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    Exatamente como é representada na cultura ocidental, um esqueleto, o total antônimo da vida. Ela está portando uma foice, a qual possui um fio que causa agonia só de se observar. Os buracos negros que ocupam a ausência dos glóbulos oculares transparecem uma escuridão sem fim, é como se eu fosse capaz de ver por trás deles o cemitério donde jazem todas as suas vítimas.

    — Sumiu… como isto pode ser possível — Miyu arregala os olhos e cambaleia para trás.

    Bem, primeiramente preciso julgar o porquê de apenas eu ter visto. Pela informação que nos foi passada a respeito do suposto jogo, os jogadores saberiam que foram selecionados em breve. Portanto, posso induzir que a capacidade de visualizar esta criatura mitológica seja o tal sinal que eu estava aguardando.

    Vejo a multidão de ponta a ponta, e ninguém aparenta estar manifestando-se a respeito disso. O que me leva a concluir que ou os outros jogadores não estão ali, ou no mínimo adotaram a mesma estratégia que a minha.

    Em todo caso, não planejo ficar procurando pela identidade deles. Assumindo que este jogo seja mesmo real, não tenho a menor intenção de participar desta palhaçada. Se for para morrer, aguardarei até o final.

    Shou e Manabu chegam um pouco atrasados para vislumbrar o sumiço do professor.

    — Opa, o que tá pegando lá fora? — Shou pergunta.

    Haruki assustado que estava um pouco afastado de mim e de Miyu, vira-se e responde Shou.

    — O professor desmaterializou na frente de todos. O caso parece real. Bem, vou me juntar ao resto do conselho, nos vemos outra hora.

    Haruki sai do corredor e desce as escadarias apressadamente.

    Prossigo observando a multidão e então noto que de forma sincronizada todos viram para trás, deu-me até a impressão de que praticaram por semanas para fazerem algo tão preciso.

    A única presença capaz de comandar uma multidão com uma espontaneidade desse nível adentra ao pátio com um megafone em mãos. A trajetória da garota divide fluidamente a massa para a sua passagem.

    Por fim, acompanhada de Haruki e dos outros três principais membros do conselho, ela para a frente deles com seu frio olhar azul. Os encara por alguns segundos, e percebendo que a agitação finalmente parou, suspira e leva o megafone até seus lábios.

    — Por favor, parai de agir feitos macacos e escutais o que temos a dizer!

    A presidente do conselho estudantil, Yukihara Mikoto inicia seu discurso de forma rude. Porém, ninguém parece incomodar-se com isso.

    Sem ligar para o insulto, um estudante ainda desesperado tenta ressaltar o que acabou de ocorrer com o seu colega de classe.

    — MAS O ASAHI-

    O cão de guarda da presidente, mais conhecido como o vice-presidente Tanaka Takashi nem ao menos deu a oportunidade do rapaz terminar de fazer seu comentário, e o interrompe com um forte grito.

    — CALADO! Deixe a Kaichou terminar de falar! 

    Os outros membros do conselho mais amigáveis, Hasegawa Haruki e Kobayashi Keiko parecem um pouco sem graça diante do clima deselegante que o vice-presidente deixou.

     Já Nakamura Natsuki está apenas tremendo de medo. Questiono-me de como esta menina conseguiu virar representante de classe, ela deve conseguir ter menos atitude do que eu.

    — Ei, Tanaka-san. Não é para tanto — diz Haruki.

    Vai tentar apaziguar? Já esperava isso vindo dele.

    — Não se pode interromper a fala de um superior e sair sem punição. Hasegawa-san, você não concorda comigo?

    — Eu não me lembro de ter te dado permissão para efetuar uma ação tão desnecessária — Ela manifesta-se friamente.

    — Eu só estava garantindo que não a interrompessem — replica assustado.

    — E acabaste fazendo com que eu perdesse mais tempo com a tua manifestação desnecessária do que se simplesmente deixasse o garoto concluir sua fala.

    Takashi arregala os olhos e movimenta lentamente sua cabeça para baixo expressando decepção.

