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    Exatamente como é representada na cultura ocidental, um esqueleto, o total antônimo da vida. Ela está portando uma foice, a qual possui um fio que causa agonia só de se observar. Os buracos negros que ocupam a ausência dos glóbulos oculares transparecem uma escuridão sem fim, é como se eu fosse capaz de ver por trás deles o cemitério donde jazem todas as suas vítimas. 

    — Jocchi, você está bem? — um sussurro inesperado quebra a minha linha de pensamentos.

    Manabu? Então você não consegue enxergar o que acabou de acontecer? Tratando-se do que as crianças falaram pelo alto-falante, este deve ser um sinal de que estou participando ativamente do tal jogo que foi anunciado.

    — Sim, estou apenas chocado. Não é todo dia que alguém some desta maneira.

    — Talvez por eu sempre estar imerso em ficções nas quais isto é possível, não tenha me abalado tanto.

    — Ei Manabu. Você acha que é possível uma pessoa ser capaz de detectar algo que nenhuma outra a sua volta consiga?

    — Hmmm… Deixe-me ver… É bem plausível… Estaria você em uma posição diferente do restante? Como um jogador? — ele pergunta.

    — Gostaria que não, mas é possível que eu seja um.

    — E o que pretende fazer sobre isso?

    Eu não sei. Não sei o que fazer. Além do mais, uma vez que minha morte encerre o jogo, naturalmente vou ser tomado como um alvo.

    Quando penso em replicar para Manabu, noto um vulto movendo-se ao redor da massa de estudantes. Observando de relance, constato uma coloração dourada.

    Encontrei-a. Não posso deixá-la escapar desta vez.

    Tento locomover-me até ela, porém a densa concentração de pessoas atrasa-me cada vez mais. Pouco a pouco ela afasta-se de mim.

    Quando finalmente consigo sair deste emaranhado de gente, já a perdi de vista.

    Ela está em algum lugar, não pode simplesmente desaparecer deste modo.

    Vasculho por um curto período de tempo em torno do local, porém não há nenhum rastro de onde ela possa ter ido.

    Antes mesmo que eu pudesse parar para me lamentar, percebo uma movimentação estranha na multidão. De forma sincronizada todos se viram para trás.

    A única presença capaz de comandar uma multidão com uma espontaneidade desse nível adentra ao pátio com um megafone em mãos. A trajetória da garota divide fluidamente a massa para a sua passagem.

    Por fim, acompanhada dos outros quatro principais membros do conselho, ela para a nossa frente com seu frio olhar azul. Encara-nos por alguns segundos, e percebendo que a agitação finalmente parou, suspira e leva o megafone até seus lábios.

    — Por favor, parai de agir feitos macacos e escutais o que temos a dizer!

    A presidente do conselho estudantil, Yukihara Mikoto inicia seu discurso de forma rude. Porém, ninguém parece incomodar-se com isso. Talvez não se importem de serem depreciados por uma personalidade dotada de muita beleza.

    Sem ligar para o insulto, um estudante ainda desesperado tenta ressaltar o que acabou de ocorrer com o seu colega de classe.

    — MAS O ASAHI-

    O cão de guarda da presidente, mais conhecido como o vice-presidente Tanaka Takashi, nem ao menos deu a oportunidade do rapaz terminar de fazer seu comentário, e o interrompe com um forte grito.

    — CALADO! Deixe a Kaichou terminar de falar! 

    Os outros membros do conselho mais amigáveis, Hasegawa Haruki e Kobayashi Keiko ficam um pouco sem graça diante do clima deselegante que o vice-presidente deixou.

     Já Nakamura Natsuki está apenas tremendo de medo. Questiono-me de como esta menina conseguiu virar representante de classe, ela deve conseguir ter menos atitude do que eu.

    — Ei, Takashi-san. Não é para tanto — diz Haruki.

    — Não se pode interromper a fala de um superior e sair sem punição. Hasegawa-san, você não concorda comigo?

    Ficar no posto de vice-presidente, consequentemente tão próximo da presidente, resultou numa forte idolatria. Contudo, quem acaba replicando a fala do cão é a sua própria mestra.

    — Eu não me lembro de ter te dado permissão para efetuar uma ação tão desnecessária — Ela manifesta-se friamente.

    — Eu só estava garantindo que não a interrompessem — replica assustado.

    — E acabaste fazendo com que eu perdesse mais tempo com a tua manifestação desnecessária do que se simplesmente deixasses o garoto concluir sua fala.

    Takashi arregala os olhos e movimenta lentamente sua cabeça para baixo expressando decepção.

    Eu não queria estar na pele do capacho ali, ele deve estar completamente arrasado com este sermão. 

    Ela joga uma mecha de seu longo cabelo para trás e mais uma vez aciona o megafone.

    — Enfim, o conselho estudantil está ciente das circunstâncias em que nos encontramos, e o que as vozes alegaram pelas caixas de som, como vós pudestes perceber, aparenta ser verídico. Isto posto, vamos manter a ordem entre os estudantes, ao mesmo tempo em que buscaremos um modo de escaparmos de tal “jogo” com o menor número de fatalidades possível. Para isso, precisamos da colaboração de todos. Alguém tem alguma objeção?

