Índice de Capítulo

    13h56

    Miyu, Mikoto e eu chegamos ao nosso destino. Paramos em frente a uma sala que pode ser identificada por um pequeno letreiro na porta.

    — Oh. Então você pretende usar a sala de som? — pergunta Miyu surpresa.

    — Exatamente, a ideia é abafar um som com outro maior — respondo.

    — Muito bem, podemos colocar as mãos na massa — fala Mikoto ao deschavear a porta.

    Adentramos a sala, e não é muito diferente do que imaginei. Um microfone para passar os recados pelos alto-falantes, alguma papelada sobre a mesa e um computador para inserir sons pré-gravados ou músicas durante os eventos estudantis.

    Sento-me na cadeira e pressiono para ligar o computador. Por ser um pouco antigo leva alguns segundos para abrir a área de trabalho. Finalmente com ele pronto, noto que obviamente está sem internet, da mesma forma que nossos celulares não possuem sinal.

    Como precisa ser um som contínuo, o que melhor serviria são músicas mesmo. Dessa forma começo a buscar por qualquer lista de reprodução nos documentos deste computador.

    — Kaichou, você sempre fala neste microfone, né? Sempre quis falar num desses, me parece ser bastante legal — aponta para o microfone.

    — Eu falo apenas quando existem recados pertinentes. Contudo, se desejas tanto, a qualquer dia desses, tu podes passar algum recado no meu lugar.

    — Sério mesmo?! Estou ansiosa por isso! — sorri ao receber permissão.

    Mikoto assente com a cabeça.

    — Todavia, lembra-te de que para isto ser possível, precisamos vencer esta batalha. Portanto, será necessário que tu mantenhas o foco máximo durante a nossa tarefa com a luminária. Quero produtividade da tua parte.

    — Sim, Kaichou! Pode contar comigo!

    Vendo esta cena, a Miyu até parece um pequeno animalzinho tentando agradar a sua mestra. Gostaria de poder caçoar um pouco dela, infelizmente a minha situação é tão grave quanto.

    Ao mesmo tempo em que elas conversam, consigo identificar uma lista musical interessante para atender a esta tarefa.

    — Acho que já aprontei tudo. Avise-me quando eu puder ligar as caixas de som — falo.

    — Por mim pode ser agora mesmo, quanto antes começarmos a trabalhar na luminária melhor. Vá em frente — replica Mikoto ao mesmo tempo em que tecla um interruptor.

    Pressiono a tecla que aciona todas as caixas de som da escola, e então a música selecionada no computador ressoa pelos corredores do colégio.

    — Ora, que interessante. Quatro estações de Vivaldi? Para falar a verdade, não me surpreende que este seja o teu gosto musical — Mikoto vira-se e comenta.

    — Johann-kun, não sabia que você gostava de música clássica. Poxa, você nunca fala do que gosta! Somos amigos há tanto tempo e eu não sei praticamente nada de você. Poderíamos ter ido a um concerto da cidade — diz Miyu.

    — Não chego a ser um admirador a ponto de deslocar-me da minha casa para assistir um espetáculo. É apenas o meu gênero musical favorito, nada mais, acho que herdei esse gosto dos meus pais — respondo.

    — Por acaso o teu nome é uma homenagem a Johann Sebastian Bach? — pergunta Mikoto.

    — Na verdade, é ao mestre indireto dele. Pachelbel.

    14h32

      Com a música em alto volume propagando-se por todos os alto-falantes da escola, deixamos a sala de som. Miyu e Mikoto irão até o ginásio da escola ajudar Manabu com o deslocamento da luminária. Já eu vou aproveitar para verificar se Haruki conseguiu encontrar os interruptores de energia elétrica da escola.

    O primeiro lugar no qual Haruki deve estar procurando é no bloco do esconderijo da Ailiss, pois certamente há um disjuntor próprio para cada bloco. 

    Então vou até lá e inicio a minha busca por ele.

    Não demoro muito para encontrá-lo, pois o disjuntor estava pelo térreo mesmo.

    — Conseguiu identificar qual interruptor corta a energia elétrica do porão? — aproximo-me e pergunto.

    — Não. Infelizmente não achei nenhuma legenda informando qual chave corta o quê. E não podemos testar uma a uma, pois ela perceberia a queda de luz se estiver com alguma coisa ligada.

    De fato, todas as legendas estão meio apagadas devido ao desgaste. Como esta construção é antiga e recentemente foi abandonada, a instalação elétrica não teve mais manutenção. É surpreendente que as lâmpadas lá embaixo ainda acendam.