    Com Takashi com o rabo entre as pernas, ela joga uma mecha de seu longo cabelo para trás e mais uma vez aciona o megafone.

    — Enfim, o conselho estudantil está ciente das circunstâncias em que nos encontramos e o que as vozes alegaram pelas caixas de som, como vós pudestes perceber, aparenta ser verídico. Isto posto, vamos manter a ordem entre os estudantes, ao mesmo tempo em que buscaremos um modo de escaparmos de tal “jogo” com o menor número de fatalidades possível. Para isso, precisamos da colaboração de todos. Alguém tem alguma objeção?

    Ninguém poderia ter. Estão todos desesperados, querem acreditar em um ser iluminado para guiá-los para fora dessa bizarrice. E não poderia existir um ser mais iluminado do que Yukihara Mikoto, mesmo diante de uma cena que transcende ao sobrenatural, ela não demonstra nenhum sinal de nervosismo ou insegurança. 

    16h39

    Estamos no momento no saguão da escola, todas as turmas estão aqui e isso está me irritando demasiadamente. Fico agitado em meio de multidões e mal consigo suportar ouvir tantas conversas em paralelo se sobrepondo.

    — Sabem o que eu acho mais sem sentido do que dividir os dormitórios? Não estarem correndo atrás da identidade de um dos três jogadores — Shou faz um comentário.

    A proposição de Shou não é nenhuma novidade, todos tem ciência disso. O motivo é óbvio, mas mesmo assim, gostaria de vê-lo dizendo explicitamente isso.

    — E por que deveriam? — perguntei.

    — Basta matar unicamente um dos três não é mesmo? E provavelmente vai haver alguém disposto a se sacrificar pelo grupo.

    — Shimizu-kun, isto não é algo legal de se dizer. É a vida de algum de nossos colegas que está em jogo, alguém inocente. Sacrificar algum deles é no mínimo antiético — Miyu o repreende.

    — Bem, eu concordo com o Shou. É o caminho mais fácil, não é mesmo? — comento.

    — Johann-kun!? Você também vai apoiar uma atrocidade destas?! — emburra a cara.

    — Viu Miyu-chan, até o Johann concorda comigo. E o Johann, como é esperto, também já percebeu isso.

    Não precisa ser nenhum gênio para ligar esses dois pontos. As regras do jogo são demasiadamente simples, e provavelmente intencionais para que essa decisão seja tomada uma hora ou outra.

    — Não é uma questão moral, mas sim de sobrevivência — complemento.

    —É muito fácil opinar contrariamente agora. Porém, pode ser que não tenhamos escolha na hora — Manabu conclui.

    — Vocês não têm coração — Miyu responde emburrada.

    Por um instante pensei em dizer que sou um jogador só para ver onde terminaria nossa conversa e qual seria a reação de cada um deles. Porém, é mais sábio suprimir tal desejo e manter essa questão em segredo. Quanto menos pessoas souberem que sou um jogador, menos incômodo terei daqui para frente.

    21h35

    Fomos designados para quatro dormitórios diferentes, metade das meninas estão sob a vigilância da presidente e a outra metade está com a Keiko e a Natsuki. Já os meninos foram divididos da mesma forma entre o Haruki e o Takashi.

    — Vinte minutos para apagarmos as luzes! — exclama Takashi.

    Em outras circunstâncias eu detestaria estar no grupo deste cara, todavia neste caso foi perfeito. Ele tem o que é preciso para manter a matraca de Shou e Manabu fechadas.

    Volto meu olhar para o teto com um sorriso interno e cerro gradualmente minhas pálpebras.

    Até que meu sono é interrompido mais uma vez por um chamado importuno.

    — Ei, Jocchi.

    — O que querem de mim? — pergunto.

    — O Manabu e eu estamos entediados. Não quer jogar cartas escondido? — pergunta Shou.

    — Não quero.

    Já tenho outro jogo para me estressar.

    — Ei, vocês! Já estamos em horário de silêncio — reclama o vice-presidente.

