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    1º Dia

    10h27

    O tempo insiste em não passar, tenho dificuldades de crer que este relógio não esteja quebrado. Não que eu esteja ansioso pela próxima aula, longe disso. Todavia, para que o horário de eu voltar para casa chegue, é preciso que este intervalo também acabe logo.

    Ao passo no qual aguardo entediado pelo fim do intervalo, olho pela janela da sala de aula e vejo a mesma coisa de sempre. Garotas sorridentes e garotos barulhentos emanando esta escandalosa aura da juventude.

    Nada mudou. Dia após dia vivencio isso, e consequentemente é a enésima vez que analiso a minha vida dessa forma.

    Espere.

    Que sensação familiar estou tendo? É estranho, entretanto ao mesmo tempo sinto que já passei por isso algumas vezes. Déjà vu? Não, é completamente diferente, chega a ser agoniante. Um sentimento de impotência está cobrindo o meu corpo, quase como se meu peito estivesse sendo sufocado.

    No momento no qual estou prestes a perder o equilíbrio, escuto a voz de uma colega de aula.

    — Johann-kun, tudo bem?

    — Que foi? — respondo

    Antes que ela pudesse responder, outro elemento intromete-se em meu espaço com leves tapas em minhas costas.

    — Você estava pensando no que cara? Do modo que estava tão concentrado, só poderia ser uma garota. Acertei?

    — Nem todos são como você, Shoucchi. O Johann, assim como eu, prefere garotas 2D — manifesta-se o último membro do manicômio.

    Por que ele me incluiu nisso? De qualquer forma, estes três chatos já estão reunidos para me infernizar.

    — Shimizu-kun, Manabu-kun, parem, por favor!

    — Ei Miyu-chan, eu já disse para me chamar de “Shou-kun”. Por que você só chama o Manabu pelo nome? — protesta Shou.

    — Poxa, isso não importa agora.

    Depois da conversa deles se acalmar, os olhares voltam para mim.

    — O que aconteceu Johann-kun? Você não parecia estar muito bem. O seu rosto estava bastante pálido — pergunta Miyu.

    — Só estava um pouco tonto, no entanto já passou. Não há com o que se preocupar.

    — Tem certeza que não quer ir para enfermaria?

    — Não. Estou bem.

    — Ei, Johann. Eu ouvi falar que a nova enfermeira é bem, bonita. No seu lugar eu mataria aula para ficar um pouco com ela — diz Shou dando tapinhas em minhas costas — Falando nisso… a enfermaria estava bem movimentada mais cedo.

    — É… alguns colegas nossos estavam se sentido um pouco enjoados — Manabu toca em seu queixo pensativo.

    — Eu dispenso. O que eu ganharia estando lá? — respondo.

    — Estaria acompanhado de uma mulher — encara-me surpreso — Espere, você tem alguma preferência por garotas?

    Para falar a verdade, não muita. Existem características que acho mais interessantes, entretanto não é como se eu fosse me relacionar com elas de qualquer forma.

    — Acho que a única que poderia o interessar é a Yukihara-senpai. Ai… eu queria ser como ela quando eu crescer, ela é tão incrível.

    — Miyucchi, a Kaichou é só um ano mais velha do que você — responde Manabu.

    — Eu sei… Infelizmente eu sei que nunca serei como ela. Ao menos queria tentar ser amiga dela— senta-se sobre uma das mesas e larga um suspiro.

    — Apesar de popular, ela não parece ser uma pessoa de muitos amigos, você sabe né? Acho que ela apenas conversa com os outros membros do conselho estudantil por motivos acadêmicos — diz Manabu.

    — Miyu-chan, não se compare com ela. Você é adorável do jeito que é — diz Shou todo animado.

    — Falar é fácil, Shimizu-kun. Imagino o quão difícil deve ser ficar ao lado dela e ser comparada a ela a todo instante. A Kobayashi-san deve se esforçar ao máximo para isso — fala enquanto descansa o rosto em suas mãos.

    — A propósito, Johann-kun, nunca pensou em entrar no conselho? Acredito que pode ser uma atividade engrandecedora para você.

    — Interagir com outros nunca foi meu forte. Juntar-me ao conselho estudantil seria literalmente a última coisa que faria dentro do ambiente escolar.

    — Miyucchi, Shoucchi, desistam. O Johann é do time dos NEETs — Manabu para ao meu lado e proclama.

    — Verdade, nunca o vi saindo socialmente — Shou comenta ainda pensativo, e logo revolta-se de forma escandalosa — Não, Johann, não posso te deixar cair na maldição deste clube. O Manabu é má influência para você!

