Índice de Capítulo

    13h02

    Logo após terminar de comer, levanto-me e ando em direção à sala. E como uma fatalidade, mais uma vez, os três resolvem me seguir. Enquanto subimos as escadarias do bloco principal, Manabu e Shou conversam sobre algo que não me importa o que seja.

    Seguindo o caminho para nossa sala de aula, deparamo-nos com uma figura excêntrica com longuíssimos cabelos louros encostada na parede do corredor.

    Antes mesmo que eu pudesse concluir qualquer coisa, Manabu cochicha a primeira hipótese.

    — Uma delinquente? 

    É o que eu também pensaria de imediato, mas não. Aparentemente é a tal intercambista pela qual Shou estava eufórico. A beleza do seu rosto é tão surpreendente quanto a da presidente do conselho. Sinceramente nunca vi outra garota tão bonita quanto elas, então o único parâmetro de comparação para esta garota, é a presidente Yukihara Mikoto.

    Olho para trás e vejo os três hesitando em prosseguir por este caminho. Acho que deve ser uma reação natural a uma presença tão forte como a desta garota. Mas não é meu caso.

    Sou o primeiro a passar por ela, seus olhos permanecem fixos para baixo. Imagino que nossas presenças medíocres sequer devem ter abalado sua concentração. Talvez isso tenha sido uma bênção para eles, somos animais de pequeno porte atravessando o território de um leão.

    Shou cruza por ela com o rosto estático para frente, seus olhos estão arregalados como se tivesse visto um fantasma e aparenta estar suando frio. Acho que ele deve ter abandonado a ideia de investir na garota em questão.

    Porém, há algo um pouco fora do padrão na cena. Ela está vestindo calças. No ocidente é bem comum meninas colegiais terem calças como uniforme, mas no Japão? Ela se recusou a adotar este padrão daqui?

    E então, uma vez afastados dela, eles começam a debater entre si sobre o sucedido.

    — Vai desistir Shoucchi? — pergunta Manabu.

    — Precisa mesmo perguntar? É a mesma situação da Kaichou, ou até pior. Como alguém poderia sobreviver a tal atmosfera — Shou decepcionado coloca as mãos em seu rosto.

    Outra evidência da presença sobrenatural dela é o fato do Shou adquirir o mínimo de racionalidade para concluir que não teria a mínima chance.

    — Assim como a Kaichou, é um raro caso de garota 3D com alma de 2D. Será que há espaço para duas delas na mesma escola?

    — No mesmo mundo você quer dizer — Shou replica ainda inconformado.

    — Eu concordo com vocês garotos, mas algo está me intrigando. Por que ela estava usando calças? — pergunta Miyu.

    — Sério?! Nem percebi isso — Shou responde surpreso.

    13h09

    No momento estou torcendo para que o professor chegue logo, porque sempre quando o professor se atrasa, ele faz um acréscimo no final da aula.

    Sinceramente, por que preciso estar nesta aula de reforço? Ah, é mesmo, isso é minha culpa. Eu fiz um acordo com o diretor de manter 100% de presença, e desta forma não preciso participar de nenhuma atividade extracurricular como clubes.

    Kobayashi Keiko, a representante da turma, entra cabisbaixa na sala de aula. É notável a aura de derrota que transpira pelo seu corpo.

    Miyu vai até ela puxar assunto, pois é natural querer ter proximidade de alguém da alta casta do convívio escolar.

    — Kobayashi-san, aconteceu alguma coisa? — fala toda sorridente.

    — Ai… cara. Não consegui contar para a Kaichou que fui mal no teste de matemática. Felizmente ela cancelou a reunião e então não perguntou o porquê de eu precisar faltar no conselho hoje à tarde — desajeitada coça a cabeça.

    — Por que tem tanto receio em ela saber? Você pode ser expulsa do conselho por isso? — pergunta surpresa.

    — É difícil colocar em palavras, porém quando se vive próximo de alguém tão incrível como a Kaichou, fica um pouco complicado estar em paz de espírito sem manter excelência no que se faz.

    Miyu continua sorrindo preocupada. 

    O professor entra na sala e todos que estão em pé voltam aos seus respectivos lugares.

    Levemente irritado, abre sua bolsa e retira uma pilha de papel. Encarando com muito desgosto as folhas em suas mãos começa a discursar.

