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    O pior de tudo é que consigo imaginar claramente quem foi o psicopata responsável. Ele está parado olhando para baixo a poucos metros de mim. O estado em que ele se encontra é deplorável, pois além de estar com olheiras tão grandes quanto as minhas, ele não deixa de transparecer a sua própria ansiedade. 

    Tal tremor não advém de preocupação com as vítimas, mas do nervosismo de um agressor com receio de ser pego.

    — Até quando isso vai acontecer? — Shou pergunta retoricamente

    — Infelizmente, só nos resta aguardar — respondo.

    — Mas já não aguardamos o bastante?! Quem nos colocou neste inferno já não se divertiu o bastante?!

    Interessante, aos poucos a anomalia do comportamento vai se perdendo, talvez quanto mais o perigo se aproxime de si, menos esse tal “costume” aja. 

    — Provavelmente devemos aguardar até o tempo acabar ou até um dos três jogadores morrerem. Se não me foge nenhuma regra, acho que foi isto que foi estipulado, Shoucchi — replica Manabu.

    — Não pode acabar assim, o culpado precisa ser julgado! Mas por onde diabos ele anda?! Nem ao menos sobre isso temos conhecimento. 

    Mais estudantes chegam para averiguar o caso, mas poucos têm estômago para conseguir permanecer no local. A cena é chocante demais para meros colegiais, alguns curiosos precisaram até mesmo correr para o banheiro vomitar. Sim, a reação alheia está muito mais condizente em relação à ontem. 

    Pelos comentários que pude ouvir de tabela, o óbvio acontecerá. A soberania de Mikoto está mais uma vez em xeque, de nada adiantou o seu discurso polido de ontem. Desculpas e frases de efeito puderam até funcionar uma vez, mas dificilmente serão aceitas pelo público novamente. 

    Chega a ser lamentável. Um discurso de desempenho impecável ser descartado em menos de vinte e quatro horas. Contudo, quem poderia imaginar que haveria um traidor oculto tão próximo a ela. Acho que as coisas não podem continuar assim, ou mais cedo ou mais tarde, Mikoto, apesar de seu esplendor, desmoronará. 

    Pergunto-me se eu deveria colocar Takashi contra a parede para ajudá-la? Todavia, isso acabaria complicando muito as coisas para o meu lado se eu gerar um mal-entendido sobre as minhas ações. Por enquanto, o melhor é sentar e esperar. Somente após verificar os efeitos desta carnificina que poderei tomar alguma decisão.

    08h20

    — Por favor, tenham um pouco de calma. Cada um fala na sua vez, pois da forma que está não há condições de eu entendê-los. Pode ser? 

    Keiko fracassa em estabelecer ordem nos agitados colegiais os quais a cercam.

    — Como quer que nós tenhamos calma? Queremos ver a Kaichou! — exclama um deles furioso.

    — A Kaichou disse que mais nem uma morte iria ocorrer! Ela nos deve explicações — outro grita à distância.

    — Ainda podemos confiar no conselho?!

    Várias vozes manifestam o descontentamento coletivo com o desempenho do conselho estudantil.

    Isso anda me intrigando muito, esta de fato é a reação natural para um bando de adolescentes sem discernimento. Porém por que só agora? E até quando? Se a anomalia voltar a se manifestar pode ser que Mikoto tenha chance de manter a ordem por mais um ou dois dias.

    Então, ironicamente, o suspeito número um aparece e afasta os jovens exaltados que cercam Keiko.

    — Todos mantenham distância, vamos fazer uma reunião coletiva no saguão agora mesmo. Quem possui alguma reclamação, aguarde até a sua hora de falar — comenta com o rosto inexpressivo e olhos arregalados.

    — Quem você pensa que é? Acha que apenas por ser o vice-presidente do conselho estudantil possui alguma autoridade?! — replica um estudante.

    Takashi muda de expressão, o encara com um olhar predador e afasta o rapaz por meio de um empurrão. 