    — O Manabu é apenas meu vizinho, não é como se ele fosse uma influência.

    — Como a conversa foi parar aqui mesmo? — Miyu questiona com a mão tapando o rosto.

    Você que anda com esses loucos deveria saber melhor do que ninguém.

    Apesar de todas as piadas e risadas que presenciei advinda deles, a atmosfera ainda não mudou para mim. Algo não está certo aqui. Por mais que eu busque, tudo parece estar no seu devido lugar. Não há nada que contradiga mais um dia escolar genérico que estou acostumado, mas este ambiente como um todo parece errado.

    Meu interior grita com todas as forças que isto não pode estar acontecendo de novo. Como não? Seria estranho se fosse o contrário, estatisticamente falando é o natural a ocorrer.

    12h31

    Noto certa movimentação enquanto nos servimos. Ou melhor, falta de movimentação. A fila simplesmente parou. Constato que as garotas que estavam se servindo pararam para conversar com alguém.

    — Ei, Manabu. Consegue ver daí que droga é essa? — pergunto.

    Estando em um ângulo melhor que o meu, Manabu avista o que está chamando atenção.

    — Hmmm, aparentemente tratam-se dos populares do conselho — responde.

    Ah. Nestas horas eu gostaria de criticar as garotas por agirem sem o mínimo de racionalidade, mas não posso. Pois os garotos são no mínimo mil vezes piores, e tendo uma presidente do conselho tão bela, esta proporção torna-se quadrática.

    A fila volta a andar conforme alguns estudantes desinteressados conseguem “furar” a fila. E então posso ver mais claramente do que se tratava.

    — Podemos continuar a conversa outra hora, Asahi-kun e eu precisamos ir. Se não, tomaremos uma bela bronca da Kaichou hahaha — diz Haruki.

    — Ah, que pena! Mas eu também teria medo da Kaichou — responde uma das garotas.

    — Fiquem tranquilas, garotas. Acho que posso almoçar com vocês. O Haruki vai me dar cobertura, né?! — Asahi discursa cheio de marra.

    — Por favor, Haruki-senpai! Devolvemos o Asahi-kun daqui a pouco! — outra garota anima-se com a proposição de Asahi.

    — Hmm. Eu não sei se isso dará- — Haruki tenta responder, mas é interrompido.

    — Isso não seria um problema para o nosso futuro presidente, não?!

    Haruki, então, rende-se. E desta forma apenas retribui com um sorriso enquanto observa o rapaz galanteador sair do recinto cercado de garotas.

    Terminamos de servir-nos e nos dirigimos até uma das mesas mais afastadas no refeitório. 

    — Johann! Você nem sabe o que eu acabei de descobrir! É algo extraordinário, excepcional, estupendo, fabuloso!

    Suspiro e olho para ele dando a entender que deveria continuar com sua fala.

    — Uma intercambista! Terá uma aluna intercambista na nossa escola — exclama com os olhos brilhando de empolgação.

    — E eu com isso? — pergunto.

    — Não disse, Shoucchi? O Jocchi é do time de amante de garotas 2D — Manabu percebe a minha reação de desinteresse e comenta.

    — Não sou. Por favor, me deixem de fora dessa briga retardada de vocês, eu não tenho nada a ver com isso.

    Em um piscar de olhos, Shou está encarando-me freneticamente. E mais uma vez insiste que eu diga algo.

    — Eu suplico. Johan, conte-me tudo sobre garotas estrangeiras. Preciso estar um passo à frente dos outros nessa briga.

    — São normais? Eu acho.

    Caramba, o que ele espera que eu diga?

    Shou emburra a cara e parece não ter ficado nenhum pouco satisfeito com a resposta.

    — Por que não tenta ficar amigo dela? Ela não deve saber muito bem falar japonês — sugere Miyu.

    — Seria mais um aborrecimento na minha rotina.

    — Seu chato, mas chega desse papo. Eu quero falar de outro assunto. Terá uma competição de jogos de tabuleiro, e a premiação está muito boa! — seu rosto sorridente vira-se para mim e continua — Johann-kun, o que acha? Quer participar?!

    — Não tenho o menor interesse — respondo.

    — O quê? Achei que você gostasse de jogos de tabuleiro — Miyu surpreende-se.

    — Não gosto de jogos em geral, são entediantes. Para não dizer inúteis.

    — Achei que você fosse bom com jogos de tabuleiro porque é inteligente.

