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    Acordar no meio da noite com os gritos de alguém se lamentando sobre o corpo gélido de um amigo não é das melhores experiências. E seria impossível conseguir relaxar depois disso, por consequência estamos todos exaustos pelo incidente que se sucedeu nessa madrugada.

    — O número de vítimas só aumenta. Isso é assustador…  — comenta Shou.

    Se este padrão que percebi estiver correto, provavelmente a anomalia comportamental vai voltar a acontecer e eles deixarão este choque para trás rapidamente.

    — E o pior de tudo é que estamos sem pistas do culpado — fala Manabu.

    O assassino provavelmente deve saber quem é um jogador, pois estaria fazendo roleta russa matando aleatoriamente desta forma, o seu nível de informações comprova isto.

    — Veja, o Takashi está bem abatido — nota Manabu.

    Viro-me para a direção que Manabu aponta e olho para a figura que se isola em um dos cantos do saguão. 

    Até mesmo desta distância percebe-se claramente que ele está com olheiras terríveis, por sinal, tão grandes quanto as minhas. Isso deve refletir todo o aborrecimento de ter passado a noite em claro em vão.

    — Por mais que eu não goste dele. Não acham que devemos tentar falar com ele? — pergunta Shou.

    — Não. Só será pior desta forma — respondo.

    As onze vítimas estão distribuídas entre os dormitórios, de tal forma que não dá para induzir em qual dormitório o assassino está. Também não dá para descartar que haja mais de um, ou até mesmo que estejam agindo em grupo.

    10h06

    Devido ao novo incidente, e de proporção maior, inevitavelmente o conselho precisou reunir os estudantes no saguão da escola para discutir o que seria feito. Claramente isto, apesar dos efeitos da anomalia, não poderia passar batido.

    A ideia central do que foi passada até agora não foi nem uma novidade. Haruki fez até um bom papel tentando acalmar os ânimos do pessoal previamente, logo a hostilidade na atmosfera decaiu um pouco para que pudéssemos dialogar.

    Neste momento, a presidente Yukihara Mikoto está à nossa frente discursando sobre possíveis medidas que serão tomadas. 

    Porém só há uma coisa que está me ocupando a mente no momento: O paradeiro do assassino. Imagino que ele esteja em meio à multidão. Olho em volta atentamente para o rosto de cada um dos meus colegas com certa desconfiança.

    A princípio, dá-me a impressão de que pode ser qualquer um, mas para ele ter contornado o último plano deve conhecer muito bem os passos dela e do vice-presidente.

    — Acerca disso, também peço para que crieis hábitos de segurança, como evitar andar sozinho pela escola. Bem como reportar a mim qualquer atividade que pareça suspeita por parte de terceiros.

    A presidente prossegue com seu discurso, entretanto é subitamente interrompida por um protesto. Um estudante eleva a sua voz quebrando a comunicação da presidente com o público.

    — Isso é besteira! Como vocês ainda querem que confiemos em vocês após tudo o que aconteceu?! Vocês se comprometeram a resolver isso e falharam! — aponta o dedo para ela e os membros do conselho.

    A presidente para de falar no megafone e todos se voltam para o estudante que a interrompeu. Ele estava acompanhado de um grupo de alunos, os quais provavelmente estavam criando uma oposição ao conselho estudantil. 

    — Quem você pensa que é?! Como ousa interromper a presidente em meio à fala?! — O vice-presidente retruca e dá alguns passos à frente.

    — Claro que ousamos, são as nossas vidas que estão em jogo! Coloque-se no nosso lugar! Como espera que fiquemos quietos quando podemos ser mortos a qualquer instante? — o estudante prossegue a protestar.

    Interessante… apesar da insanidade coletiva que esta escola apresenta em relação a presidente, alguns ainda conseguem raciocinar decentemente quando as suas vidas estão em perigo.

    — Ora, seu… — ele cerra os punhos e os encara raivosamente.

    Takashi dá a entender que irá em direção a eles, no entanto bruscamente um som desmonta a cena da briga que estava prestes a se formar.

    Surpreendentemente quem corta a fúria eminente de Takashi é justamente quem ele tentava defender. 

    Um forte tapa marca o rosto do vice-presidente.

    — Tanaka-kun, por favor, para agora mesmo. Esta não deve ser a conduta de um membro do conselho estudantil, muito menos de um vice-presidente. Pelo teu posto, tu deverias saber que eles têm o direito de manifestarem-se — a presidente o repreende.

    A expressão facial de Takashi passa-me a impressão de que ele está completamente perdido, deve ter travado ao receber uma reprovação tão intensa de sua ídolo. A ideia da reprovação em si deve ter doído mais do que o tapa, o qual não foi nada fraco.

    — Mas Yukihara-san, eu só esta- — arregala os olhos e tenta se explicar, porém é cortado novamente.