    — Muito bem, como vocês bem sabem, a média da turma no exame de matemática foi tenebrosa. Por isso o coordenador solicitou que eu aplicasse aulas de reforço no horário que seria destinado às tarefas dos clubes.

    Ele suspira com um olhar cansado e prossegue. 

    — Estou muito decepcionado com vocês, apenas um aluno não ficou com nota vermelha. Eu esperava mais dos meus alunos, especialmente de você Kobayashi.

    Ela desvia o olhar para baixo como um cachorro que acabou de comer o sapato do dono.

    Então ele olha para mim e diz.

    — Johann, todavia você merece os parabéns por ter gabaritado o teste.

    Assinto por educação e ele prossegue com o sermão, explicando que os estudantes deveriam tirar pelo menos uma hora do seu tempo livre para revisar a matéria.

    O professor começa a aula fazendo os fáceis exercícios de matemática que caíram na prova.

    Até que… as caixas de som ligam chiando às 14h17. Todos voltam seus olhares para elas como um refúgio para o tédio. Eles provavelmente estão esperando algum comunicado inusitado do diretor ou da presidente, qualquer coisa que os tirem dessa entediante aula.

    Para a infelicidade dos meus colegas, a voz esperada não surge, o que gera uma pequena ansiedade coletiva.

    — Será que está com defeito? — cochicha um estudante.

    Logo em seguida o ruído cessa. E finalmente um comunicado, um tanto quanto estranho, é executado.

    — Ei onee-chan, esta é a sua vez.

    — Ah, realmente.

    Eram vozes de duas crianças.

    — Olá a todos! A partir de agora vamos jogar um jogo!

    Isso foi bem inesperado, um trote utilizando os alto-falantes da escola.

    Olho em volta e vejo todos murmurando entre si. O professor permanece fixado no alto falante com expressão de irritação por ter sua aula interrompida. 

    — Certo, o jogo funcionará da seguinte forma. Há apenas três jogadores, todavia não se preocupem, todos podem participar! — a segunda voz prossegue animada.

    Não há estudantes de uma idade correspondente a essas vozes. Ou seja, provavelmente algum funcionário trouxe os filhos juntos, e os travessos adentraram a sala de áudio para aplicar um trote.

    — E as regras também são muito simples, o jogo acaba imediatamente com a morte de um dos três jogadores — continua com a explicação.

    A turma tem uma leve perturbação ao ouvir a palavra “morte”. O que essas crianças andam assistindo para ter uma ideia dessas? Talvez alguém mais velho seja responsável pelo trote e as obrigou a fazer isso.

    — Porém, o responsável pela morte do jogador em questão sofre uma penalidade, seja ele outro jogador ou não, terá o mesmo fim de sua vítima. Ao todo o jogo dura 150 horas contando a partir de agora — a voz animada sofre aos poucos uma transição para algo mais sério e sem vida.

    Todos estão com o rosto estático sem entender nada, isso está realmente ficando perturbador. Obviamente, não tem a menor chance de ser verdade.

    Mas por quê? Porque esta brincadeira está me perturbando tanto assim? Estou sentindo uma angústia muito forte a cada palavra emitida, uma pressão arrasadora toma o meu corpo, como se eu estivesse no ponto mais profundo de um oceano.

    — E não menos importante, ninguém é obrigado a participar! — a animação na voz volta por um instante, mas na sentença seguinte já volta ao padrão anterior — Vocês podem simplesmente desistir saindo pelo portão principal, dessa forma terão sua alma consumida e desaparecerão. O preço para sair do jogo é uma vida.  Os três jogadores logo perceberão que são os próprios.

    14h19

    As vozes das crianças param e os alto-falantes desligam-se subitamente. Olho à minha volta e percebo todos boquiabertos.

    Esta estática é então quebrada por um comentário do professor.

    — Voltem a prestar a atenção na aula! — vira-se para o quadro e resmunga sobre o ocorrido — Essas crianças de hoje em dia… Se prestam até para invadir uma escola para pregar uma peça.

    — É como se uma coisa dessas fosse ser real, não estamos em um filme. Aqui é a vida real — Keiko fala coçando a cabeça.

    É bem provável que ela tenha acreditado nessa loucura e agora está disfarçando para não parecer uma imbecil.

    — A história deles foi bem bolada. Hahahaha — outro aluno comenta em risadas.

    E assim, aos poucos, o foco dos demais estudantes volta-se para o quadro negro e ao som emitido pelos impactos do giz do professor ao escrever.