    Ninguém poderia ter. Estão todos desesperados, querem acreditar em um ser iluminado para guiá-los para fora dessa bizarrice. E não poderia existir um ser mais iluminado do que Yukihara Mikoto, mesmo diante de uma cena que transcende ao sobrenatural, ela não demonstra nenhum sinal de nervosismo ou insegurança. 

    16h44

    No momento, estamos no saguão da escola, todas as turmas foram convocadas pelo conselho estudantil.

    Desde o tumulto lá fora não avistei a garota estrangeira misteriosa, então não há nada para distrair minha atenção. A presidente também parece que por hora não vai fazer mais nenhum pronunciamento.

    Já que está tudo parado, nada melhor que descansar em algum canto.

    — Aí Johan, supimpa?

    Estava até você vir me atazanar. Ele não deveria estar mais preocupado com a situação em que se encontra?

    — Shoucchi, eu te disse para não perturbar ele. Não se faz isso com um amigo que estava pronto para ter doces sonhos com sua waifu.

    — Mas o que eu tenho a dizer é mais importante que suas waifus imaginárias — Shou vira-se para Manabu enquanto o replica.

    — O que poderia ser mais importante do que isso?

    — Eu fiquei sabendo que faremos dormitórios! — vibra de alegria.

    Prossigo observando com um olhar rancoroso o debate deles. Por que de tanta animação por dormitórios?

    Logo em seguida, dirigimo-nos, até onde está Miyu e os demais alunos do segundo ano.

    Keiko e Haruki estão na frente do grupo dando a entender que passarão as instruções decretadas pelo conselho estudantil.

    Propositalmente sento-me longe daqueles três seres para ouvirmos o que os representantes têm a dizer.

    Haruki começa a falar.

    — Muito bem pessoal, acho que todos já estão cientes de que estamos confinados por quase uma semana dentro da escola. E como o sol vai se pôr logo, o conselho já decidiu encaminhar os dormitórios.

    Keiko apresenta um desenho muito mal feito da planta da escola e discursa em cima dele.

    — As salas ao lado esquerdo do bloco serão os dormitórios femininos. E ao lado direito, estarão os dormitórios masculinos. Haverá um representante para cada sala que será usada como dormitório, e provavelmente será um membro do conselho mesmo. Alguma pergunta?

    A explicação de Keiko parece ter sido completa e, deixando a qualidade do cartaz de lado, nenhuma dúvida paira no ar. Exceto por certo alguém.

    — Eu protesto! Pelas minhas fontes deveria ser um dormitório único! — Shou levanta-se e começa a espernear.

    Como eu estou aliviado de ter sentado longe dele. Todos estão olhando para ele com um olhar de desentendido ou com uma cara de nojo.

    Miyu levanta-se e puxa Shou pela gravata de seu uniforme.

    — Kobayashi-san, não o leve a sério, foi só uma piada — tenta remendar a fala de Shou.

    Shou resiste ao puxão e persiste com sua afirmação.

    — Miyu-chan, eu nunca falei tão sé- AI! Qual foi a necessidade disso?

    Ela dá uma cotovelada na barriga dele de forma nada discreta para calá-lo.

    — É por pessoas como o seu amigo aí que dormitórios separados são indispensáveis — Keiko diz olhando para Shou com desprezo.

    O comportamento habitual não está restrito apenas aos três. Como podem estar agindo tão normalmente, sendo que há poucas horas estavam todos aterrorizados?

    Depois da pequena reunião, os três voltam a entrar em minha órbita e prosseguem papeando sobre os assuntos mais diversos e aleatórios possíveis.

    — Sabem o que eu acho mais sem sentido do que dividir os dormitórios? Não estarem correndo atrás da identidade de um dos três jogadores — Shou faz um comentário.

    A proposição de Shou não é nenhuma novidade. O motivo é óbvio, mas mesmo assim, gostaria de vê-lo dizendo explicitamente isso.

    — E por que deveriam? — perguntei.

    — Basta matar unicamente um dos três não é mesmo? E provavelmente vai haver alguém disposto a se sacrificar pelo grupo.

    — Cala a boca, Shoucchi! Isso é um absurdo! — Manabu responde nervoso.

    — Por que tanta irritação? — Shou assusta-se com a reação de Manabu.

    — Não importa, só não diga algo assim de novo.

    — Concordo com você Manabu-kun, mas não precisa agir desse modo com o Shimizu-kun — Miyu se manifesta.

    — Bem, eu concordo com o Shou. É o caminho mais fácil, não é mesmo? — comento.

    — Mas Jocchi?! — Manabu arregala os olhos.

    — Viu Manabu, até o Johann concorda comigo! É o método mais eficiente, quiçá o único, não podemos negar isso. E o Johann, como é esperto, também já percebeu isso.

    As regras do jogo são demasiadamente simples, e provavelmente intencionais para que essa decisão seja tomada uma hora ou outra.

    — Mas há um detalhe nisso tudo. Eu sou um jogador. O que fará, Shou?

