18 de outubro de 1999

    O leve e contínuo vento úmido que balança as copas das árvores, trazem consigo nuvens escuras, indicando que hoje o astro-rei não ocupara seu palco. Sarah está saindo de casa com uma blusa toda cinza por cima do uniforme, já no porão escuta sua mãe a chamando.

    — Ei! Você não vai levar um guarda-chuva? Aliás, não quer que eu ou seu pai te leve?

    — Não! Deixa ele dormir. Ficou acordado até tarde feliz com o jogo, e tem trabalho hoje, sabe como é a segunda lá.

    — Annnn… Só de lembrar no que aquele homem jogou ontem noite. — Após um momento de suspiro Leila retoma — Não seja por isso, eu te levo!

    — Você não vai viajar? Não quero te atrasar! Só pega o guarda-chuva para mim, eu vou caminhando. — Sarah termina sua fala olhando para o céu nublado.

    Leila observa Sarah com um olhar de admiração. — Espera só um momento! — Ela corre para dentro.

    No meio tempo em que sua mãe busca o guarda-chuva, Sarah se senta na porta de sua casa e fecha os olhos para cessar todo estímulo visual. Ela percebe que o vento que circunda o local aumentou um pouco desde o primeiro momento que o sentiu quando abriu a porta da varanda de seu quarto mais cedo.

    Algo batendo em sua cabeça interrompe seu momento. Ela joga sua cabeça para trás e vê sua mãe com sorriso bobo segurando um guarda-chuva tamanho família em sua mão.

    — Justo o maior? É sério? — Sarah dá uma leve resmungada de brincadeira, pega o guarda-chuva e dá um beijo no rosto de sua mãe. Nesse momento Leila encosta sua testa na de Sarah e então fecha os olhos.

    — Filha, nunca se esqueça! Não importa quem você é…

    — …e sim quem você quer ser! — Sarah completa a fala. ­— Não vou esquecer. — Um sorriso de boca fechada surge naturalmente em seu rosto. — Boa viagem mãe!

    — Se cuida na escola, ok?

    — Pode deixar. — Sarah já está na calçada caminhando, se vira e faz uma rápida careta de deboche enquanto mostra a língua, se vira de novo e segue seu caminho. Leila e pega de surpresa e fica sem reação, mas logo volta a sorrir e entra em casa.

    No caminho para escola o vento se intensifica, no alto as nuvens começam a escurecer cada vez mais o céu, tudo parece estar prestes a desabar. Sarah acelera seus passos enquanto se prepara para atravessar uma rua sem parar.

    Quando pisa no asfalto, uma borboleta preta com manchas vermelhas que brilham, quase se choca com sua face, em um movimento de pura reação, consegue desviar para o lado em um gingado que mais parece uma esquiva de um lutador.

    Após esse momento, Sarah para e observa a borboleta seguindo seu caminho, ela está mais sendo levada pelo vento que propriamente voando livremente.

    A borboleta aparenta voar com lentidão na perspectiva de Sarah, até que ela some atrás de um muro cinza. Não que a borboleta não estivesse voando rapidamente, principalmente devido ao vento, mas naquela pequena bolha de tempo em que Sarah entrou por um breve momento, a borboleta estava batendo suas asas como se estivesse em uma filmagem em câmera lenta. Ao sumir atrás do muro, tudo volta ao normal e as primeiras gotas de água despencam do céu colidindo fortemente contra o solo.

    O portão da escola está logo ali, há um quarteirão de distância. Sarah observa que Marcela acabou de chegar e está descendo do carro de seu pai. Acelerando seus passos, consegue se aproximar da janela do carro antes que ele parta. Com duas batidas rápidas no vidro é notada.

    — Oi Sarah, tudo bem? — Ele fala enquanto termina de abaixar o vidro.

    — Tudo sim… minha mãe ligou para você?

    — Ligou sim, se estiver chovendo muito eu levo você, pode ficar tranquila.

    — Obrigada, até mais!

