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    16h28

    Eu não tenho exatamente escopofobia. Não ser observado é apenas uma preferência pessoal, não posso dizer que é algo totalmente racional, mas está longe de ser uma fobia incontrolável. 

    No momento estou sendo observado dos pés a cabeça por todos com quem cruzamos nos corredores. Caminhar ao lado de uma pessoa de presença tão chamativa como a presidente não é lá uma das melhores experiências. Ao mesmo tempo em que ela consegue ofuscar as qualidades alheias, o seu brilho ressalta a sombra dos corpos que a orbitam.

    — Yukihara-senpai, não querendo ser rude, mas vocês realmente precisam de mim no momento? — pergunto.

    — Para que nossos planos prossigam, preciso que tu pareças um novo membro do conselho. Nada mais natural do que andar com outros membros. Ou consegues pensar em algo mais adequado para aproximar-te do Hasegawa-kun de um modo mais natural?

    Eu já entendi que para poder observar o Haruki mais de perto, eu precisaria parecer um membro do conselho, mais especificamente ocupando o posto de Keiko ou de Asahi. Todavia, continua sendo muito inconveniente. E pelo rosto do Takashi, ele parece concordar comigo. Naturalmente ele é quem está me encarando com mais raiva.

    — Não, não consigo pensar em outra forma. É que é apenas desconfortável para alguém normalmente isolado como eu, sabe? — respondo.

    — Fica tranquilo, logo tu irás te acostumar com isto. Até o Tanaka-kun ficou inseguro logo após ingressar no conselho comigo, porém, assim como eu, aprendeu a ignorá-los.

    Claramente não será o meu caso. Pois não consigo manter indiferença a tantas pessoas querendo me esquartejar.

     Não quero nem imaginar o tipo de desculpa a qual eu precisarei dar caso aqueles patetas me vejam numa cena como esta.

    — Ei, Johann! — escuto um grito.

    Viro o rosto e avisto Shou, o qual incrédulo fica paralisado e boquiaberto apontando o dedo para mim. Ao seu lado estão Manabu e Miyu, os quais estão tão surpresos quanto ele.

    Agora é oficial. Meu sossego acabou para sempre, não há como escapar desta infortuna fatalidade. Isto renderá assunto a eles por toda a eternidade.

    Finjo que não os vi e prossigo andando ao lado da Yukihara-senpai. Seria uma dor de cabeça infernal explicar como acabei nas atuais circunstâncias. Pensando bem, o culpado disso tudo foi o Shou por ter me dedurado. Será que ficou boquiaberto de eu ter sido tomado como um aliado dela em vez de ter sido sacrificado? Não me sinto em condições adequadas para me gabar disso, pois está muito problemático para o meu lado, porém me agrada vê-lo quebrando a cara ao ter sua estratégia abatida.

    — Johann-kun?! — Miyu insistentemente me chama.

    É só ignorar… não estou ouvindo nada. É só seguir em frente e tudo acabará bem.

    Percebendo que a minha atenção está sendo requisitada, a bela garota ao meu lado frustra o meu plano de continuar os ignorando.

    — Já te disse que não precisas agir tão formalmente. Podes parar para falar com teus amigos — diz enquanto para de andar com um sorriso sereno.

    Ela com certeza sabe que estou em apuros. Está fazendo isso de propósito né? Vejo claramente o seu veneno oculto por trás deste rosto angelical.

    Suspiro e me viro para Miyu que acabou de me chamar.

    — Nossa, ficamos chocados. Não sabia se era você mesmo. Isso é mesmo real?

    — Maldito Johann, como conseguiu se aproximar da presidente?! Era algo tão distante que até mesmo alguém como eu, amado por todas, desisti miseravelmente.

    Ora, foi culpa sua não foi? E “amado por todas”? Em que mundo você vive?

    Eu duvido que tentar desconversar ajude em algo, mas não custa tentar. Quem sabe por justamente estar com o conselho estudantil, eles resolvam não atrapalhar.

    — É uma longa história, os conto outra hora. No momento estou bem ocupado.

    — Como pode Jocchi?! Como pode trair o clube?! Você se cedeu às garotas 3D!!! Isso não pode estar acontecendo… precisa ser uma ilusão ou uma realidade paralela. Não! Não me diga que os reptilianos o trocaram por um clone?! — Manabu fala em prantos.

    Era só o que me faltava, o Manabu entrar em histeria. Quem deveria estar neste estado sou eu. Quando eu acho que não dá pra ficar pior, tudo piora exponencialmente.

    O escândalo de Manabu foi o suficiente para chamar a atenção do corredor todo, e cada vez mais minha reputação desce ladeira a abaixo.

    Até a Yukihara-senpai começa a rir baixinho dessa cena patética. Será que agora ela entendeu o porquê de eu preferir simplesmente ignorá-los? Você também tem culpa nisso, só parei para falar com eles porque você sugeriu.

    — Eu admito que eu desconhecia tais informações. Tu tens um círculo de amizades um pouco diferenciado. Não achas? — pergunta com um tom de deboche.

    — Não são meus amigos, apenas conhecidos — respondo.

    — Que indelicadeza, Johann-kun. Como assim não somos seus amigos?! — protesta Miyu.

    — Ei maldito, você ainda não respondeu a minha pergunta! — exclama Shou

    Como você quer que eu responda algo com todos falando ao mesmo tempo?! Só quero sair correndo daqui o mais rápido possível.

