Índice de Capítulo

    — O que, senhor? Os meus ouvidos estão falhando por acaso?

    Nikolas não conseguia acreditar no que ouvira da boca do seu chefe.

    — É isso mesmo que você ouviu, você está demitido. Não precisa mais voltar aqui, os seus trabalhos não são mais necessários.

    — Mas por quê?

    — Acontece que arranjamos pessoas superiores a você, eu diria. Sejamos sinceros, esse trabalho não foi feito para pessoas como você. Veja ao seu redor, todos possuem músculos e massa, menos você. O que eu vou te dizer é algo duro, mas você tem sido um peso morto para o pessoal.

    “Acontece que arranjamos pessoas superiores a você. Superiores. Superiores.”

    ” Você tem sido um peso morto. Peso morto. Peso morto.”

    Essas palavras ressoaram em ecoo na mente do Nikolas, repetidas vezes, o lembrando da crueldade que era o mundo em que vivia.

    — Mas eu tenho dado o meu melhor, senhor! Eu realmente preciso desse emprego! Se for preciso, eu triplico a força de trabalho! Mas o senhor não pode me demitir!

    — Eu até poderia te manter, mas eu não iria poder pagar você. Como você já sabe, eu também tenho de pagar algumas dívidas que fiz para manter o negócio quando ele não estava bem, então, com a nova aquisição de novos homens, seria impossível pagar a você.

    — Pois demita eles, que eu faço quatro vezes o que eles podem fazer!

    — Infelizmente, além de fortes, eles possuem uma magia que é capaz de crescer seus braços e os deixar forte. Uma magia semelhante à sua, só que você só consegue crescer apenas os dedos das mãos, o que não é útil.

    — Mas então, do que vou viver? O que eu vou dar de comer ao meu irmão que não pode andar? Tem pena de mim, senhor!

    Nikolas ajoelhou-se e entrelaçou as mãos em oração.

    — Infelizmente não tem nada que eu possa fazer.

    Wow! Mestre, então esse é o tal garoto inútil de que nos falou?

    Os olhos de Nikolas se viraram para contemplar alguns dos trabalhadores a esquerda que zombavam de si.

    — Olha, ele é bem pequenininho! Hahahahaha! O senhor fez bem!

    — Seres superiores não podem compartilhar do mesmo espaço que inferiores.

    Nikolas arregalou os olhos.

    — Nikolas, não entenda errado. Olha, veja só, passe aqui mais tarde para levar o dinheiro por trabalhar conosco durante muito tempo.

    — Eu não preciso do seu dinheiro… — Nikolas levantou-se e começou a caminhar. — Eu já entendi que eu sou um ser inferior, num plano inferior e que vocês são superiores e estão no plano superior. É isso, os nossos lugares neste mundo já estão pre-estabelecidos desde o dia do nosso nascimento.

    — Não precisa ser assim. Eu vou te ajudar a achar um emprego, quital?

    — Você me dá nojo!

    Nikolas parou e revirou um olhar frio.

    — O que?

    — Seu falso!

    Nikolas continuou andando enquanto cerrava os punhos.

    — Bem, eu tentei ajudar.

    — Falso!!!

    Essas foram as últimas palavras de Nikolas para o seu chefe enquanto colocava seu último pé para fora do portão. E como resposta, ele recebeu altas risadas.

    — Quer saber, já vai tarde!

    Os olhos de Nikolas se enchiam de lágrimas enquanto ele andava de um lado para outro. Seu coração doía enquanto observava o mundo ao seu redor todo embaçado. Tal como sua vida era, algo que jamais ganhava visibilidade.

    Nuvens cinzentas se acumulavam no céu em meio às nuvens brancas, algumas delas ofuscando o sol. Pareceria que o céu também choraria pela desgraça que havia se abatido contra o Nikolas, mas por minutos nenhum chuvisco desceu do céu. Até mesmo as nuvens haviam se apartado de si para bem longe, restando apenas um sol escaldante que lhe queimava a pele.

    Era como se tudo conspirasse para sua desgraça.

    — Pai, mãe… Por que me abandonaram?

    Nikolas enfrentou aqueles raios luminosos provindos do sol, mas logo tampou os olhos, não resistindo ao resplendor daquela estrela.

    Continuou cambaleando por aquelas ruas, a torto e a direito sem rumo e nem destino, apenas queria caminhar até aonde o vento o pudesse levar.

    — Muito obrigado, senhor! Sério! Muito obrigado!

    Ao ouvir essa voz familiar, Nikolas virou a esquina e caiu no chão de bruços.

    — Nikolas!

    Os olhos de Nikolas contemplaram por último, o irmão em suas moletas feitas de madeira vindo a ele a todo vapor.


    Depois de algum tempo, Nikolas enfim despertou. A primeira coisa que pôde observar ao abrir os olhos era o teto, depois vagou seus olhos por aquele cômodo e contemplou os móveis e as paredes daquele quarto que lhe pareciam familiares.

    “O que? Como vim parar aqui?”