    — Nada de “mas”, eles estão certos. Mantenhas a compostura e peça perdão por sua atitude e pela a falha de ontem à noite. Teus maus hábitos acabam não só manchando a tua imagem como a minha também.

    — Sinto muito, Yukihara-san. Prometo que nada disso irá se repetir — responde cabisbaixo.

    — Não é a mim que tu deves desculpar-se. Como podes ver, estou ilesa. São a eles que tu deves prestar condolências, foram eles que perderam alguém próximo, e são a eles que devemos satisfações — a presidente replica serenamente.

    Então se vira novamente para o grupo de estudantes que estava protestando e pergunta a eles.

    — Sem querer intrometer-me em motivações pessoais, mas por obséquio, podereis informar-me se vós éreis próximos de alguma das vítimas?

    — Uma das garotas era minha prima — diz com entonação mais baixa.

    Hmmm… logo a minha hipótese de que a anomalia é enfraquecida quando a morte é de alguém próximo permanece em pé.

    — Sei que não irá aliviar em nada o que estás a passar, mas posso dizer que entendo a tua dor, pois eu também perdi familiares próximos — abaixa a cabeça perante o parente da vítima — Então, peço minhas sinceras condolências pela a nossa falha, todavia ao mesmo tempo também peço-te que nos dês uma nova chance. Sei muito bem de que apenas desculpas não irão trazê-los de volta, porém nós poderemos evitar novas vítimas.

    — E-está tu-d-do bem — gagueja ao responder.

    A capacidade de liderança dela ainda me impressiona, nunca deixa de lado seu punho de ferro, entretanto ao mesmo tempo consegue ter o carisma necessário para reconquistar a confiança dos seus súditos.

    — Eu também peço desculpas pelo ocorrido, e vou dar o meu melhor junto ao conselho para que isso não ocorra novamente — Haruki manifesta-se sorridente — E nós, assim como vocês, também perdemos queridos amigos, quero fazer justiça com o que foi feito a Keiko, e escapar dessa realidade que levou Asahi-kun.

    O conselho conseguiu retomar o controle dos alunos, entretanto nem uma falha a mais será tolerada.

    12h43

    O horário de mais uma refeição chegou e, assim como ontem, Haruki voluntaria-se para se servir primeiro e se certificar de que a comida não foi envenenada. Todos aparentam estar de acordo, porém isso está me incomodando um pouco.

    — Algo errado, Jocchi? — Manabu pergunta.

    — Por quê?

    — Você está encarando o Harucchi e a Natsucchi por um bom tempo. Cinco minutos para ser exato. E a propósito sua comida irá esfriar se continuar disperso.

    Realmente eu não sirvo para um trabalho de detetive.

    — Vocês não acham isso no mínimo estranho? Como é possível alguém ter tanta confiança em que a comida a qual provará não estará envenenada? — pergunto.

    — Johann?! — Shou exclama surpreso, vendo que falou muito alto, abaixa o tom e continua — Você está insinuando que o Haruki possa ter um dedo de culpa nisso tudo? 

    — Não necessariamente, se ele partir da ideia de que o assassino não quer morrer, ele pode deduzir que a comida não estará envenenada aleatoriamente.

    — Gente isso não é legal, o Hasegawa-kun é nosso amigo! Não acho correto falar dele pelas costas desta maneira, ainda mais sem uma evidência sólida — comenta Miyu.

    — Eu concordo com a Miyu-chan. Ele é o único membro do conselho estudantil que tem tolerância com os estudantes à margem da popularidade. 

    — Não seria de se estranhar que ele seja gentil ao ponto de correr este risco pelos outros — completa Miyu.

    Com isso encerramos o assunto e continuamos comendo. Mas a possibilidade do assassino ser um membro do conselho não é algo que eu possa simplesmente ignorar. Teoricamente eles são os únicos que podem se mover livremente durante a noite, o que reforça o meu ponto. 

    13h39

    Após pensar bastante a respeito de possíveis suspeitos, eu desisto. Por isso decido ouvir a opinião de alguém que provavelmente esteja alguns passos à minha frente no caso.

    — Ei, Jocchi! Onde está indo? A Miyucchi e o Shoucchi já se perderam da gente.

    — Não precisa me seguir, estou procurando uma conhecida. Gostaria de ouvir a opinião dela sobre o último incidente. E algo me diz que ela não irá muito com a sua cara.

    — Eh? Você tem uns contatos muito estranhos, Jocchi… 

    Você é o mais estranho de todos…

    Ailiss provavelmente deve ter se atentado mais a detalhes do que ocorreu no dormitório feminino do que a Miyu. Dependendo da informação que ela possui, o número de suspeitos pode cair pelo menos pela metade.

    Outro problema que eu não ponderei é: Onde ela está? Todas as vezes que a avistei foi por pura coincidência.