    — Permita-me explicar. Resumidamente, o vosso amigo acabou de se juntar ao conselho estudantil, por isso está conosco. Respondi a tua pergunta? — Yukihara-senpai integra-se a conversa.

    — S-sim! Compreendi p-perfeitamente — gagueja com o rosto maravilhado da sua presença ter sido notada por ela.

    — Impressionante! Johann-kun que orgulho! Eu não disse que você seria aceito caso tentasse? Sempre soube que você conseguiria — comenta Miyu.

    — Não se afobe tanto. Sou apenas um membro temporário para ajudar na investigação. Estarei suprindo o posto de Keiko nos próximos dias, nada mais que isso — replico a Miyu.

    Tendo explicado isso, eles permanecerão exaltados?

    — Já é um bom começo! Rumo a um posto definitivo — responde sorridente.

    Um posto no conselho estudantil é o que menos deveria passar na cabeça de alguém que está preso num jogo que pode custar a própria vida.

    — Traidor! Isso não ameniza o que você fez! — exclama Manabu.

    — Bem, deixá-lo-ei com teus amigos, caso eu precise da tua ajuda mandarei um recado pelo Tanaka-kun. Até mais tarde — despede-se com seu habitual sorriso irônico.

    Assinto e aguardo até perder ambos de vista. Então sou surpreendido por Shou e Manabu me agarrando pela gola do meu blazer e pedindo mais explicações.

    20h18

    Após ser estrangulado pelos dois camaradas que perguntavam sobre assuntos que não mereciam ser explicados, a minha primeira missão foi passada. 

    — Está certo de que podemos confiar nele? — pergunta Takashi com um olhar de desaprovação.

    — Para ser sincero, nem um pouco. É bem possível que seja um desastre, para não dizer certamente — respondo.

    — Se nem mesmo você deposita fé, por que o sugeriu?

    — Porque eu não confio em ninguém, e ele parecia ser a melhor opção.

    Para não dizer a única opção.

    Manabu está olhando para o chão de forma pensativa.

     — Sinto em lhe dizer, mas a sua variedade de contatos não parece ser muito boa.

    — Apenas agora foi perceber? 

    — Que seja, vamos usar ele mesmo. Se eu tentar arranjar outro ajudante de última hora não dará certo.

    E então Manabu passa a gargalhar lunaticamente.

    — E agora o que foi isso? — Takashi questiona assustado.

    — Uma missão ultrassecreta hein? HAHAHA é óbvio que eu sou a melhor opção — Manabu entra no personagem.

    — É só ele tentando se divertir um pouco, não leve isso muito a sério — respondo.

    — Ele é realmente a nossa melhor opção?

    Infelizmente ele é. Depois de hoje, confiar este trabalho ao Shou está fora de cogitação.

    Então deixamos, com muito receio, Manabu cuidando de sua tarefa. E andamos até o corredor no qual Haruki ficaria de guarda.

    Com um ponto de observação estabelecido, dividimos as tarefas. Takashi está responsável por observar Haruki, enquanto eu cuido da retaguarda. 

    Acho que Manabu estava profundamente equivocado a respeito da diversão que isso proporcionaria. Mal começou e já estou cansado e entediado.

     — Takashi, ainda nada? — sussurro.

    — Nada. Ele está parado como uma pedra.

    Eu sou um grande admirador do inverno, pois não suporto o calor do verão. Entretanto não havia nada no contrato de que eu ficaria acordado de madrugada na escola em pleno inverno. Se ao menos eu tivesse me agasalhado mais…

    — Sabe, estou pensando aqui que talvez ele não seja o assassino. Então, podemos desistir e ir dormir? Não vamos chegar a lugar nenhum desta forma.

    — Se você acha isso, cite-me um suspeito mais provável — respondia normalmente até que ele percebe algo — Espere. Ele começou a se mover, é um progresso.

    Finalmente, faça alguma coisa que lhe incrimine, pois estou morrendo de sono e frio.

    — Está vindo para cá, vamos para outro lugar. Rápido — sussurra Takashi.

    Escondemo-nos no corredor ao lado e esperamos ele passar. Posteriormente, seguimos Haruki mantendo certa distância. E no fim das contas o seu destino era nada mais, nada menos do que o banheiro masculino. Em poucos minutos ele sai de lá e volta para o seu posto de vigilância.

    — Foi um alarme falso — comenta Takashi.

    Será que agora podemos desistir de vez? Se não fez nada até o presente momento, provavelmente não fará pelo restante da noite. 

    — Pegá-lo no flagra seria a prova de que ele é o assassino, mas quais seriam as evidências para que você e a Yukihara-senpai o tirassem da lista de suspeitos? — pergunto.

    — Se alguém morrer enquanto ele está sob vigilância parece-me um álibi bom para inocentá-lo. 

    Utilizar o princípio da falseabilidade é uma excelente ferramenta para diminuir nossos candidatos a assassino. Desta maneira podemos falsear a hipótese do Haruki ser o culpado. Só há um porém nisso tudo, o tempo. Não podemos estender estes experimentos ao bem querer, o jogo possui um final delimitado.

    4º Dia

    09h43

    Ironicamente pela primeira vez desde que o jogo teve início obtivemos uma manhã tranquila, a qual me propiciou algumas horas de sono para recuperar-me desta gelada madrugada. Entretanto, ao mesmo tempo isso torna as coisas mais complicadas, pois ninguém morreu enquanto Haruki estava sendo observado.

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