Capítulo 35: Porto Comercial
Voltando alguns dias no tempo, quando Sarah está para pegar o ônibus.
Na fila para comprar a passagem, observa uma movimentação incomum para o local. Observando com mais atenção, vê um grupo de rapazes que se destaca dos mais. Com seus mantos negros expostos, parecem se gabar para quem quer olhe para eles.
Um deles tem o cabelo preto como o carvão e chega até os ombros. Ele carrega um escudo cinza escuro, nas costas. Uma serpente negra se destaca no centro do escudo. Outro deles tem o cabelo castanho e amarrado para trás formando um coque. Ele empurra a empunhadura da espada embainhada na cintura para baixo. O que faz que o restante dela se levante um pouco, forçando o manto como se fosse rasgá-lo.
O terceiro deles usa um boné branco para traz, que cria um contraste com sua pele cor de chocolate. Ele tem pendurado no ombro, um arco marrom e pequeno. A linha desse arco, quando recebe por alguns momentos os raios de sol, brilha como se fosse uma linha de sangue.
O quarto se esconde sob um capuz negro que se estende a partir do manto. Em sua mão direita, um cajado preto como o carvão parece sustentar seu peso. A base mais fina no chão parece ser revestida com algum tipo de tecido branco. Já na base de cima, grossa ao ponto de uma mão mal conseguir fechar ao seu redor, ostenda duas pequenas lâminas prateadas que reluzem com os raios de sol.
Eles não são os únicos, outros Caçadores, mais discretos, sem mantos se escondem pela multidão. No embarque, até um líder de Clã com sua pequena coroa negra pendurada na cintura, chega de última hora para desejar boa sorte para dois jovens que carregam adagas na cintura. O ônibus não espera, e logo parte, deixando parentes, amigos e lembranças para trás. Muitos deles nunca mais voltarão.
Depois de três dias e meio, entre cochilos e várias paradas na estrada para comer. Sua viagem finalmente chega ao seu destino de forma silenciosa. Pelo que parece, era a única no ônibus que não estava indo para a jornada de fogo. Percebeu isso quando todos desceram de uma vez na Zona 25. É o acesso mais comum, por causa do vilarejo do lago. A comunidade lá, se especializou ao longo dos anos em hospedagem e comercio para os Caçadores que partem para a jornada de fogo.
O sol no seu auge faz questão de ser notado ao descer na rodoviária. Sarah repara na diferença de movimento entra essa rodoviária e a de sua cidade. Pessoas para todo lado, ônibus chegando e saindo um atrás do outro. Na saída da rodoviária ela encontra um taxista.
— Ei senhor! Você poderia me informar para que direção fica o porto? — Formalmente ela o indaga.
— Você pega essa rua aqui, segue duas quadras para frente, vira à direita e segue a avenida. Uma hora você verá o litoral a sua frente e vários containers, é ali! Sem erro! — O taxista olha para ela por um instante e continua. — Eu posso te levar moça. É baratinha a corrida. — Tenta não deixar a oportunidade passar.
— Não, obrigada! Vou caminhando mesmo, curtir a paisagem. — Ela já termina a fala se distanciando do taxi.
Caminhando pelas calçadas da cidade, repara que o ar ali é mais abafado. Também vê um estádio lá no fundo, se lembra das vezes que sofria na frente da televisão torcendo por seu time. Após vários minutos de caminhada chega até os containers. Há tantos quanto à vista consegue enxergar. Observa um trem chegando com mais containers e logo mais adiante, há uma entrada por onde as cargas que vem pela rodovia entram.
Após se esgueirar pela entrada e pelo local, chega perto de onde os navios estão. Existem vários deles, alguns são tão bonitos que nem parecem ser de carga como viu na TV. Outros são mais comuns. Tem um muito grande escrito “Fome” em sua lateral. Ao lançar olhares ao redor, observa haver maquinários para todo lado, guindastes puxando cargas para dentro dos navios e outros tirando deles.
