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    7º Dia

    11h44

    Acordo sonolento, meu relógio biológico está todo bagunçado devido à ausência de um horário padrão para dormir. Estes últimos dias foram atordoantes o suficiente para me deixarem mais acabado do que o de costume. 

    Vejo o delicado rosto de Mikoto escorado em meu peito. Pelo oscilar de sua respiração constato que ela ainda está dormindo. 

    Ficamos acordados até tarde, e não faço a mínima ideia do horário em que consegui adormecer. Estimo que eu tenha desfrutado de um pouco mais de quatro horas de sono.

    Observo os feixes de luz passando pelas frestas da cortina e então me dou conta que pode estar mais tarde do que eu imaginava.

    Espere, já está bem claro lá fora. Como estamos no inverno, poderia chutar umas oito ou nove horas talvez?

    Olho para o relógio preso na parede e percebo que estou redondamente enganado, pois os ponteiros já apontam quase meio-dia. 

    Ela surtará quando perceber que horas são.

    — Bom dia, Johann. Dormiste bem? — fala esfregando a mão nos olhos.

    Estranhando meu silêncio e meu olhar fixado para o alto, ela pergunta.

    — O que foi? Algo errado? — vira-se para a direção na qual fito e ao ver o relógio exclama enquanto se levanta assustada — Céus, nós dormimos além da conta! Quanta irresponsabilidade da nossa parte…

    Pelo menos ela tomou para si a culpa uma vez na vida. Segundo o que me recordo do anúncio do jogo, o prazo encerra-se aproximadamente às oito horas da noite. Não sei se será possível consolidarmos um contra-ataque faltando tão pouco tempo.

    — Aparentemente estamos ferrados. Com isso, temos apenas cerca de oito horas para encerrarmos o jogo — comento.

    — O tempo é unidirecional e a manhã que perdemos não voltará, não importa o quanto lamentamos — fala enquanto levanta-se — Vamos focar nestas oito horas restantes, estas serão o bastante, elas precisam ser.

    — Sinto muito por ser tão pessimista, mas você realmente acha que conseguiremos vencer com um prazo tão apertado? Estou realmente me esforçando para visualizar alguma chance de vitória.

    — Sendo honesta contigo, eu não sei, tudo é muito incerto. Não posso premeditar o futuro. Todavia, é o nosso futuro que está em risco e refletir se de fato nós podemos vencer não é uma discussão relevante. Só nos resta agir, nada mais, pois na pior das hipóteses o resultado da nossa falha será idêntico ao da desistência.

    — Apesar de o seu discurso ser mais pé no chão, falando deste modo, você até me lembrou a Miyu. Desde que entramos nesta loucura, ela sempre tentou se manter otimista e dizia que todos iríamos escapar vivos daqui. Infelizmente, o destino preferiu não ouvi-la e levou o Shou. Discursos bonitos não têm significado algum.

    — A respeito do otimismo em si, tu estás correto. Na verdade precisamos ser pessimistas, e deste modo nos prepararmos para o pior cenário. De fato, o poder da amizade da tua amiga não foi capaz de salvar aquele garoto, da mesma forma, o amor que sinto por ti também não te salvará. Sentimentos por si só não fazem nada, mas eles podem servir de catalisador. Por causa deles, irei fazer tudo o que estiver ao meu alcance — sorri serenamente.

    Ok, eu admito. Você me venceu de novo.

    12h12

    Ficamos por alguns minutos tentando improvisar uma abordagem diferenciada para encurralarmos Ailiss. Até que, baseados em nossa última investida, chegamos a um possível candidato.

    — Então, acha mesmo que este plano pode funcionar? Parece-me insano demais para dar certo — pergunto.

    — Possivelmente. Todavia não temos ideia melhor e tentar elaborar algo muito complexo de última hora não irá funcionar. Logo, vou apostar todas as minhas fichas em ti — Ela replica.

    — Quanta honra ouvir isso de você. Isto posto, devo trabalhar duro para não decepcioná-la — pauso — Ou ao menos tentar…

    — Fica tranquilo com isto. Certamente tu não irás quebrar minhas expectativas. Não costumo confiar em alguém de potencial duvidoso.

    Mesmo assim, é algo que depende de muitas ações independentes. Mikoto também deve ter percebido, porém quer me manter com a moral em alta e assim potencializar a chance de sucesso.

