aventureiros e soldados perderam o equilíbrio e caíram sobre o chão. O golem, que antes não passava de uma miniatura, agora era um gigante que alcançava o telhado daquela farmácia. Seu corpo volumoso havia destruído alguns móveis presentes naquele quarto. Seus olhos fundos, brilhavam num verde intenso, enquanto abria sua boca.
Alguns dos aventureiros, agora derrubados, olhavam para aquela criatura, de olhos arregalados.
— U-u-um Golem!!!
O golem desceu sua mão gigantesca e volumosa contra o chão, estabelecendo limite entre os aventureiros e nós. Alguns que haviam cruzado esse limite, ele arrastou para trás.
— Malditos!
— Isso é trapaça!
Vozes de insatisfação passavam de ouvido para ouvido.
— Golem, abra a mão!
Ele abriu a palma de sua mão, enquanto com outra cobria a passagem aos aventureiros e soldados que tentavam passar, atirando toda sorte de magia contra aquela mão gigante que havia causado rachadura no chão daquele quarto.
— Todos! Subam!
Fui o primeiro a subir nas mãos do Golem, depois veio a Meredith. Zernen que cerrava os seus punhos, veio para mão do Golem. Pelo seu semblante, parecia que ele não estava nada contente por ter ficado impotente diante da paralisia feita por aquele grandão.
Theresa fechou sua mala e veio até a mão do golem. Seu semblante deixava escapar uma certa tristeza enquanto terminava de subir a mão.
— O que foi, pessoal? Por que essas caras?
— Eu só não queria abandonar minha farmácia. — Os traços da Theresa se contorciam. Eu entendia ela, realmente era difícil abandonar algo de que gostávamos.
— Não se preocupe, Theresa. Assim que a situação se estabilizar, você terá sua farmácia de volta!
“Pare de iludir ela, Meredith.”
Para começar, agora nós éramos fugitivos e seríamos procurados por todo reino. O rei iria mover montanhas para nos levar para prisão, pior, para a guilhotina.
Além disso, não podíamos esquecer de que esse reino, em menos de três meses e algumas semanas, irá ficar só o pó.
— Golem, saltar!
O golem obedeceu e saltou.
Os aventureiros e os soldados subiram os seus olhos, contemplando o golem derrubando o telhado em estilhaços de madeira.
A barreira se quebrou também, como se fossem estilhaços de vidros caindo por terra.
Eles não ficaram parados. Usaram suas magias como tentativa para derrubar o golem agora sobre o ar.
Seus ataques atravessaram o telhado derrubado, mas lá estava Zernen para recebê-los. Com suas mãos esticadas, ele absorveu aquelas todas as magias, que se converteram em mana para todo seu corpo.
E agora que ele absorveu essa toda magia, acabei de ter uma ideia.
— Zernen, consegue provocar uma explosão bem gigantesca?
— É o que eu vou fazer!
— É por isso que somos parceiros! Manda ver! — Levantei o polegar.
Zernem observou os aventureiros e soltou um sorriso malicioso enquanto esticava os braços.
— Adeus! Por enquanto… — Um clarão tomou conta dos nossos olhos, uma explosão emergiu das palmas do Zernen. Pela força, fomos arremessado junto do golem para bem longe.
Nossos cabelos e nossos rostos eram bombardeados pela grande força do vento, enquanto íamos em direção às nuvens do céu, criando uma grande distância entre nós e aqueles aventureiros e soldados, que estavam na farmácia da Thereza, cujo telhado estava agora destruído. Eles, agora, pareciam formigas na minha visão.
— Foi uma excelente ideia! — elogiou Theresa. Meredith concordou: — De fato!
— Foi uma fuga e grande! — Zernen sorriu. — E tudo graças a minha explosão!
— Hahahaha! — comecei a rir. — Foi graças a mim e ao…
“Pensando agora, eu ainda não tinha dado um nome a esse golem.”
— Quer dar um nome ao golem? — Theresa questionou e eu balancei a cabeça.
— Eu já tenho uma ideia em mente, se estiver aberto a sugestões — disse Meredith.
— Eu também! — Zernen levantou o braço. — Pode ser…
— Não, Zernen — cortei-o. — Você não. Você é péssimo em dar nome.
O vento nesse momento havia parado de bater e não havíamos caído pela gravidade. Parece que o golem também conseguia ficar por um bom tempo no ar. Que versátil!
— Apenas de técnicas!
— Meredith e Theresa, podem dar sua sugestão.
— Ei! — Zernen ficou bravo.
— Quital Ted?
“A não, Meredith! Um dos nomes dos seus bonecos, não! Por favor!
— Assim ele vira chará do Ted, e amigo da Ana, não é?
— O quê?! — Meredith corou. — D-D-Do que você está falando, hã?
— Ted e Ana? Quem são esses? — perguntou Theresa.
— Não são ninguém!!! Esqueçam o que eu disse, por favor! Aí! Eu não sou boa em escolher nome! — Meredith cobriu o seu rosto de vergonha, enquanto balançava sua cabeça freneticamente.
Theresa semicerrou os olhos. Zernen apenas assobiava contra o vento.
— Tá, Zernen. Pode dar uma sugestão.
— Legal! — Ele sorriu. — Quital Terragolem?!
— Hã?
Eu não estava entendendo e muito menos Theresa.
— Ele é feito de terra e é um Golem. Não é legal?!
” Até em nomes compostos tu é ruim, rapaz?”
Enquanto isso, Meredith agarrava os seus joelhos, cobrindo seu rosto de vergonha.
— Enfim, agora você, Theresa.
Zernen franziu o cenho e voltou a assobiar para o vento.
— Deixa eu pensar… — Ela colocou a mão contra o queixo. — Quital Gaia?
— Gaia… Gaia… Hum, gostei! — Sorri, estalando os dedos.
— Sério!?
— Ainda acho que o meu nome seria melhor — murmurou ele.
“Calado, Zernen!”
— É! Mas como conseguiu pensar nesse nome?
— É que eu dou nome as minhas plantas. E tenho atenção em dar nomes com significados, como, por exemplo,” Gaia” que significa personificação da terra.
— Genial!
— Parece que estamos caindo — Zernen murmurou e de fato estávamos descendo. Contudo, naquela descida, pudemos presenciar algo inacreditável acontecer.
— Gaia! Gaia gostou desse nome! Gaia feliz!
O golem havia dito suas primeiras palavras.
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