    — Neste problema, facilmente a dimensão é encontrada pela lei dos cossenos — continua escrevendo no quadro.

    A calmaria não dura muito, desta vez um grito externo joga o clima de volta para um estado de tensão.

    — O que foi isso?! — exclama um estudante ao mesmo tempo em que corre para a janela.

    Aproximadamente setenta por cento da sala levantam-se bruscamente e vão até a janela ver o que acabou de acontecer. Eles espremem-se para matar a curiosidade enquanto o professor tenta fazê-los sentar novamente.

    — Pessoal, mantenham o foco na aula! Eu não tenho o dia todo — reclama o professor.

    — Meu Deus! Parece que alguém morreu! — grita uma colega.

    Morreu? Como assim? 

    — Não saiam da sala, eu vou verificar o que aconteceu — fala o professor.

    Eles ignoram completamente as palavras do professor, e saem correndo porta a fora em direção ao pátio. 

    — Oh céus. Eu não ganho o suficiente pelo trabalho — resmunga e vai atrás deles.

    Aproveito que agora não preciso me espremer para observar e vou até a janela. Vejo um amontado de estudantes em volta do portão principal, aparentemente há gente de todas as outras turmas. Logo em seguida, também avisto os meus colegas de aula aumentando a multidão. 

    Deste ângulo está complicado de entender o que se passa por lá. Talvez eu deva ir para alguma janela dos corredores para ter uma perspectiva mais ampla.

    Sinto que eu deveria procurar por algo oculto nesta cena. A ausência de alguma coisa que nem mesmo eu sei explicar está me perturbando. Meus olhos escaneam todo o ambiente, todavia nenhuma resposta positiva para este instinto que martela em minha cabeça.

    Saio da sala de aula em direção a alguma janela dos corredores para visualizar melhor a situação. Quem sabe de outro ponto de vista eu possa identificar o que está me causando tanto incômodo.

    14h29

    Não estou com saco de ir até o pátio, então ando pelo corredor até encontrar um ângulo bom para entender o que está causando tal alvoroço.

    Deparo-me novamente com uma figura bem conhecida no âmbito escolar, Hasegawa Haruki. Parece que ele teve a mesma ideia que eu, e está vendo a confusão por uma das janelas do corredor.

    — Ah, Johann-san. Como vai? — percebe a minha presença e me cumprimenta.

    — Que surpresa. Você sabe o meu nome? — respondo.

    — Não deveria? Você se destaca pelo seu desempenho escolar e por ser estrangeiro — sorri amigavelmente.

    Ele de fato cumpre o papel de bom moço de maneira impecável.

    Paro ao lado dele e também me debruço na janela para tentar entender o motivo do alvoroço.

    — Bem, tanto faz. Sabe o que está acontecendo?

    Ele nega com a cabeça e aponta para o portão principal da escola.

    — Acabei de chegar, não sei os detalhes. Mas veja que curioso o que está na entrada da escola.

    Vejo muitas roupas de funcionários e professores, mas a que chama a atenção de todos é a de um estudante.

    — O Arai-kun desapareceu na frente dos meus olhos! — exclama uma garota com o rosto em lágrimas.

    Parece que algumas alunas do primeiro ano estão bancando as testemunhas. Mas o que elas dizem é impossível de acontecer. Se bem que eu não ficaria nada chateado se aquele jovem metido e escandaloso tenha realmente desaparecido.

    — Bem, chega de baderna. Voltem já para dentro da escola! — o nosso professor resolve colocar ordem na casa.

    — Mas estamos em perigo! — outra protesta.

    O professor caminha em direção à saída da escola, observa atentamente as roupas dos funcionários e o suposto uniforme de Asahi. Vira-se para a massa de estudantes e fala enquanto cruza o portão.

    — Bobagem! Isso é completamente irreal. Vejam só, eu posso sair livremen-

    No instante em que o professor está encerrando sua sentença, o próprio desaparece deixando apenas suas roupas caindo como prova de que por um momento esteve ali.

    As meninas mais próximas gritam apavoradas.

    — O professor desapareceu também! — outro aluno exclama.

    Bem, julgando pela reação alheia, isso é o que aparentemente os outros enxergaram. O que eu vi me abalou pesadamente, tanto que mal teria condições de gritar ou sair correndo. Estou simplesmente paralisado.

    A responsável pelo “sumiço” do professor está parada logo à frente do portão.  

    A Morte. 

    Foi ela quem ceifou o professor.

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