Repara que existe uma grande fileira de caminhões. Eles despejam grãos em grades contêineres, que são levados sem parar pelos guindastes para um grande navio vermelho. Nele está escrito “Coroa de Áia” em seu casco. Nele também se vê algumas rampas, com inúmeras pessoas subindo e descendo com pequenas cargas em caixotes.
Após alguns segundos se esgueirando novamente de um canto a outro. Vê um local onde os trabalhadores dali entram e saem. Eles entram com uma roupa e saem com outra. Caminhando como se fosse um deles, consegue entrar junto. Após alguns minutos, sai com um uniforme igual ao das pessoas que ali trabalham.
Uma calça toda laranja com faixa amarela na altura do tornozelo. Blusa também laranja com faixas amarelas na altura do abdômen, e um capacete amarelo. Como sua mochila tem pouca coisa e não faz volume, consegue escondê-la por debaixo da blusa. Ela começa a caminhar na mesma direção dos trabalhadores.
— Ei você! Dá uma mão aqui, para carregar as cargas para aquele navio ali — Um trabalhador pede ajuda de Sarah para conduzir uma das pequenas empilhadeiras.
Ela vai à frente guiando para que não caía na estreita rampa que leva ao navio, após vários carregamentos chega o horário do almoço, o condutor da empilhadeira olha para Sarah que está sentada em uma pequena mureta.
— Ei, parando para pensar. Você é nova aqui, não é? — Ele a indaga com uma cara de suspeita. Sarah balança positivamente com a cabeça. — Que estranho. A empresa não contrata ninguém há tempos. Agora só compram em liberdade. Que sorte em!
— Sim, eu estava desesperada por um emprego. Foi muita sorte! — Sarah o responde com um olhar de insegurança.
— Como você se chama? — Ele a indaga com a face levemente corada enquanto a observa. Quando ela olha também, ele desvia o olhar.
— Eu me chamo Sarah, e você?
— João Paulo, mas todos me chamam de JP.
— Prazer JP. — Sarah estende a mão para o cumprimentar. Quando o gesto é retribuído, um leve sentimento de ansiedade desperta em Sarah.
Após se sentar na mesma mureta que ela. Ele começa a abrir sua marmita.
— Sabe a rampa que leva ao navio? A que estávamos carregando as cargas? Você acredita que ela fica sem ninguém vigiando durante todo o almoço? Poderiam contratar alguém, sei lá. É que muitos daqui são escravos. Mesmo a empresa dando moradia e uma vida até digna. Alguns costumam tentar embarcar nesses navios para sair do reino. — Ele solta perguntas e sugestões ao vento. Enquanto isso, vai pegando alguns talheres em uma pequena mochila que está ali do seu lado.
— Verdade… — Sarah concorda com ele enquanto encara o chão.
— O… — Ele dá uma segurada na fala para engolir um pouco de comida — Imagina ficar mais de trinta dias em um navio em alto mar? Fome, sede, tempestades. É muita loucura! — Ele termina a fala mandando mais um pouco de comida para dentro.
Sarah arregala seus olhos e encara o chão.
— Realmente. — Ela concorda com JP, enquanto tenta disfarçar suas intenções.
— Aliás, você não vai comer não? Temos duas horas de almoço. Aproveita! Pois a tarde com o sol do jeito que tá! Vai ser barra pesada. E ainda tem muita carga para embarcar nesse navio. E ele sai mais cedo que os demais.
Por quê? — Sarah o interrompe.
— Pelo que eu sei, ele faz uma parada extra em um arquipélago chamado Fiore. Depois segue para o porto de Fome. Sai às 17 horas. Vai ser puxado! — JP explica o que provavelmente os espera com um tom de protesto.
Sarah se lembra das histórias de sua mãe.
— Poderia me informar onde tem um mercado aqui perto? — Ela pergunta enquanto continua encarando o chão com olhar distante.
— Saindo pelo portão, você atravessa a avenida, sobe uma quadra a direita e depois vira à esquerda. Logo verá um mercadinho pequeno, pessoal gente boa! Fazem até fiado. — Ele explica o caminho enquanto termina de mastigar um pouco de comida. — Obrigada! Até mais! — Sarah se despede dele caminhando a passos acelerados em direção ao portão.
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