    — A princípio isso não é um problema, basta cortar todas elas simultaneamente. Mas agora que você falou, é bom verificarmos se a fiação vai mesmo para o porão.

    Após algum tempo analisando, fui capaz de constatar quais fios iam realmente para o subsolo, desta maneira agora temos certeza de que ao cortar estes interruptores toda a iluminação do bloco irá cair.

    — Então está tudo pronto? Irá funcionar? — ele pergunta.

    — Sim, basta esperarmos o anoitecer para que o plano seja funcional.

    — Ok. Estarei no aguardo das próximas instruções.

    — Por enquanto acho que você pode auxiliar a Natsuki. É bom ficar de olho nela, pois se ela se precipitar todo o nosso plano será inviabilizado.

    — Tudo bem. Tomarei conta dela, não a deixarei nada impensado para estragar o ataque surpresa.

    Não é exatamente por isso que será inviabilizado. Espero que você não nos odeie por isso.

    Observo as faixas encobrindo seus ferimentos da investida de ontem e pergunto.

    — Como você está? Os hematomas ainda estão doendo muito?

    — Para ser sincero, estão. Foi bem difícil dormir ontem à noite — sorri amigavelmente.

    — Comparado a você e ao Manabu, meus machucados foram muito leves. De certa forma, estou um pouco incomodado de ter sido forçado a apenas observá-los enquanto apanhavam.

    — Pode parecer azar de nossa parte, porém, veja o que aconteceu a todos os outros. Estão todos mortos. Manabu e eu tivemos muita sorte de sobreviver ao ataque daquele demônio.

    — Não consigo ver o lado bom das coisas desta maneira. Logicamente sempre existe alguém numa situação pior do que a sua.

    — Talvez você tenha razão. Entretanto, para mim, contanto que eu saia vivo dessa, já basta. Fiquei surpreso ao ver você e a presidente tomando o papel de isca com tanta confiança, não sei se seria capaz — o tom de voz torna-se sério. 

    — Também se necessita muita coragem para em meio às suspeitas de envenenamento voluntariar-se a certificar que o alimento alheio está seguro.

    — Realmente. A verdade é que eu estava com muito receio de minhas ações. Não sei se conseguiria fazer isso até o último dia. Porém, o meu desejo de reconhecimento impulsionou a minha coragem.

    — Honestamente, sempre interpretei suas ações como alguém que apenas almejava substituir o posto da Mikoto no ano seguinte.

    — Você foi capaz de perceber isto? Não está necessariamente errado. Porém, era apenas um meio para o que realmente buscava: Aprovação — pausa — Ao conhecer a Kaichou, desejei ser aclamado assim como ela é. Claramente não consegui seguir do mesmo modo natural dela, e então forcei algumas atitudes corteses para criar certa simpatia com os outros. Diferente de mim, você é sincero, quem sabe seja por isso que ela gosta tanto de você — sorri.

    Como posso ser sincero se não sei ao certo nem mesmo o que pensar… Minha cabeça mesmo depois de tudo isso continua um caos em relação a Ailiss.

    Despeço-me de Haruki e vou ao encontro de Mikoto, Manabu e Miyu. É possível que não consigamos um bom ângulo de iluminação, logo algum ajuste poderá ser necessário.

    18h08

    Já faz quase meia hora que o sol ocultou-se no horizonte, deste modo, todos os pré-requisitos para colocar o plano em ação foram cumpridos.

    Neste momento, Mikoto e eu estamos mais uma vez em frente das escadarias as quais levam ao porão do bloco, local onde reencontraremos Ailiss. Enquanto isso, Miyu, Haruki e Manabu já estão nos seus postos.

    E na questão de força de combate, felizmente a Mikoto conseguiu mais alguns apoiadores, e esses se voluntariaram para nos auxiliar na batalha. No momento, eles estão com Natsuki, a qual terá a função mais importante de todas. Ainda não sei se deixá-la responsável por isto tenha sido a decisão mais sábia, no entanto Natsuki não admitiria que fosse diferente.

    — Aqui estamos novamente. E então? Está preparada? — faço a mesma pergunta que Mikoto me fez ontem.

    — Para ser sincera, não muito. Na verdade, estou com bastante medo, não tenho certeza do que pode acontecer — Ela responde.

    Devido a sua forte presença, estou acostumado a associá-la a um patamar acima de mim e dos demais. Porém, a verdade é que, apesar de todas as suas atribuições extraordinárias, incluindo o que tange o sobrenatural, ela não deixa de ser uma colegial. Não há como exigir que ela mantenha-se inabalável o tempo todo, para falar a verdade ela já forçou bastante este papel até agora.