    2º Dia

    08h17

    Já é de manhã? Onde exatamente eu estou?

    Sento-me e observo o recinto à minha volta.

    A escola? De fato. Aquela bizarrice de ontem no fim das contas era real. 

    Acordo bastante tonto pela manhã. Minhas memórias parecem bastante confusas, recordo-me vagamente de ter sonhado com algo muito estranho. 

    O que foi mesmo? 

    Quando tento lembrar do que aconteceu, minha cabeça dói demais. Não consigo rememorar a ordem dos fatos em si, no entanto, as sensações que senti mantém-se firme em minha mente. 

    Eu estava preocupado?

    Um sonho lúcido? Não, estava mais para uma projeção astral. Claramente considero algo assim um absurdo por definição. Entretanto, considerando a existência de estarmos presos numa dimensão sobrenatural, a situação muda de figura. Não posso mais amparar-me em leis científicas para descrever o que é possível ou não aqui dentro.

    Levo as mãos até meu rosto e tento forçar um pouco mais o meu cérebro. Pois sinto que uma informação muito importante está muito próxima. Tenho a impressão de que era algo crucial, que não poderia esquecer de forma alguma. Talvez algum meio de sair daqui?

    Acho que havia alguém importante lá. Mas quem era mesmo? Lembro-me vagamente da silhueta de uma pessoa.

    Não. Na verdade, eram duas pessoas.

    Exatamente. Havia duas pessoas. Acho que era isto mesmo. 

    Por hora, não consigo lembrar-me do rosto de nem um deles, mas tenho a impressão de que essas duas pessoas estavam em um impasse a respeito de algo. Também não sei qual era a minha posição em relação a este conflito, quem sabe eu estivesse mediando aquele possível embate.

    — O que foi, Jocchi? Que cara é essa de que se esqueceu de usar a guia anônima? Está deprimido? — pergunta Manabu.

    — Não estou. Só estou tentando lembrar-me de algo importante.

    Importante? Um sonho é mesmo tão importante? Atribuir significados aos sonhos não tem fundamentação nenhuma. Mesmo assim… não consigo deixar de ficar perturbado com estas memórias incertas. Mesmo sem nenhuma garantia de que seja uma informação válida, ainda quero lembrar-me disso.

    Estou quase lá. É como se houvesse apenas uma porta entre mim e esta informação nebulosa. Porém, a porta está emperrada e não abre de modo algum. Preciso de algum gatilho mental que sirva de chave para acessar essas memórias.

    — O que está o incomodando? Conte-nos. Talvez nós possamos o ajudar — diz Shou.

    — Como vou contar algo que não me lembro? Não há como me ajudarem nisto e se vocês ficarem me atrapalhando, aí então que eu não conseguirei me lembrar disso mesmo. Deixem-me concentrar-me.

    — Carambolas, que cara estressado. Levantou de mau humor, foi? Por isso que ninguém além de nós anda com você.

    Primeiramente, eu não quero andar com ninguém mesmo. E não vejo qual o sentido de usar isso como ofensa, pois o seu caso aparentemente também não está muito distante do meu visto que apenas o Manabu conversa com você.

    — Deixe-o, Shoucchi. Eu o entendo perfeitamente, quando estou concentrado tentando lembrar-me de um sonho 2D, fico assim também. É uma memória muito preciosa, pois só temos acesso a este mundo nos nossos sonhos.

    — Manabu, sinto em lhe dizer, mas não deve ser o caso. Ele deve ter sonhado com belas garotas reais se a sua premissa estiver correta. Se bem que estamos falando do Johann, né? O que será que se passa nos sonhos desse cara?

    Estes idiotas não vão me deixar raciocinar. Quem levaria a sério uma besteira como esta. Agora vão alegar o quê? Que sonhei com a presidente?

    Espere. 

    Agora que me passou esta suposição recordo-me um pouco mais do sonho que tive. Uma das silhuetas misteriosas começa a ficar mais nítida. Talvez ela realmente esteja relacionada. Os dois patetas até que não estão errados nesta história. Bem, um relógio parado acerta duas vezes ao dia.

