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    Que sensação horrível está tomando o meu corpo. Déjà vu? Eu por acaso já conheço essa garota?

    Ela franze suas sobrancelhas e começa a andar lentamente em minha direção. A cada milímetro que ela se aproxima a atmosfera torna-se intensamente mais hostil.

    Ao mesmo tempo, Miyu sobe as escadas para verificar o porquê de eu estar paralisado.

    — Aconteceu alguma coisa Johann-k-?! — Miyu ao chegar ao cruzamento de corredores percebe o que me congelou e tem sua fala cortada.

    Provavelmente tem um impacto similar ao meu, o que faz parecer um efeito contagioso.

    Felizmente a chegada de Miyu faz com que a garota pare de avançar e volte apenas a nos encarar. 

    Acho que estou a salvo por hora.

    — Ei! O que vocês dois têm? Viram alguma assombração? — pergunta Shou.

    Manabu e Shou aproximam-se de nós e também percebem a presença feroz da garota. No entanto, os rostos dos dois demonstram mais que estão vendo uma divindade do que uma assombração.

    Acho que eu deveria dizer alguma coisa, porém nada melhor do que perguntar o nome e de onde ela veio me vem em mente. Normalmente é o que é feito, contudo parece-me algo forçado, artificial e patético para iniciar uma conversa, ainda mais se tratando de uma ocasião não muito amigável como esta. 

    É por isso que odeio socializar, nunca há uma solução determinada. O que diabos eu devo falar?

    — Sinto muito, quase nos esbarramos — diz Miyu

    O clima prossegue tenso, a garota continua nos encarando sem manifestar uma palavra sequer.

    — Miyucchi, como ela é uma estrangeira, é possível que ela não fale japonês — comenta Manabu.

    — É verdade! Mas o meu inglês não é lá essas coisas. Como podemos tentar nos comunicar com ela?

    — Hahaha. Permitam-me assumir daqui adiante, vocês podem não saber, mas eu possuo fluência certificada em inglês — alega Shou.

    — Surpreendente, Shoucchi! Por que nunca nos contou sobre esta sua habilidade antes? Poderíamos trabalhar com a tradução de eroges para o ocidente e lucrar muito com isso.

    — Discutimos tal proposta mais tarde, caro Manabu. Por enquanto apenas observe meus dotes espetaculares — gaba-se mais um pouco e finalmente se expressa no idioma almejado — Olá, bela moça. Fala inglês?

    Shou manifesta um inglês terrível, até Manabu e Miyu devem ter percebido a péssima pronúncia dele. No entanto, acho que ela poderia ter uma breve noção do que ele estava tentando dizer. Mesmo assim, permanece estática com seu olhar aguçado.

    — Acho que ela não entendeu o que você falou Shoucchi — diz Manabu rindo aos poucos.

    — Como não?! Meu desempenho foi impecável! É impossível que ela não tenha entendido — replica irritado.

    — Por nada não, mas esqueça da proposta que o fiz. Acho que não é a sua vocação.

    — Fiquem calmos, garotos. Pode ser que ela não fale inglês também. Não sabemos o país de origem dela no fim das contas.

    Dificilmente seria o caso, um ocidental que tem intenções de viajar para outros países tem o inglês como um requisito mínimo. 

    Por alguma razão inconsciente decido tentar o alemão.

    Consegue entender? — pergunto.

    Continua me encarando friamente por alguns segundos e então decide se manifestar.

    Eu te conheço de algum lugar? — a garota replica em alemão com a voz séria.

    Certo, parece que tive a sorte de ela falar a minha língua materna. E esta pergunta foi exatamente o que pensei em perguntá-la. Estamos progredindo e já poupei um bom tempo com isto.

    — Que bom! Ela fala alemão! — Miyu comenta animada

    Ela nem sabe o que a garota disse, por que ficou tão alegre? Ela poderia muito bem estar nos insultando ou dizendo algo pior.

    — Ora, quanta coincidência. Eu pretendia te perguntar a mesma coisa, pois também tive esta mesma impressão.

