Prólogo: A última máscara.

Cometer um pecado, um tabu que se oponha a nossa integridade, naturalmente é tido como errado. Porém, e se o uso desta ferramenta abranger uma nobre causa? Neste caso, parece-me moralmente justificável. Uma ferramenta amaldiçoada pode ser utilizada para proteger o nosso maior tesouro.

Foi assim que tu te sentiste naquela calamitosa noite, mãe?

A minha intenção original era autocentrada, eu planejava salvar a mim mesma, somente a mim. Eu queria viver a vida que me foi entregue duas vezes por ti. No entanto, precisei efetuar uma drástica mudança de planos.

As minhas máscaras quebraram.

E o mais cômico é que ele não precisou fazer nada para rompê-las. Por toda a minha existência achei que poderia usar e abusar das minhas máscaras. Contudo, elas não estavam dimensionadas para suportar a sobreposição das emoções de bilhões de mundos. 

Uma aula de biologia vem-me à mente agora. Tratava-se de doenças transmitidas por animais. Dentre elas, a toxoplasmose. A professora explicava que quando o rato era infectado pelo parasita, ele passava a confundir o odor da urina felina com o de uma fêmea de sua espécie no período fértil.

Como interpretar a presa que se apaixona pelo seu predador? Não obstante, mas também age para salvá-la, mesmo que precise pagar com a sua própria vida, mesmo que precise violar todo o código de conduta que um dia defendera. 

Estaria eu doente?

É por isso que não posso comparar as minhas atitudes impuras com a nobreza de minha antecessora. Então por quê? Por que essa chance foi dada logo a mim? Não sou nem um pouco merecedora de tal misericórdia, mesmo que seja para trazer meu inerente fim. 

Fico tentando vislumbrar algum final alternativo, no qual eu pudesse seguir o rumo propenso da minha trajetória. Imagino se eu conseguiria manter a excelência que me esforcei para conservar até hoje, ou se minhas forças esgotar-se-iam antes disso. Bem, se algum deles estivesse comigo… aí então possuiria uma muleta para me apoiar nos períodos mais difíceis. 

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Tudo isso fica apenas para a imaginação, agora é apenas um lindo sonho, porém infinitamente distante. Em alguns mundos eu até poderia viver feliz em ignorância, mas minha alma seria corroída por uma culpa que transcende o próprio tempo.

Ei, por que tu estás agindo desta forma? Eu deveria estar sozinha neste instante. Por favor, não me digas que mais uma vez podes ver através desta camada de falsidade.  

Não, eu não posso ter fracassado, pelo menos nisso não.

— Idiota, vá ao teu amigo.

Não fiques comigo. Tu não deverias agir deste modo. Infelizmente, neste mundo as coisas precisam acabar assim.

Acho que nem tenho mais forças para fazer qualquer protesto contra suas ações. Minha vitalidade é expelida mais e mais. Pois bem, talvez eu deva me permitir partir no conforto de teus braços. Permita-me somente mais um ato de egoísmo.

Meu último suspiro será em meio às chamas, como se eu já estivesse antecipando o meu primeiro contato com o inferno. Todavia, continuo sentindo muito frio, seria pela perda de sangue ou porque na verdade estou pressentindo a imensidão do vazio?