Índice de Capítulo

    — Reagrupar! — Uma voz trêmula e grossa, ecoa sufocada pelo capacete no interior de uma das naves. Então os androides começam a convergir em direção ao centro do convés.

    Após alguns passos mais acelerados, um raio corta o horizonte além da proa. Sua luz projeta uma sombra aos pés de um dos androides, que ao encarar o chão, sente um frio subir sob o traje e pela coluna, até chegar no pescoço. Ele se vira apontando sua arma na direção da proa. Buscando ver o horizonte, sua visão observa de relance algo deslizando na sua direção.

    O navio volta a se inclinar.

    O androide até tenta encaixar seu olhar no vulto, mas quando começa a abaixar seu rosto, sente um forte impacto na sua base, o fazendo perder o contato com o chão. Seu corpo já está colidindo contra o convés quando lança um rápido olhar para trás na direção da trajetória do vulto. Ali ele encontra uma figura feminina toda molhada, deslizando por alguns metros antes de plantar os pés no chão. Com esse tranco, ela descola do convés sem perder a direção, e despencando em direção a um de seus colegas.

    Em seu desespero, ele tenta agarrar sua arma que está caída ali do lado, mas seu corpo pesado sente o efeito da gravidade que o puxa para a direção de seu colega, o afastando de sua arma.

    Ao se voltar para a direção da figura misteriosa, tudo que observa é o colega de antes ganhar forma. Uma silhueta feminina se desenha sob o traje enquanto busca algo nas costas, e depois volta uma das mãos para frente, que agora brilha coberta por um líquido azul.

    Ao chegar nela, ele tenta agarrar suas pernas fixas ao convés enquanto o navio termina de apontar para cima. Sua colega o encara por um momento, então a viseira se abre em sua direção. Enquanto se segura nas pernas, observa as luzes do traje dela começarem a perder força.

    Uma face feminina. Pele clara, olhos azuis e sobrancelhas douradas, surgem o encarando. Em seus lábios carnudos, um pouco de líquido azul escorre de um lado sumindo para dentro do traje.

    — Está na hora de pagarmos pelos nossos pecados! — Uma voz feminina, doce e forte ecoa pelo caos. O atingindo em cheio.

    Sua face se volta para cima, agora encarando aqueles olhos azuis. Então sua viseira também se abre, expondo sua pele clara, sobrancelhas alaranjadas e olhos verdes como safiras. As gotas despencam e se misturam com as lágrimas que escorrem invisivelmente por sua pele.

    — Para sempre! — Em um último e sereno ressoar de palavras, seus pés se desprendem do convés, enquanto o brilho das linhas vermelhas desaparece. Então ela despenca, deslizando para baixo, pelo convés inclinado, seguindo o fluxo contínuo do universo.

    Ele, com um último ato de força, consegue fixar suas solas no convés. Ao lançar um longínquo olhar, lá na frente. Aquela figura está de pé na lateral de um contêiner, olhando fixamente para ele enquanto segura uma adaga reluzente em sua mão direita. Do lado esquerdo dela, o corpo de sua colega jaz afundado na lataria avermelhada.

    Em um ato de consentimento para com aquelas últimas palavras. Ele abre os braços enquanto se desprende do convés. Despencando, acompanha as trajetórias das gotas em direção ao destino de toda existência.

    — Para sempre! — Um sussurro quase imperceptível, seguido de uma última baforada de ar pelo nariz, demarcam um último ato incompreendido. Mas aceito com convicção por Sarah e sua adaga que brilha um pouco mais a cada centímetro que o corpo se aproxima sobre ela.

    Uma fração de segundo foi o suficiente para a adaga perfurar o tórax, e seu braço servir como amortecedor para a queda daquele corpo entregue. Suas linhas vermelhas se apagam junto ao brilho de sua arma enroscada na lateral de um contêiner lá no alto. Usando toda força de seu corpo ela evita que ele se choque com o metal.

    Após alguns segundos, ela libera o corpo que cai sutilmente sobre o contêiner.

    Nesse momento, o navio está iniciando a trajetória de voltar a proa para o mar. Quando se choca com a água, o baque faz tudo estremecer, e com isso os corpos dos dois despencam no convés. Um de cada lado dela, que encara o chão manchado de azul. Seu punho também não passa despercebido enquanto goteja a mesma cor.

    Feixes de luzes se guiam em sua direção, a expondo perante a escuridão. Sua jaqueta marrom e molhada, insiste em balançar de forma lenta. A luz reluz seus fios negros que escondem sua face. Seus braços são a única parte de sua pele exposta sob a chuva. Dois androides surgem nas laterais do navio, mirando suas armas na direção de onde foram informados. A única coisa que avistam, é um vulto sumindo pelos containers, indo em direção da proa. Eles também observam os dois androides caídos sobre poças de seus próprios sangues.

     Gritos de fúria surgem abafados enquanto eles correm para o centro do local, à procura do alvo da noite. Quando estão prestes a chegar no lugar onde ela sumiu. Feixes de luzes vermelhas, começam a ser disparados das naves acertando vários containers e o convés. Derrubando grãos e metal, tudo começa a desmoronar com um único objetivo.

    Ao chegarem no local planejado, seus olhares se perdem no caos a frente. Em instantes, suas pupilas azuis, se dilatam dentro de seus trajes ao contemplarem ao fundo de tudo, uma onda surreal de grande no horizonte. Tão grande que obriga as naves a cessarem o ataque e subirem desesperadamente para o alto.

    Sem perder tempo, todos os androides fixam suas botas no convés e se agacham um pouco. O silêncio volta a tomar conta do ambiente até então caótico. Nenhum deles ousa levantar a cabeça para contemplar a visão que se aproxima. Alguns, até colocam um braço dobrado a frente como uma ínfima barreira a mais.

    Irreparável, irrefutável, são as palavras que dançam junto da onda que se esvai com a delicadeza que antes nem fez questão de ter. O mar com toda sua autoridade, reivindica o que agora é seu por direito.

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