    — Ei! O que vocês estão falando?! Diga-nos Johann! Não é justo! — diz Shou.

    — Caramba Shoucchi, está tão ansioso assim para saber o que uma garota 3D bonita está falando?

    Poderiam, por favor, esperar nós terminarmos a conversa para questionar o conteúdo dela? Estou tentando me concentrar aqui. Já tenho dificuldades para me sujeitar a algum diálogo com desconhecidos e com vocês tagarelando no meu ouvido fica ainda mais complicado de me comunicar.

    — Calem a boca — a garota fala em japonês.

    Estou surpreso, ela tirou as palavras da minha boca pela segunda vez.

    — Ela sabe japonês?! — Shou se surpreende.

    — Então… se ela sabe japonês, podemos concluir que provavelmente ela entendeu o que falamos até agora e apenas nos ignorou. Está chateado, Shoucchi? Eu vivo lhe alertando sobre esta triste realidade das garotas 3D bonitas, elas simplesmente esmagam nosso coração sem o mínimo de compaixão.

    Quanto drama desnecessário. Por favor, parem de ficar colocando garotas belas em um pedestal e se lamentando por culpa disso. Especialmente enquanto estou tentando conversar com uma delas.

    — Garotos, mais uma vez tenham calma, não deve ter sido isso. Não tirem conclusões precipitadas, isso não é legal. Ao menos deixem ela se explicar — Miyu tenta apaziguar.

    Logo em seguida Miyu vira-se sorridente para a garota, transmitindo de modo não verbal a mensagem de: “Por favor, prossiga”.

    — Não tenho nada a explicar, foi exatamente isso que vocês entenderam. Agora fiquem quietos. Não vou pedir de novo — a estrangeira solta frases curtas e rudes e volta a olhar para mim.

    — Que grosseria… Isso lá são modos de tratar quem está só querendo ajudar — Miyu arregala os olhos e murmura.

    É… Por essa ela não esperava. O modo de falar dela com toda certeza condiz com o seu olhar intimidador. É como se quatro presas desprevenidas estivessem sido emboscadas por um predador voraz. Mas confesso que estou me segurando para não rir da decepção que a Miyu teve com ela.

     — E você? Por que está calado? Diga logo quem você é — Ela indaga irritada em alemão.

    Quê? Virei o alvo de sua irritação assim do nada? O que exatamente eu fiz de errado?

    — Meu nome é Johann Geistmann.

    Mesmo após eu informar meu nome, ela persiste me encarando mortalmente. Não consigo entender qual é a implicância que ela está tendo conosco.

    — O que foi? Reconhece meu nome? — pergunto.

    — Você é idiota? Realmente acha que apenas com seu nome posso associar quem é você?

    Ela está me dando nos nervos. O que ela espera que eu diga? Não tenho nenhum posto relevante para informar, por isso apenas disse meu nome.

    — Nasci na Alemanha e vim para o Japão há alguns anos, atualmente sou um mero estudante do colegial. Assim está bom ou quer detalhes da minha vida pessoal?

    A garota franze ainda mais o rosto, ela não parece estar satisfeita com minha resposta. O que ela espera mais que isso? Ainda não tenho nem uma carreira acadêmica para qualquer informação profissional.

    — O que foi? Vai querer ver meu passaporte e documentos de cidadania? Sinceramente não sei mais o que posso lhe informar.

    — Não é isso. Eu também nasci na Alemanha, o que aumenta a probabilidade de termos nos encontrado no passado. Todavia, sinto que algo não está batendo na sua autodescrição. Há algo de errado nela.

    Como ela pode afirmar isso? Minha descrição foi genérica demais para que uma suposta desconhecida possa apontar alguma incongruência.

    — E o que seria? Por favor, me informe se a minha vida foi uma mentira. Estou muito interessado nisso — replico sarcasticamente.

    — Não é relevante para você. Portanto, por hora, vou apenas assumir que você mentiu.

    Assumir que eu menti? Que raio de reação é essa? Não é mais provável que você esteja enganada? Quem você pensa que é? 