    — Pois bem, vamos entrar em contato com os outros para pôr a operação em prática? — levanto-me e vou em direção à porta.

    — Sim, quanto antes tratarmos das ações periféricas, melhor. Irei marcar uma reunião com todos agora mesmo para passar todas as instruções.

    Duas batidas repentinas na porta cessam a nossa discussão.

    Tratando-se de um inimigo, ele não deveria avisar sua chegada. Mas não posso simplesmente assumir isso, pois talvez esta seja justamente a intenção dele.

    Entreolhamo-nos, e assentimos em abri-la. 

    A abro com cautela, mas logo me tranquilizo. Trata-se apenas de Haruki, porém ele está com uma expressão de apreensão.

    — Kaichou! Estamos com graves problemas! — exclama Haruki.

    — Primeiro acalme-se, se tu falares ofegante nós não entenderemos absolutamente nada. Então os disserte detalhadamente.

    — Acho melhor que vejam com os próprios olhos — aponta para fora.

    Saímos da sala do conselho e seguimos Haruki pelos corredores do bloco principal. Em seguida, ele para em frente a uma das janelas e aponta para que observemos para fora.

    O seguimos e ao atender sua solicitação levamos um susto. 

    É uma cena de doer os olhos, diversos corpos espalhados pelo pátio da escola. Não há para onde refugiar a vista de tamanha atrocidade, estão por todo o lugar.

    — O que diabos aconteceu por aqui? — pergunto.

    Não fomos capazes de ouvir nada. Isto claramente deveria ter gerado um caos suficiente para nos acordar.

    — Ela está fazendo uma chacina lá embaixo. A própria fez questão de disseminar a informação de que era uma jogadora para atrair mais gente para o seu esconderijo. Lá todos estão tendo o mesmo fim que o nosso ataque de ontem — explica Haruki.

    Os corpos apresentam algo peculiar, rastros vermelhos. É como se todos tivessem se arrastado até onde estão, deixando uma trilha de sangue misturada com a neve.

    Entendo, então foi por isso que não ouvimos nada. Também não houve gritos, pois seriam como um sinal “Ei, estamos aqui. Venha nos matar”. No fim, ela aguardou deliberadamente até o tempo estar beirando o limite para encurralar os ratos desesperados, e então os estrangular como uma serpente.

    — Eles não foram baleados no local onde se encontram, não é? — Mikoto também percebe que algo estava estranho.

    — Sim. Pelo que me consta, foram arrastados até ali. Não sei o que ela pretende com isso, não faz o menor sentido, mas aquela garota espalhou as vítimas pelo pátio. Como eu disse, a maioria deles provavelmente tentou invadir o esconderijo dela e foram mortos lá mesmo.

    O que ela quer com tudo isso não é tão difícil de deduzir, isto só pode significar uma coisa. 

    Mais uma vez Mikoto tira as palavras de minha boca.

    — Tu não achas óbvio o que ela está tentando fazer? Nada mais, nada menos que uma provocação barata. Essa garota está querendo chamar a nossa atenção.

    12h41

    Depois de termos visualizado melhor as condições nas quais a escola se encontra, decidimos organizar a nossa última roda de conversa. Viemos até uma sala de aula qualquer, pois a sala do conselho seria um local muito óbvio para receber um possível ataque, e expomos o procedimento para os demais membros.

    — Basicamente esta é a ideia na qual Johann e eu pensamos às pressas. Com isto em mente, posso comunicar o papel que vós precisareis cumprir até o momento do nosso ataque — explica Mikoto.

    — Kaichou, pelo que eu pude entender, você dividirá essas três tarefas secundárias entre a gente. É isso mesmo? — Miyu levanta a mão e pergunta.

    — Parcialmente é isso. Contudo, ainda precisamos atender a alguns requisitos que eu os classificaria como passivos.

    — Compreendi.

    — Muito bem, alguém gostaria de tecer mais algum comentário antes de eu nomear-vos para vossas respectivas tarefas?

    Os quatro permanecem em silêncio dando a entender que ela pode prosseguir com a reunião. Então passam a ouvir atentamente as seguintes ordens de Mikoto.

    — Nakamura-san, como tu me pediste anteriormente, designar-te-ei para vigiar a movimentação de Ailiss. Hasegawa-kun relatou-me que ela não saiu mais do esconderijo, então tu serás a responsável de verificar se esta condição conservar-se-á até a hora do nosso ataque. Qualquer mudança de comportamento deve ser relatada imediatamente a mim.