    Nikolas logo teria sua resposta. A porta se abriu. Era seu irmão entrando pela porta em suas muletas de madeira.

    — Irmão! Vejo que acordou!

    — Como eu vim parar aqui?

    Ah! Por sorte, o último homem que me deu a esmola me ajudou a trazê-lo para aqui. Ele já foi, mas disse que voltaria para nos ajudar novamente! Não é incrível? Eu disse que só precisaríamos continuar seguindo o legado do papai e da mamãe para o sol brilhar para nós!

    — Incrível, é? Não existe mais ninguém assim. Não se iluda, são todos falsos.

    — Falsos? Enfim… — suspirou. — O que aconteceu para você estar naquele estado? Não era suposto você estar no trabalho? Já que rejeitou a minha oferta de férias.

    — Aconteceu que eu fui demitido.

    — Demitido? Mas como assim? Por quê? Fez algo de errado?

    — Chega, irmão. Estou cansado de tudo! Estou cansado de tudo! Escuta, a partir de agora estou fora com essa coisa de legado! Olha o que a bondade me trouxe?!  Pois, já que o mundo não aceitou a minha mansidão, terá que enfrentar a minha fúria!

    — Escuta, eu te entendo. Pode desabafar, sim? Mas não faça nada de precipitado. Lembre-se de que o desespero precede a ruína.

    — Ruína? Por favor, já estou na ruína faz tanto tempo!

    Nikolas se levantou da cama e começou a caminhar.

    — O que vai fazer?

    — Eu vou fazer o que já deveria ter feito há muito tempo!

    Hã? Como assim?

    — Não se preocupe, não é nada de mais.

    Nikolas tentou passar pela porta, mas seu irmão se colocou na frente.

    — Não! Volte e descanse!

    — Afasta, Handares!

    — Não, como seu irmão mais velho, eu te ordeno! Volte e descanse!

    — Pela última vez, afaste!

    Nikolas estreitou os olhos. E o seu irmão também fez o mesmo.

    — Não!

    — Você é que pediu!

    Nikolas colocou as mãos nos ombros do irmão e o arrastou com toda sua força para o chão. Handares arregalou os olhos, descrente do que seu irmão havia feito.

    Ele caiu no chão enquanto Nikolas abria a porta. Naquele curto instante em que via o irmão sair da porta, ele pôde perceber que Nikolas não era mais o mesmo.

    — Nikolas!!! Volte aqui! — gritou, esticando suas mãos, mas recebeu nada mais, nada menos que o som da porta se fechando com toda força.

    Nikolas seguiu andando em direção ao seu quarto. Quando chegou lá, puxou a mesa de cabeceira e a cama contra a porta, para que ninguém mais pudesse entrar.

      — Desculpa maninho, mas não poderei estar mais ao seu lado… Pode soar egoísta da minha parte, mas eu não suporto mais esse sofrimento. É demais para mim…

    Nikolas abriu uma de suas gavetas e retirou alguns frascos que continham líquidos em diversas cores. Aqueles frascos eram resultados de sua pesquisa de meses em meses, em busca de uma maneira de tornar sua magia mais útil.

    Algo que ele escondia do irmão. A sua vista, apenas fazia experimentos normais para disfarçar o imenso projeto perigoso que ele estava desenvolvendo.

    Isso mesmo. Há meses, Nikolas apresentou seus experimentos a um cientista. Havia lhe custado muito dinheiro para que ele avaliasse os seus experimentos e lhe mostrasse onde estava falhando, ou se estava certo, já que ele nunca teve uma ótima base financeira para ingressar na escola dos seus sonhos, nem mesmo com os seus pais vivos.

    Mas bem, a resposta que Nikolas recebeu não foi a mais agradável possível.

    “Jogue isso fora! Não serve para nada! É apenas veneno que irá te matar!”

    Ele havia gasto seu dinheiro e sacrificado dias de alimentação só para ouvir essa resposta.

    “Agora dê o fora daqui!”

    Mesmo diante daquelas palavras, Nikolas ainda assim agiu com simplicidade e um sorriso no rosto, como seus pais haviam lhe ensinado.

    ” Então, senhor, por favor, pelo menos me diga como posso melhorar?”

    “O seu dinheiro só chega para avaliação. Se quiser conselho e dicas vai te sair caro. Além do mais, sabia que é proibido o que estou fazendo? Sugiro que diga aos seus pais para o matricularem em uma escola de ciências mágicas, que assim você terá uma melhor preparação.”

    “Tá, entendi.”

    Tendo dito isso, Nikolas foi embora. Ele compreendia que precisava de se formar para tal, contudo, ainda assim, não desistiu dos seus sonhos. Declarou que faria seus estudos por conta própria e se tornaria o maior cientista de Hengracia.

    Nikolas continuou realizando seus estudos por meio de alguns livros em sua casa e outros que pegou emprestado de seus vizinhos. Continuava recolhendo seus materiais de experimentos. Dia pós-dia trabalhava, até enfim se cansar por não ver muito avanço. A experiência não ia muito além do que fazer com que os seus dedos se movessem alguns centímetros a mais. Apenas isso.