    — Minhas notas não têm muito a ver com isso, na verdade não tem qualquer relação. Jogos para mim são entediantes.

    — Nossa, Jocchi. Você é muito estranho — diz Manabu.

    Você é o último que poderia falar algo a respeito.

    13h07

    No momento estou torcendo para que o professor chegue logo. Pois sempre quando o professor se atrasa, ele faz um acréscimo no final da aula.

    Kobayashi Keiko, a representante da turma e primeira secretária do conselho estudantil, entra cabisbaixa na sala de aula. É notável a aura de derrota que transpira pelo seu corpo.

    Miyu vai até ela puxar assunto, pois é natural querer ter proximidade de alguém da alta casta do convívio escolar.

    — Kobayashi-san, aconteceu alguma coisa? — fala toda sorridente.

    — Ai… cara. Sinto como se eu tivesse tomado um belo de um sermão — desajeitada coça a cabeça.

    — Da Kaichou? — pergunta surpresa.

    — É… eu avisei-a que precisaria vir a aula de reforço de matemática. Foi terrível — pausa seu relato enquanto se senta, respira fundo e conclui — Ela não me depreciou verbalmente por nenhum instante, apenas o “Hmmm. Entendo” dela foram o suficiente para me jogar para baixo.

    Miyu continua sorrindo preocupada.

    O professor começa a aula fazendo os fáceis exercícios de matemática que caíram na prova.

    Passado algum tempo as caixas de som ligam chiando às 14h17. Todos voltam seus olhares para ela como um refúgio para o tédio. Eles provavelmente estão esperando algum comunicado inusitado do diretor ou da presidente, qualquer coisa que os tirem dessa entediante aula.

    Para a infelicidade dos meus colegas, a voz esperada não surge, o que gera uma pequena ansiedade coletiva.

    — Será que está com defeito? — cochicha um estudante.

    Logo em seguida o ruído cessa. E finalmente um comunicado é executado.

    — Olá a todos! A partir de agora vamos jogar um jogo!

    Isto foi duplamente inusitado. Além do conteúdo sem nexo, é a voz de uma criança. Serviu para chamar a atenção de todos, inclusive do professor.

    — Ei onee-chan, deveríamos anunciar juntos desta vez — surge uma segunda voz.

    Outra criança? O que diabos está acontecendo?

    — É verdade. Desculpe, vá em frente.

    Olho em volta e vejo todos murmurando entre si. O professor permanece fixado no alto falante com expressão de irritação por ter sua aula interrompida. 

    — Certo, o jogo funcionará da seguinte forma. Há apenas três jogadores, todavia não se preocupem, todos podem participar! — a segunda voz prossegue animada.

    Não há estudantes de uma idade correspondente a essas vozes. Ou seja, provavelmente algum funcionário trouxe os filhos juntos, e os travessos adentraram a sala de áudio para aplicar um trote.

    — E as regras também são muito simples, o jogo acaba imediatamente com a morte de um dos três jogadores — continua com a explicação.

    A turma tem uma leva perturbação ao ouvir a palavra “morte”. O que essas crianças andam assistindo para ter uma ideia dessas? Talvez alguém mais velho seja responsável pelo trote e as obrigou a fazer isso.

    — Porém, o responsável pela morte do jogador em questão sofre uma penalidade, seja ele outro jogador ou não, terá o mesmo fim de sua vítima. Ao todo o jogo dura 150 horas contando a partir de agora — a voz animada sofre aos poucos uma transição para algo mais sério e sem vida.

    Todos estão com o rosto estático sem entender nada, isso está de fato ficando perturbador. Obviamente isso não tem a menor chance de ser verdade.

    Mas por quê? Por que esta brincadeira está me perturbando tanto assim? Estou sentindo uma angústia muito forte a cada palavra emitida, uma pressão arrasadora toma o meu corpo, como se eu estivesse no ponto mais profundo de um oceano sendo sufocado por uma imensa coluna d’água.

    — E não menos importante, ninguém é obrigado a participar! — a animação na voz volta por um instante, mas na sentença seguinte já volta ao padrão anterior — Vocês podem simplesmente desistir saindo pelo portão principal, dessa forma terão sua alma consumida e desaparecerão. Não esqueçam: o preço para sair do jogo é uma vida.  Os três jogadores, logo perceberão que são os próprios.

    14h19

    As vozes das crianças param e os alto-falantes desligam-se subitamente. Olho à minha volta e percebo todos boquiabertos.

    Esta estática é então quebrada por um comentário do professor.