    Olhando para o lado vejo Shou e Miyu observando a situação com olhos arregalados sem entender uma palavra que estamos dizendo.

     Ao mesmo tempo, Manabu parece estar fascinado com o que está acontecendo. Seria por que nunca me viu ser humilhado por uma garota? Ou talvez por ela encaixar-se no pequeno padrão de personalidade de garotas 3D que ele secretamente venera.

    Tudo bem, agora é a minha vez de tentar arrancar alguma informação dela. Talvez eu consiga reconhecê-la, e sabendo que ela teve a mesma impressão, isso apenas dá mais respaldo para tal possibilidade.

    — E você? Qual o seu nome? Quem sabe eu consiga me lembrar de você através dele, logo poderei informá-la se realmente nos conhecemos.

    — Não sou obrigada a dizer — vira o rosto.

    Isso realmente me tira do sério, acho que só não explodo de raiva ainda porque a sensação de intimidação que ela passa é muito maior. Vou manter a calma e tentar dialogar com ela, por mais complicada que possa ser.

    — Olhe bem, alguém retraído como eu não está nem perto de um exemplo de educação e cordialidade. Mas até mesmo eu tenho ciência de que o mínimo que se espera ao perguntar o nome de alguém é que esteja disposta a dizer o seu.

    — Se você é alguém “retraído”, pode entender perfeitamente que estou me lixando para tais normas de condutas e discursos prontos. Por que eu teria a obrigação de segui-las?

    Vejo que tentar dialogar com ela será um desperdício de energia. Posso arranjar outros meios para conseguir a informação que eu quero. Certamente o nome dela deve estar nos documentos da diretoria, afinal ela precisou se matricular para realizar o intercâmbio. Talvez Keiko ou algum outro membro do conselho possa saber onde eu consigo encontrar tais informações.

    Espere. Há algo de errado nisso tudo.

    Por que estou tão envolvido por isso? Nem pareço eu mesmo, o que mudará saber quem é a garota em questão? O que mudará em saber o nome dela? Nada. 

    O que está havendo comigo? Claramente não é apenas o comportamento alheio que está fortemente alterado dentro desta realidade. Acho que estou sendo influenciado por isso também.

    Prossigo a olhando sem saber o que replicar neste caso.

    Ao perceber que eu não teria mais nada a acrescentar, a garota dá o assunto como encerrado, coloca as mãos no bolso e dá as costas sem dizer mais nada.

    Não consigo nem terminar de digerir a bizarrice que foi o encontro com esta garota misteriosa, que os ansiosos de plantão já investem em minha direção.

    — Caramba Johann, sobre o que vocês falaram?! Não estávamos entendendo nada! — Shou ao ver que a garota saiu do nosso campo de visão, questiona-me com uma animação desproporcional.

    — Nada demais, ela apenas perguntou meu nome e me insultou sistematicamente. Pensou que me conhecia, mas no fim o que tudo indica é que era um engano.

    — Ai que alívio, o olhar dela foi tão assustador. Por um instante eu achei que ela fosse bater na gente — choraminga Miyu.

    — Não duvido nada que acabaríamos levando uma surra. Parece que a intercambista infelizmente também está cortada da minha lista amorosa — comenta Shou.

    — Então você vai desistir do seu posto de mulherengo? E vai negar que garotas autoritárias não são mais atraentes? — fala Manabu em meio a risadas.

    — Eu amo garotas, mas garotas normais! Acho que só alguém doente como você Manabu para tentar encarar algum relacionamento com garotas desse tipo. 

    — Eu? Já disse que minha devoção é somente para garotas 2D, mesmo que uma garota 3D tenha alma de 2D ainda não é para mim. Acho que ela se qualifica mais no tipo do Jocchi mesmo.

    — Você só pode estar louco, Manabu. Não sou nem um masoquista — retruco.

    Não consigo esperar nada de bom vindo dela, mas ao mesmo tempo essa sensação que a conheço persiste. Estranhamente, conforme a minha irritação com ela está passando, mais acho que foi engraçado o modo dela nos tratar.