    Ela volta a acelerar as passadas, pois percebe que mais e mais gotas estão despencando. Quando alcança Marcela que acabou de chegar no pátio, já chega dando uma cutucada na lateral da barriga com o guarda-chuva. Marcela dá um salto para o lado colocando a mão onde foi atingida. Olhando assustada para o lado, após um momento ela desfaz a cara de tensão e dá um suspiro.

    — Só podia ser, nem sei por que ainda me assusto, aff. — Ela faz uma repentina cara de dor.

    — A para! Nem doeu! — Sarah minimiza a reação de Marcela.

    — Aé? Vem cá! — Então Marcela sai em disparada atrás de Sarah que sai correndo em direção ao refeitório.

    — Aiaiaiaiai, me protege, ela quer me bater! — Sarah se esconde atrás de Bernardo, que está sentado em um banco comendo um pedaço de pão e tomando um leite com chocolate em pó.

    — … — Bernardo olha para Marcela e depois para Sarah — A que menos precisa de proteção aqui é você! — Ele tenta disfarçar o riso.

    Sarah dá um empurrão atrás da cabeça dele e se senta no banco ao seu lado.

    — Sem graça. — Ela dá uma leve resmungada.

    Marcela se senta em um banco de frente para Bernardo enquanto pega um pouco de fôlego.

    — Deixa eu te contar… se estiver chovendo quando a aula terminar, seu pai vai me dar carona até em casa, daí eu vou pedir para ele para você ficar lá comigo. Porque meu pai vai estar trabalhando e minha mãe vai viajar meio-dia. Só para eu não ficar sozinha sabe. — Sarah tem um plano elaborado que começou a contar para Marcela, Bernardo só escuta.

    — Mas você sempre fica sozinha, acho que ele não vai deixar. — Marcela está receosa com o plano.

    — Espera aí, eu não terminei… daí a tarde, por volta das duas horas, o Bernardo vai lá em casa. — Sarah franze sua testa enquanto faz um leve bico com a boca e lança olhares uma hora para Bernardo e outra hora para Marcela, tudo isso em silêncio.

    — Interessante, gostei… que horas seu pai vai voltar? — Bernardo questiona Sarah.

    — Ele volta só de noite, mas o pai dela vem pegá-la a tarde eu acho. — Sarah o responde enquanto volta seus olhos para Marcela.

    — Mas eu posso pedir para ele deixar eu dormir na sua casa, o que você acha?

    — Perfeito! Aí você pode tentar dar uma escapadinha de noite sabe. — Sarah lanças essas palavras na cara de Bernardo enquanto dá uma leve cutucada com o dedo na barriga dele, que o faz se encolher para o lado na tentativa frustrada de se esquivar.

    — AAAI! Pera! Eu tenho que ver com minha mãe, já vou ficar a tarde toda fora, se ela não se importar, aliás que horas seu pai costuma ir dormir?

    — Ele chega cansado lá pelas nove horas, toma banho, janta e vai para cama normalmente lá pelas dez horas.

    — Olha, minha mãe se levanta cedo para limpar as ruas, então ela dorme muito cedo e a essas horas, ela já está roncando, eu acho que dá para dar uma escapada de casa.

    — Fechado então! Agora vamos para aula, porque tem prova da Guilda dos Caçadores e eu não estudei nada. — O rosto de Sarah claramente demonstra uma leve preocupação com o que está por vir.

    — Aham… sei! Você nunca estuda e sempre vai bem nas provas. — Marcela acusa Sarah.

    — Como futuro Caçador Sombrio, essa prova será moleza! — Bernardo se gaba enquanto mantém a tranquilidade.

    — Eu já falei para vocês, o segredo é se concentrar na aula, os professores raramente cobram conteúdo de tarefa, eu vivo falando. — Sarah já está se levantando e puxando a frente dos dois rumo a sala de aula. A professora chega e aplica à prova escrita. Sarah é a primeira a terminar. Outra professora vem, depois mais uma e assim a manhã logo se vai. Enquanto isso a chuva perdura despencando lá fora como se o mundo fosse acabar.

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