    Enquanto caminhamos pelos vazios corredores do bloco, repentinamente escutamos um chamado.

    — Ei, os dois parem por um instante.

    Takashi? O que o vice-presidente quer da gente? Justo agora ele decide nos abordar? Sendo interrompido desta maneira, nunca conseguirei encontrá-la…

    — E o que o senhor vice-presidente quer saber de dois estudantes à margem da vida estudantil padrão? — pergunto.

    Ele me encara seriamente por alguns segundos, ajusta seus óculos e fala.

    — Há assuntos que preciso tratar com você.

    Isso só pode significar uma coisa: Meu papel foi descoberto. Mas como? De qualquer forma, a única coisa que posso fazer é ouvir o que ele tem a dizer.

    — Pode falar — respondo.

    — É um assunto que precisa ser tratado em particular. Então o seu amigo poderia se retirar? — o fita com desprezo.

    — É uma boa ideia, acho que vou ler uma light novel e depois eu te procuro — diz Manabu enquanto caminha em direção à saída.

    Estou com um pressentimento nada bom disso. A postura e o tom de voz de Takashi passam-me a impressão de hostilidade. Se ficarmos a sós, imagino que estarei apuros. 

    — Manabu, fique — falo.

    — Er? Você não ouviu o que ele falou? — Manabu vira-se para trás assustado e responde quando estava quase deixando o corredor.

    — Irei explicá-lo uma segunda vez: É uma conversa em particular. Estou ordenando isto como vice-presidente do conselho — eleva a voz.

    — Só estou seguindo a ordem da própria presidente, não andar sozinho pela escola. Ou você está insinuando que eu deva descumprir algo pedido pela sua superior? — respondo.

    Ele franze a testa, porém ao mesmo tempo precisa se dar por vencido.

    — Tsc. Então me acompanhe até a sala do conselho.

    13h55

    Sigo Takashi pelos corredores até a porta da sala destinada às tarefas do conselho estudantil.

    Ele para por alguns segundos em frente à porta e olha para mim.

    — Então, qual o assunto que você pretende tratar comigo? — pergunto receoso.

    — Eu estava tentando explicar isso desde o começo, mas sua paranoia não permitiu. Não sou eu quem vai falar contigo — diz enquanto abre a porta.

    Lá está sentada a presidente Yukihara Mikoto com sua habitual aura de que está num patamar mais elevado do que o nosso. 

    Então é com ela que vou falar? O que a rainha espera ganhar falando com um mero plebeu que vive às margens de seu reinado? Mesmo que esteja atrás de uma confissão do meu papel no jogo, não é algo que ela deveria esperar que fosse entregue de bandeja.

    Takashi e eu adentramos a sala e imediatamente os seus olhos gélidos fixam a mira em mim. Em seguida ela fecha alguns livros e documentos que estavam sobre sua mesa e começa a falar.

    — Boa tarde. O teu nome é Johann, correto? Permite-me chamar-te pelo primeiro nome? Parece-me estranho chamá-lo pelo teu sobrenome, não estou acostumada com a pronúncia de sobrenomes estrangeiros.

    Ora, então ela pretende começar o interrogatório de forma amigável? Tratando-se da seriedade com que Takashi me abordou, bem como o histórico de antipatia dela, pensei que seria enviado para uma sala de tortura de imediato.

    — Claro, presidente. Alguém de sua autoridade não deveria nem pedir-me permissão por uma mera questão de formalidade. Aliás, ser chamado pelo primeiro nome é o mais habitual para mim também. Mas de qualquer forma, fico surpreso de você saber o meu nome.

    Confesso que estou um pouco nervoso. Normalmente não tenho habilidade de simular um bom humor, e agora com alguém como ela… devo estar no mínimo patético forçando uma expressão amigável. As palavras saem artificialmente da minha boca. Logicamente ela sabe o meu nome porque me investigou, ela não me chamaria até aqui sem saber no mínimo isto.

    — Hmmm? O que estás a dizer? Não deverias te desfazer tanto, tu és bem conhecido no meio escolar — olha para alguns documentos e ri levemente — Apesar de que a impressão alheia sobre ti não é das melhores, admito.

    — Fico lisonjeado pela consideração. Porém ainda não compreendo o que você, a autoridade máxima do corpo estudantil, gostaria de saber de alguém como eu.

    — Muito bem, com as apresentações formais feitas, vou direto ao ponto do que pretendo tratar contigo. Acho que tu também preferes desta forma.

    O seu modo de falar muda totalmente, passa a falar de modo mais sério e seu olhar afiado volta.

    Ela cruza os dedos e então prossegue com uma curta frase, porém incisiva o suficiente para derrubar qualquer sustentação e me desesperar.

    — Eu sei que tu és um dos três jogadores.

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