    Miyu passa a me olhar com preocupação. Já Shou, somente desvia o olhar.

    21h37

    Finalmente chega a hora de dormir. Normalmente eu procuro dormir antes das dez horas da noite. O meu estilo de vida resume-se tipicamente ao de um velho e felizmente parece que será o padrão adotado pelo conselho estudantil.

    Fomos designados para dormitórios diferentes, metade das meninas estão sob a vigilância da presidente e a outra metade está com a Keiko e a Natsuki. Já os meninos foram divididos da mesma forma entre o Haruki e o Takashi.

    — Vinte minutos para apagarmos as luzes! — exclama Takashi.

    Em outras circunstâncias eu detestaria estar no grupo deste cara, todavia neste caso foi perfeito. Ele tem o que é preciso para manter a matraca de Shou e Manabu fechadas.

    Observo ao redor, todos estão preparando os sacos de dormir ou cobertores improvisados com o que havia na escola. Chega a ser visível à expressão depreciativa em suas faces, deviam ter alguma expectativa de acampamento na escola, porém acabaram caindo sobre a guarda do membro mais ranzinza do conselho. Diferente deles, eu já estou deitado e apenas aguardo ansiosamente o apagar das luzes para descansar a cabeça deste longo dia. Mas nada se compara a satisfação de ver o pessoal extrovertido tendo seus planos arruinados.

    Volto meu olhar para o teto com um sorriso interno e cerro gradualmente minhas pálpebras.

    — Psiu.

    Aparentemente minha satisfação não pode durar o quanto eu gostaria. Finjo que não ouvi o Manabu me chamando e permaneço em silêncio.

    — Ei, Jocchi — persiste em me chamar.

    Ele não vai desistir enquanto eu não respondê-lo.

    — É para ficarmos em silêncio. Não ouviu? — abro meus olhos e sussurro.

    — Ouvi, mas estamos entediados.

    Entediados? A princípio não estava me importando muito de escapar ou não daqui, mas agora vejo a falta que um turno distante desses dois me faz.

    — Sério, quem costuma dormir tão cedo? — comenta Shou.

    Retiro a minha afirmação a respeito de Takashi conseguir mantê-los calados. Acho que nem Deus conseguiria me dar paz ao lado dessas pestes.

    — Então, o que querem de mim? — pergunto.

    — Jocchi, estamos preocupados com você. Já pensou em algum plano?

    Ora, então ele está pensativo a respeito de algo sério dessa vez? 

    — Plano? Eu já disse que sou um péssimo estrategista.

    Shou manifesta-se mais uma vez.

    — Mas o que você vai fazer a respeito do jogo que está envolvido?

    — Absolutamente nada. Vou fingir que não estou jogando enquanto espero o final.

    — Ei vocês! Já estamos em horário de silêncio.

    Somos interrompidos por um sermão do vice-presidente.

    2º Dia

    06h23

    A quietude do ambiente é repentinamente quebrada.

    — Todos de pé!

    O grito de Takashi tira-me de meu precioso sono. Até parece que estou servindo a algum exército e não fiquei sabendo disso.

    Levanto-me ainda tonto, olho para o relógio, marca seis horas e vinte e quatro minutos. Não que eu possua algo contra levantar cedo, normalmente esta é minha rotina. Contudo, não seria mais interessante manter o povo dormindo? Tornaria o trabalho de vigilância deles muito mais simples.

    — Ainda são seis da manhã! Deixe-nos dormir um pouco mais! — protesta Shou.

    O protesto de Shou contagia os demais alunos do dormitório, a vontade coletiva de permanecer dormindo até o horário de almoço é eminente.

    Takashi franze suas sobrancelhas e replica grosseiramente.

    — Eu não vou dizer duas vezes. São ordens da Kaichou.

    Ah, então ela é a mentora por trás disso tudo? Será que ela planeja manter os horários de aula normalmente apenas por uma questão de ordem? Eu não duvidaria que fosse o caso. Acho que ela leva seu cargo a sério demais e exige um grau de perfeccionismo intangível para os padrões escolares.

    Tendo em vista que são ordens da presidente do conselho, todos que haviam embarcado na luta democrática de Shou pulam fora do barco, acatam as ordens de Takashi e começam a arrumar seus sacos de dormir.

    — E ela ao menos falou o porquê dessas ordens Takacchi? — pergunta Manabu.

    — Takacchi? Ah… dane-se. A questão é um pouco complicada, e não foi me passada muita informação até o momento. No entanto, tivemos alguns problemas com a primeira secretária, Kobayashi Keiko.

    Takashi está bastante tenso enquanto tenta explicar o ocorrido.

    — Problemas? O que exatamente? Ela está passando mal ou algo assim?

    Silêncio. 

    O interlocutor de Manabu apenas olha fixamente para frente. Ele nem precisa responder a pergunta de Manabu. Apenas o seu olhar estático já responde tudo. Mas apenas quando o som das palavras em sua voz amarga alcançam nossos ouvidos que pudemos compreender que a nossa paz seria sentenciada de vez.

    Em curto tom, Takashi responde.

    — Ela amanheceu morta.

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