    — Achei que você acreditava na eficiência deste plano. Há algo a incomodando? Percebeu algum detalhe que deixamos passar? Talvez seja possível repará-lo de alguma maneira.

    — Nada em específico. Por mais que eu tenha dito que confiava em ti, não é como se eu não levasse em consideração o fato de estar enganada. Já me enganei antes sobre ela… e tenho receio de estar cometendo o mesmo erro agora. Lembra-te de que ela foi capaz de contornar toda e qualquer ação promovida por mim e pelo conselho estudantil nos últimos dias.

    — Eu também me sinto da mesma forma, por mais que nos planejemos de toda forma possível… o futuro é incerto. E normalmente para mim, as coisas imprevisíveis não costumam acabar bem.

    — De fato, passei a experimentar este tipo de fracasso dentro desta conjuração, e especialmente quando se trata desta garota. Ela sempre está um passo à nossa frente, então é difícil para meu subconsciente acreditar que isto não vá se repetir, visto que praticamente tornou-se um padrão.

    A história contada por Ailiss de alguma forma me parece estranha. Se ela realmente pudesse modificar esta realidade à vontade, a ponto de adquirir certa clarividência, creio que tomaria decisões um pouco diferentes. Espero estar certo neste ponto, pois boa parte do funcionamento do plano sustenta-se sobre o fato das alegações de Ailiss serem duvidosas. Não haveria como batalhar com alguém que realmente seja clarividente, qualquer jogada que tentássemos fazer ela já saberia de antemão.

    E isto entra em conflito com algo dito por ela: Diversão. Ela diz estar matando meramente por diversão, no entanto, qual seria a graça de jogar um jogo impossível de se perder? É nesta incongruência que irei apostar tudo.

    Volto-me para Mikoto e vejo que ainda está com o olhar perdido.

    Eu deveria dizer algo que me faça soar legal para animá-la um pouco, mas só me vem frases bregas, que vi em filmes, na minha cabeça.

    — Curiosamente não temo a Ailiss em si — seguro a mão de Mikoto — Em contrapartida, tremulo apenas de pensar em te perder.

    — Johann, tu ficaste bastante fofo de ontem para cá, não? Apesar de ser uma declaração bastante clichê, agradeço pelas palavras. Todavia, não estou no clima de provocá-lo de volta, ainda mais por este tipo de conversa ser um mau presságio antes de algum confronto — dispara um corte e olha para mim, ao ver minha reação prossegue — Não me digas que ficaste chateado?

    Para falar a verdade eu fiquei, porém ao mesmo tempo é exatamente este tipo de tratamento que gosto de receber. Tenho de admitir, talvez eu seja um grande masoquista mesmo.

    — Não, até prefiro que aja assim comigo. Faz mais o seu estilo tratar-me mal deste modo, seria estranho demais se fosse diferente. Vejo certo charme nisso.

    — Tu realmente não bates bem da cabeça, não é? Porém, não vou contrariar os teus gostos esquisitos, já que desta forma tu te submetes aos meus. Bem, tendo isto em mente, dedique-te a derrotá-la, apenas peço-te isso. Pois, assim teremos muito mais dias daqui em diante destinados para eu maltratá-lo mais e mais — ri — De acordo com isto?

    — Com toda certeza. E com esta declaração você conseguiu me motivar. Vamos logo, temos uma inimiga a derrubar — a puxo pela mão e dirijo-me às escadas.

    Ao chegarmos ao porão noto a mesma bagunça de sempre, no entanto agora há outro fator que torna este ambiente ainda mais desgostante, o cheiro de sangue. 

    Será que ela se prestou de retirar os corpos que matou daqui? Pois o ambiente já está cheirando razoavelmente mal. Deveriam putrefar tão rápido? Pelos meus conhecimentos bioquímicos básicos pensei que levariam muito mais tempo para entrar em decomposição, dias talvez.

    Mikoto e eu seguimos entre as estantes em alerta máximo, um cuidando a retaguarda do outro.

    Chegamos até a zona do porão mais livre de entulhos e deparamo-nos com a nossa adversária, a qual aparenta bastante tranquilidade em relação a nossa vinda.

    — Finalmente apareceram. Eu estava aguardando ansiosamente a chegada dos dois pombinhos, a propósito o que eram aquelas músicas? Estavam dançando valsa pateticamente antes de morrer? — diz Ailiss sentada em uma mesa.

    Agora não é a hora de recuar ou deixar-se intimidar pela atmosfera densa que o seu olhar assassino transmite. Iremos lutar até o fim.

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