    — Muito obrigada, Kaichou. Prometo não desapontá-la… hoje aquela maldita não escapa. Ela irá pagar por toda a maldade que fez conosco e com nossos amigos que se foram — responde Natsuki com determinação no olhar e punhos cerrados.

    — Já tu, Hasegawa-kun, deverás explorar a instalação elétrica do antigo bloco. Quando achares os dijuntores, entra em contato com o Johann, ele saberá como proceder.

    — Acredito que não terei muitos problemas com isso — assente com a cabeça.

    — Por fim, Yoshida-san e Matsumoto-kun. Vós, junto a mim, tereis o papel mais trabalhoso. Iremos trabalhar na questão da luminária, como estarei envolvida, não há o porquê detalhar o que deverá ser feito. Portanto, explicar-vos-ei durante o procedimento.

    — Com licença, Jocchi, Kaichou. Surgiu-me uma dúvida nisso tudo. Mesmo que ela não pretenda sair de dentro do esconderijo, provavelmente poderá ouvir quando movermos a luminária do ginásio. Como devemos proceder? — Manabu ergue a mão e pergunta preocupado.

    — Ah, claro. Já ia esquecendo-me deste detalhe. Realmente precisaremos abafar de alguma forma o som. Esta parte da ideia é de exclusividade do Johann e o próprio irá implementá-la, portanto culpai a ele caso não obtenhamos sucesso — responde Mikoto.

    — Ei… Cadê aquele papo de que confiava em mim e estaríamos juntos nesta? Na hora do aperto você pula fora do barco? É isso mesmo o que eu ouvi? — resmungo.

    — Tu irritas-te muito fácil, não precisas ficar zangado. Eu estava apenas brincando contigo — diz com uma cara de deboche.

    É difícil distinguir quando ela fala sério ou não, sua expressão está séria quase o tempo todo.  Para falar a verdade, acho que ela só ri no momento em que está tirando uma com a minha cara. O que me faz pensar que caçoar de mim deve ser a única forma de entretenimento que ela consome.

    Ela volta o olhar para os quatro e agora parece que todos entenderam os seus respectivos papéis.

    — Como o meu trabalho é o mais independente daqui, vou indo em frente para aprontar tudo o mais rápido possível — comenta Haruki.

    — Certo, quando encontrar o local avise-me — digo a ele.

    — Estou contando com o seu apoio, Johann-san — levanta-se.

    — Ah, falando nisso, eu também preciso ir. Aquela nojenta pode começar a agir a qualquer momento. Pretendo começar a vigiá-la agora mesmo, e se ela abaixar a guarda irá sofrer as consequências de comprar briga conosco — Natsuki fala e levanta-se.

    Ambos deixam a sala de aula, ao mesmo tempo em que Haruki tenta acalmá-la para que não tome uma medida imprudente. 

    — Matsumoto-kun, se não for pedir muito, poderias ir à nossa frente adiantar a questão da luminária? Johann e eu iremos agora providenciar o abafamento sonoro, e seria interessante que um de vós fosse conosco — Mikoto explica e encara Miyu.

    — Tudo bem, Miyucchi vá com eles. Verei o que consigo fazer até vocês chegarem — diz Manabu sorrindo enquanto anda em minha direção. 

    Então ele para ao meu lado e sussurra 

    — Jocchi, eu não tenho a menor ideia de como fazer isso.  O que eu faço?

    Foi o que eu imaginei.

    — Boa sorte.

    Manabu, assim como os outros dois, dirige-se ao seu posto de trabalho.

    — Então, de que maneira conseguiremos abafar o som das luminárias? — indaga Miyu.

    — Quando chegarmos lá você saberá — respondo.

    — Ei, Johann-kun! Deste jeito você só me deixa mais curiosa! — encara-me zangada.

    — Pois bem, vamos indo também. Assim tu não precisarás suportar a curiosidade — diz Mikoto.

    E dessa forma, Mikoto, Miyu e eu também tomamos nosso rumo.

    Todos estão fazendo a sua parte na medida do possível, e claramente cada um com sua motivação. E assim, com todos os peões em campo, o nosso confronto final contra Ailiss começa a se encaminhar.

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