    21h18

    Eu costumava gostar tanto do horário de dormir, mas uma ansiedade muito grande está me perturbando, isso é tão estranho. 

    Um sentimento diferente está me acompanhando nesta noite, uma sensação de dever? Há algo que eu preciso cumprir? O quê?

    Pelo visto, a ausência de Haruki voltou a ser percebida. Pude notar que este comportamento estranho perde ou ganha força conforme o ambiente no qual estamos. Como este ambiente foi fortemente relacionado ao incidente que ocorreu com ele nessa madrugada, imagino que os outros fiquem mais suscetíveis a lembrar dele. 

    — Isso é muito injusto — lamenta Shou.

    — Desde que o conheço, o Harucchi sempre foi legal com todos — responde Manabu.

    — Por que logo o Haruki dentre tantas pessoas? Ele era o único do conselho estudantil que não tinha preconceito com a gente. Ao contrário do vice-presidente que só se preocupa com regras e fica enchendo o saco.

    — Ele apenas está estabelecendo tais normas por sua rigorosidade em cumprir o que a presidente decretou— respondo.

    — Olhando por este lado, acho que concordo contigo. Ele só age assim para agradar a Kaichou, que cara obcecado. Ele deveria fazer como eu, e desistir de garotas inalcançáveis. Isso é um desperdício de energia, o correto é buscar garotas factíveis de conquistar. 

    A figura em questão abre de forma brusca a porta do nosso dormitório e visualmente chama a atenção de todos.

    — Como eu pedi antes, todos estão prontos para dormir?

    Todos ficam em silêncio para que ele possa prosseguir com o recado.

    — Eu fiquei como único responsável pelos dormitórios masculino, então peço a colaboração de todos. Já passamos do horário previsto. As regras já foram passadas, certo? Não podem sair do dormitório sem minha permissão. Assim podemos nos organizar melhor para que não ocorra outro incidente.

    — E se quisermos ir ao banheiro ou beber água? — pergunta um colega.

    — Eu planejava não deixá-los sair, mas desde que sejam breves e peçam a minha permissão antes, tudo bem. Estarei de guarda no corredor.

    Com o recado dado, ele rapidamente sai da sala e fecha a porta.

    — Ele não está um pouco mais maleável do que o normal? — cochicha Manabu.

    — Verdade, ainda bem que está de bom humor — Shou replica enquanto suspira aliviado.

    3º Dia

    06h54

    — Todos de pé! — o mesmo grito de ontem é proferido.

    O mundo está acabando?! 

    Nossa, acordar de forma estrondosa sempre me causa um desgosto tremendo. 

    — Céus! Cara, que horas vocês pensa que são?! — exclama Shou irritado

    Olho para o horário em meu celular. Constato que é mais tarde que o habitual, o que terá acontecido? Mesmo eu tendo acordado mais tarde, ainda dormi pouco.

    — Shou, são quase sete da manhã. Não está tão cedo assim — respondo.

    Mas ainda assim, para estar nos acordando desta forma mais uma vez, coisa boa não deve ser.

    — Sério?! Foi força do hábito. Pensei que ainda fosse madrugada… Estou com tanto sono — boceja.

    — O que aconteceu Takacchi? Eu estava tendo lindos sonhos 2D…

    Takashi hesita em responder por alguns segundos. Ele está com olheiras tão grandes quanto as minhas. Deve ter passado a noite inteira em claro, fazendo o papel de guarda para os dois dormitórios masculinos.

    Levando a nossa situação similar a ontem, não é difícil deduzir o que tenha acontecido. Talvez por terem recém despertado, ainda não lembrem exatamente da situação na qual nos encontramos. 

    É bem provável que mais algum estudante tenha sido vítima de envenenamento, o que complica muito mais as coisas para o lado deles.

    — Acho que será mais fácil se eu for direto ao ponto. Infelizmente tivemos algumas perdas durante essa madrugada — pausa — Todavia, desta vez foram esfaqueados.

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