    Pensando bem… eles realmente estão certos. Definitivamente ela estava em algum ponto crucial deste meu sonho.

    Tenho flashes de lembranças dela e de outra garota que desconheço.

    Conforme avanço, a minha tontura fica mais intensa, mas estou conseguindo captar algumas informações e montar este quebra-cabeça. Estávamos aqui mesmo na escola, talvez na sala do conselho estudantil. 

    Uma mesa, estantes cheias de livros e documentos, e um jogo de chá. Nunca entrei de fato lá, porém julgo que tais características se enquadrem nesta hipótese. O método mais direto de confirmar esta informação seria ir lá pessoalmente, mas não sei se vale a pena elaborar uma justificativa para entrar lá somente por causa de um sonho.

    Além do mais, de modo algum consigo lembrar-me do que estava acontecendo. Apenas do cenário e das pessoas envolvidas. Por qual motivo eu iria até lá? E mais importante. Quem era a segunda garota? Pelos seus fenótipos, posso julgar que claramente não é japonesa. Logo, se ela for real e não apenas um produto da minha mente, só pode ser a tal garota intercambista que Shou mencionou ontem.

    Como a presidente eu já sei quem é, bem como o seu paradeiro, talvez eu deva me ocupar em descobrir a respeito dessa garota misteriosa que é a maior incógnita. O fato de eu sonhar com ela antes mesmo de conhecê-la provavelmente possui alguma relação com este jogo. Para falar a verdade, conceitualmente falando, ela é a figura que me parece mais suspeita.

    Forço mais um pouco o meu cérebro, porém parece que por hora é apenas isto que sou capaz de rememorar. E além do mais, não deveria levar tão a sério um sonho, pois não há garantia alguma que isto tenha relação com a realidade, pode ser um esforço inútil.

    Um evento quebra minha linha de pensamentos.

    — Todos de pé! Não é porque não haverá aula que poderão ficar dormindo até tarde! — Takashi abre a porta e exclama.

    Outros alunos que ainda estavam deitados levantam com um olhar de desaprovação.

    Já está bem tarde, e como fomos dormir cedo, não vejo tantos motivos para reclamar. Contudo, não seria mais interessante manter todo este povo dormindo?

    — E por que não podemos? Só porque você é o vice-presidente pode mandar na gente desta forma? — pergunta Shou.

    Alguns colegas juntam-se a pequena revolta de Shou, e com isso ele ganha certo apoio.

    — São ordens da Kaichou. Sem reclamações, apenas obedeçam ao que lhes foi passado — ajusta seu óculos enquanto explica.

    Ah, então ela é a mentora por trás disso tudo? Será que ela planeja manter os horários de aula normalmente apenas por uma questão de ordem? Eu não duvidaria que fosse o caso.

    Tendo em vista que são ordens da presidente do conselho, todos que haviam embarcado na luta democrática de Shou pulam fora do barco e começam a arrumar seus sacos de dormir como se a discussão sequer houvesse existido.

    Com o recado dado, Takashi sai do dormitório e bate a porta.

    — Eu não gosto nem um pouco desse cara. É um tremendo babaca com o ego inflado — diz Shou.

    O mais engraçado é que ao mesmo tempo em que exerce a sua autoridade ele também é um cão da presidente. Ademais, também nunca fui muito com sua cara, porém, estranhamente estou começando sentir uma repulsa um pouco mais forte por sua pessoa.

    — Bem, não há nada que possamos fazer a respeito, Shoucchi. O jeito é arrumar as nossas coisas e procurarmos por um passa tempo — comenta Manabu.

    — Você tem razão, vou tentar falar com alguma garota, pois temos bastante tempo livre.

    Eles estão realmente encarando isso como tempo livre? Não é possível. Apenas realça a estranheza que este ambiente está me causando. Contudo, este tal tempo livre pode servir para que eu descubra mais a respeito desta estranha sensação e deste enigmático sonho que me perturba.

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