    — Voltem a prestar a atenção na aula! — vira-se para o quadro e resmunga sobre o ocorrido — Essas crianças de hoje em dia… Se prestam até para invadir uma escola para pregar uma peça.

    — É como se uma coisa dessas fosse ser real — Keiko fala coçando a cabeça.

    — A história deles foi bem bolada. Hahahaha — outro aluno comenta em risadas.

    E assim, aos poucos, o foco dos demais estudantes volta-se para o quadro negro e ao som emitido pelos impactos do giz do professor ao escrever.

    — Neste problema, facilmente a dimensão é encontrada pela lei dos cossenos — continua escrevendo no quadro.

    A calmaria não dura muito, desta vez um grito externo joga o clima de volta para um estado de tensão.

    — O que foi isso?! — exclama um estudante ao mesmo tempo em que corre para a janela.

    Aproximadamente setenta por cento da sala levantam-se bruscamente e vão até a janela ver o que acabou de acontecer. Eles espremem-se para matar a curiosidade enquanto o professor tenta fazê-los sentarem novamente.

    — Pessoal, mantenham o foco na aula! Eu não tenho o dia todo! — reclama o professor.

    — Meu Deus! Parece que alguém morreu! — grita uma colega.

    Morreu? Como assim?

    — Permaneçam aqui, eu vou verificar o que aconteceu — fala o professor.

    Eles ignoram completamente as palavras do professor, e saem correndo porta a fora em direção ao pátio. 

    — Oh céus. Eu não ganho o suficiente pelo trabalho — resmunga e vai atrás deles.

    Aproveito que agora não preciso me espremer para observar e vou até a janela. Vejo um amontado de estudantes em volta do portão principal, aparentemente há gente de todas as outras turmas. Logo em seguida, também avisto os meus colegas de aula aumentando a multidão. 

    Sinto que eu deveria procurar por algo oculto nesta cena. A ausência de algo que nem mesmo eu sei explicar está me perturbando. Meus olhos escaneam todo o ambiente, todavia não encontro nenhuma resposta positiva para este instinto que martela em minha mente.

    Saio da sala de aula em direção a alguma janela dos corredores para visualizar melhor a situação. Quem sabe de outro ponto de vista eu possa identificar o que está me causando tanto incômodo.

    14h29

    Não estou com saco de ir até o pátio, então ando pelo corredor até encontrar um ângulo bom para visualizar o que está causando tal alvoroço.

    Deparo-me novamente com uma figura bem conhecida no âmbito escolar, Hasegawa Haruki. Ele teve a mesma ideia que eu, e está vendo a confusão por uma das janelas do corredor.

    — Ah, Johann-san. Como vai? — percebe a minha presença e me cumprimenta.

    — Que surpresa. Você sabe o meu nome? — respondo.

    — Não deveria? Você destaca-se pelo seu desempenho escolar e por ser estrangeiro — sorri amigavelmente.

    Ele de fato cumpre o papel de bom moço de maneira impecável.

    Paro ao lado dele e também me debruço na janela para tentar entender o motivo do alvoroço.

    — Bem, tanto faz. Sabe o que está acontecendo?

    Ele nega com a cabeça e aponta para o portão principal da escola.

    — Acabei de chegar, não sei os detalhes. Mas veja que curioso o que está na entrada da escola.

    Vejo muitas roupas de funcionários e professores, mas a que chama a atenção de todos é a de um estudante.

    — O Arai-kun desapareceu na frente dos meus olhos! — exclama uma garota com o rosto em lágrimas.

    — Bem, chega de baderna. Voltem já para dentro da escola! — o nosso professor resolve colocar ordem na casa.

    — Mas estamos em perigo! — outra protesta.

    O professor caminha em direção à saída da escola, observa atentamente as roupas dos funcionários e o suposto uniforme de Asahi. Vira-se para a massa de estudantes e fala enquanto cruza o portão.

    — Bobagem! Isso é completamente irreal. Vejam só, eu posso sair livremen-

    No instante em que o professor estava encerrando sua sentença, o próprio desaparece deixando apenas suas roupas caindo como prova de que por um momento esteve ali.

    As meninas mais próximas gritaram apavoradas.

    — O professor desapareceu também! — outro aluno exclama.

    Bem, julgando pela reação alheia, isso é o que aparentemente os outros enxergaram. O que eu vi me abalou pesadamente, tanto que mal teria condições de gritar ou sair correndo. Estou simplesmente paralisado.

    A responsável pelo “sumiço” do professor está parada logo à frente do portão.  

    A Morte. 

    Foi ela quem ceifou o professor.

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