    Após alguns minutos de espera agonizantes, e com a ansiedade da malta as alturas, finalmente Mikoto resolve dar as caras. Minhas expectativas não estão muito altas, pois duvido que a mesma abordagem funcione duas vezes.

    A belíssima presidente caminha de modo sereno e posiciona-se à frente da multidão inquieta.

    Takashi, Keiko e outros membros do conselho de menor patente pedem visualmente para que o público fique em silêncio. Pois da forma que está, todos falando ao mesmo tempo, não dá para se entender nada.

    — Kaichou, você disse que ninguém mais precisava morrer! Você se comprometeu com isto! — grita um garoto, o qual parece ser o mesmo garoto que discutiu com ela ontem a respeito da prima morta.

    Mantém-se em silêncio por alguns instantes para pegar fôlego e dispara a suas palavras.

    — Sim, eu disse.

    A curta replica dela cria uma lacuna de quietude. Ninguém esperava uma resposta tão enxuta e simplista por parte dela, de modo que ficamos quietos por mais alguns segundos esperando ela voltar a falar para complementar essa sua estranha resposta.

    Como isso não aconteceu, o rapaz volta a se manifestar mais irritado.

    — É só isso o que tem a dizer? Isto só pode ser uma piada! Nós confiamos no conselho e nem ao menos tenta nos dar algum esclarecimento ou justificativa.

    — Sinto muito, eu errei.

    Mais uma resposta curta? O que ela pretende ganhar com isso? Não percebe que está meramente queimando sua própria imagem? Neste ritmo tudo irá desmoronar mais rápido do que eu projetava, teremos uma guerra civil dentro do corpo estudantil em pouquíssimos minutos.

    — Isso nós já sabemos! Diga algo relevante!

    — Sobre o que já aconteceu, não tenho mais nada a declarar além das minhas condolências. O que há para ser esclarecido? Nada. Todos nós sabemos muito bem o que aconteceu — pausa e fita sua plateia de ponta a ponta — Não me entendam mal, sei muito bem que falhamos com nosso juramento, e isso se dá ao fato de que eu errei no modo de tratar-vos. Pois vos dei demasiada liberdade e consequentemente ao assassino também — cerra os olhos de modo hostil.

    O discurso dela muda de figura totalmente, ele está muito estranho. Nunca foi de o seu feitio tentar redirecionar a culpa para terceiros como está fazendo agora. Apesar de pedir desculpas e assumir o erro, na prática está jogando a responsabilidade para cima da gente.

    — O que você quer dizer com isso? Que a culpa é nossa? Só pode estar brincando com a nossa cara! — exclama outro estudante.

    — Não, como já disse, a culpa foi minha. Estou meramente explanando o motivo da falha. O qual é consequência de eu ter sido demasiadamente leviana convosco. Por essa razão, mudaremos o protocolo daqui em diante. Então, a partir deste momento serão impostas rígidas regras de comportamento a todos os estudantes. E qualquer deslize que ocorra, o infrator sofrerá severas punições ou até mesmo ostracismo — prossegue falando friamente.

    Keiko e Natsuki estão de olhos arregalados, ao que tudo indica nem os próprios seguidores dela sabiam dessa mudança de postura que ela tomaria. O único que não mudou de expressão foi Takashi. Pelo visto, apenas ele sabia previamente sobre tais decisões. Esta mudança teria alguma influência advinda dele?

    — Você só pode estar louca! Acha que vamos simplesmente aceitar as suas ordens assim?! — o mesmo estudante protesta.

    A sua mudança de postura, eu jamais poderia prever, mas o resultado desta assembleia está ocorrendo exatamente como imaginei. Não, está até pior. Eles não aceitariam a mesma desculpa de novo, menos ainda um posicionamento tão rígido.