    Nikolas decidiu então desistir desse experimento.

    No entanto, agora, no momento de desespero, ele estava mais uma vez prestes a recorrer aos seus experimentos.

    — Já que nada dá certo na minha vida… — Nikolas pegou nos três frascos e os misturou em outro recipiente. Selou com a tampa e sacudiu com força. — Adeus, Handares… Pelo menos eu tentei me tornar mais forte no fim, pelo menos eu tentei… — Ele bebericou todo aquele líquido, estando ciente de que aquilo lhe poderia levar à tumba ou a contrair lesões internas piores.

    Nikolas sentiu uma forte dor tomar conta do seu corpo. Um calor que subia do seu estômago foi até ao seu peito e chegou a sua garganta. Ele pegou no seu pescoço e o apertou fortemente.

    Hahaha! Cof! Cof! Cof! No fim nada dá certo mesmo, mesmo eu tendo uma ligeira esperança de que pelo menos algo daria certo no fim.

    Nikolas continuou se contorcendo de dor por mais um tempo. Parecia uma dor que não queria parar.

    — Até nos meus últimos momentos, eu estou sofrendo demais… É, só pode ser conspiração do universo mesmo.

    Depois de tanta dor, os olhos de Nikolas finalmente se fechavam enquanto enfrentava aquela porta, que de repente começou a bater fortemente.

    Era seu irmão.

    — Nikolas, abre a porta por favor!

    Nikolas apagou enquanto seu irmão continuava clamando por si.
       
                            


    Após algum tempo, Nikolas acordou e, para o seu espanto, naquele quarto, enfrentando novamente aquela realidade.

    — Ainda estou vivo? Não, espera. A dor no meu corpo passou?

    Nikolas entrou em espanto. Havia pensado que era o fim da linha para si.

    — Sim, por favor. Derrube a porta!

    Ao ouvir essa voz, Nikolas levantou-se.

    — Não precisa derrubar, eu mesmo vou abrir… — Quando Nikolas levantou sua mão, seu braço esticou até a fechadura da porta. — O que? Como assim?

    — Irmão! Vai mesmo abrir? Que bom! Eu estava preocupado!

    Nikolas levantou a segunda mão e o braço esticou até a fechadura. Cerrou os punhos e os braços cresceram, destruindo acidentalmente os móveis que estavam perto da porta.

    — Eu consegui? Eu finalmente consegui!!!   EU CONSEGUI! HAHAHAHAH!

    Nikolas começou a rir enquanto olhava para o chão. Semicerrou sua mão e seus braços retornaram. E depois voltou a esticá-los enquanto se ria olhando para o teto.

    — Irmão! O que está havendo?

    — Vejo que o caso é muito grave. Conheço uma médica aqui perto, vou chamá-la. Já aproveito e chamo soldados em caso de surto.

    — Não é necessário, eu conseguirei lidar com meu irmão.

    — Se o menino diz… Um, dois e três!!!

    O homem derrubou aquela porta e seus olhos ficaram arregalados com a visão que tinham.

    Dois braços enormes haviam tomado conta daquele cômodo enquanto aquele jovem se ria para ali e para cá como um louco, repetindo as palavras: “Eu consegui! Finalmente, eu consegui!”

    — É, vou chamar a médica!

    O homem saiu correndo de pavor.

    — Irmão, o que é isso?

    Handares arregalou os olhos.

    — Isso é fruto do meu experimento! Agora ninguém me para! Agora eu também sou um ser no plano superior!

    — Irmão…

    Handares olhou para o chão, contemplando os fracos de vidros vazios e com resquícios de líquidos fluindo pelo chão.

    — O que fez com o seu próprio corpo? Você não me falou que os seus experimentos tinham a ver com isso… Por que não me disse nada?

    — Alegre-se, irmão. Alegre-se, pois uma nova era de glória e prosperidade está prestes a iniciar para nossa família!

    — Como pode falar isso? Você por acaso enlouqueceu? Veja o que fez com o seu corpo!

    Ah, isso? Não é problema nenhum. — Ele voltou os seus braços ao normal e começou a andar. — Agora se me dê licença, tenho certas coisas a fazer!

    — O que pensa em fazer?! Temos que conversar antes! Você precisa me esclarecer o que é isso tudo!

    — Você não precisa saber, irmão. Mas não se preocupe, que um dia eu irei te tornar um ser superior assim como eu… — Nikolas esticou seu braço, levantando o irmão para cima com sua mão gigante.  Atravessou as portas daquela casa com ele nas mãos e dirigiu-se ao quarto, deixando-o na cama dele, enquanto ele clamava por explicação para suas ações.

    — Nikolas! Não faça nada de que venha a se arrepender por favor!

    Handares suplicou enquanto esticava seus braços para Nikolas que caminhava até a porta do seu quarto.

    — Não se preocupe irmão, é como eu disse… Se o mundo quis rejeitar a minha paz, agora terá a minha irá.

    Dito isso, Nikolas fechou a porta.

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