    — Sim, eu acho. Seja por bem ou por mal, terão que aceitar. Pois alguém precisa assumir o posto, não de presidente do conselho estudantil, mas de um líder, o qual possui como missão guiar a todos para fora deste jogo. E tal líder não pode ser benevolente como eu costumava ser, e é por isso que corrigirei a minha conduta.

    O estudante continua em pé protestando contra Mikoto.

    — O seu tempo de fala acabou, sente-se imediatamente. Não falarei duas vezes — informa Takashi.

    — Faça-me sentar!

    Takashi lentamente retira os seus óculos e os guarda em seu estojo. Posteriormente avança contra o rapaz sem a menor hesitação, agarra em seu pulso e contorce seu corpo para derrubá-lo ao chão. Após imobilizá-lo, passa a torcer o braço do garoto e pressionar o rosto dele contra o piso. 

    Quanta violência. Não sabia que Takashi tinha reflexos tão aguçados, ainda bem que ele não decidiu me matar ontem por ciúmes de Mikoto.

    Quem parece não estar gostando nada disso são os amigos do rapaz detido. Acho melhor eu sair logo daqui, um conflito entre eles e o conselho é iminente. E quero estar o mais distante possível quando isso acontecer.

    Só tive o tempo de sair do meio do local e me virar. Foi em um piscar de olhos. Mas neste exato momento os estudantes subordinados ao conselho estão utilizando da força para reprimir uma pequena rebelião que faiscou com o protesto do rapaz. Apesar do discurso falho, Mikoto ainda possui apoio o suficiente para dar vantagem ao conselho neste confronto.

    Onde ela estava com a cabeça na hora de decidir agir assim? Não vejo nada de bom advindo deste novo comportamento dela.

    12h32

    — Isso está me agoniando. Só fui capaz de vê-los de relance, mas já foi o suficiente para ficar mal a manhã inteira. Apenas de pensar que podemos ser os próximos… — Miyu comenta abatida ao mesmo tempo em que larga os talheres no prato.

    — Realmente, podemos ser os próximos alvos. Mas eu juro que estarei ao seu lado para te proteger Miyu-chan! Contra mim o assassino não terá chance! — Shou proclama todo animado.

    Falando em morte, lá está ele. Gostaria de dizer que está agindo como se nada houvesse acontecido, mas sua falta de profissionalismo é evidente. Takashi já deixou de agir de forma natural há algum tempo.

    A uma primeira vista, ele realmente está seguindo sua rotina habitual. Mais uma vez experimenta a comida, forçado pela Mikoto é claro. Porém, o tremular dos seus movimentos ainda me intrigam muito.

    Não sei por quanto tempo ele continuará tentando seguir este roteiro, alguma hora ou outra ele pode voltar-se contra Mikoto.

    Do ponto de vista dele não será nada difícil atacá-la. Mas por que ainda não fez? Estaria usando de sua autoridade para manipular as normas do conselho? Mikoto pode ser útil para ele conseguir abater um maior número de vítimas.

    — Vejam, é a garota estrangeira mal educada — fala Miyu.

    — Sinto arrepios somente de lembrar como ela nos tratou — fala Shou.

    Falar com ela seria benéfico para saciar minhas dúvidas e ao mesmo tempo eu teria algum parecer para a Mikoto. Nesta confusa situação, talvez ela seja a pessoa mais propensa a ter as respostas que procuro.

    Então me levanto e decido ir atrás dela.

    — Ei Jocchi, aonde você vai?— Manabu fala me segurando pelo braço.

    — Por que está me impedindo?! Não posso perdê-la de vista!

    — Você está sendo impulsivo demais Jocchi, isso nunca foi de seu feitio — Ele continua.

    Ele está certo. Mas não importa. Eu preciso verificar essa hipótese a qualquer custo.

    — Obrigado por me alertar, mas preciso conferir algo mesmo assim — abaixo o tom de voz e respondo soltando meu braço.

    — Sabia que era impossível convencê-lo do contrário. Então ao menos me deixe ir com você.

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