Capítulo 14 – Motivação para evoluir

O núcleo em seu peito pulsou em resposta ao turbilhão de sentimentos que o atravessava, como se reconhecesse a intensidade daquele desejo de não ser mais fraco. O brilho tênue que emanava dele oscilava em compasso com as batidas do coração, refletindo o sentimento de inferioridade, mas também o resquício de uma nova determinação.
“Agora compreende minha criança.” disse Ygdraw, sua voz ecoando simples e suave, mas carregada da sabedoria de incontáveis eras passada. “Não foste salvo por tua própria força, mas pela teia do destino que ainda não permitiu o teu fim. Neste mundo, existir não basta. Aquele que não evoluir… é consumido para evolução do outro. Apenas os que se elevam além de si mesmos podem proteger sua essência… e os que lhe são estimados.”
As palavras o atingiram onde mais doía, trazendo à tona a lembrança guardado em um canto da memória que tivera medo de olhar por anos e preferia manter enterrado. Foi uns dos momentos em que se sentiu inútil, impotente e incapaz.
Sonho Eterno, 2006.
Kai tinha apenas dezessete anos. O rosto irradiava a vivacidade de alguém cheio de sonhos, tão diferente da expressão cansada que carregaria anos depois na Tcam. Caminhava ao lado de uma senhora idosa, cujo corpo frágil contrastava com a firmeza serena em seu olhar.
“Ei, vovó, cuidado com o chão!” exclamou o jovem, estendendo o braço para ampará-la diante de um buraco no caminho.
“Ha ha ha…” A gargalhada dela ecoou, carregada de ternura. “Pode deixar, minha criança. Me pergunto quando foi que os papéis se inverteram em sua cabeça. Até onde me lembro, Sou eu quem sempre cuidou de você!”
“Você tem razão! É a senhora quem sempre cuidou de mim.” respondeu Kai, abrindo um leve sorriso. E por isso agora que precisa eu sempre cuidarei da senhora. pensou, mas não ousou pronunciar tais palavras.
“Então, agiliza, ainda consigo andar sozinha!” disse a senhora, em tom de repreensão, mas com a ternura que só ela sabia transmitir.
Kai retirou rapidamente as mãos dela, obedecendo. Por dentro, porém, se divertia, pois sabia muito bem que aquela pose nobre e orgulhosa era apenas fachada. Ela queria parecer independente diante dele, quando, na verdade, carregava um coração maior do que o mundo inteiro escondido atrás daquela máscara. Para ele, não havia inspiração maior do que sua avó, mesmo que ela jamais soubesse disso.
“Ei, Kai…” Foi então que uma voz o chamou. Ele se virou e abriu um sorriso ao ver o amigo acenando. Retribuindo o gesto com naturalidade.
No entanto, no instante seguinte, o coração se apertou. Um calafrio percorreu a espinha, arrepiando cada pelo de seu corpo. Todo o som ao redor desapareceu subitamente, mergulhando o mundo em um silêncio opressor. A expressão assustada de seu amigo apenas confirmou a intuição que ele não queria admitir: algo terrível estava prestes a acontecer.
Pisando com toda a força no chão, girou rapidamente. O movimento brusco arrancou uma fisgada dolorosa na panturrilha e no tendão, mas ele ignorou, a dor não importava naquele instante. A grande descarga de adrenalina fez com que seus passos continuasse sem hesitação.
A cena à frente fez seus olhos se arregalarem e o coração se encolher, chegando até errar algumas batidas. Tudo que queria era se teleportar, mas por mais que tentasse correr, o tempo se arrastava em câmera lenta e, no fundo, ele soube que não chegaria a tempo. Fechou os olhos, reuniu tudo o que possuía, e se lançou num salto desesperado.
No instante seguinte, a lembrança se dissolveu em uma nuvem de escuridão.
Quando abriu os olhos, estava de joelhos sobre a pedra fria. O peito subia e descia em um ritmo acelerado, demonstrando uma pequena dificuldade em respirar, como se ainda sentisse cada detalhe, cada sensação daquele instante. Por um momento, não soube distinguir se estava na caverna ou ainda preso no pesadelo do passado.
As raízes ao redor se moveram com delicadeza. Algumas se aproximaram e pousaram de leve sobre seus ombros, outras contornaram-lhe a cintura, como o gesto silencioso de um abraço. Ygdraw o observava silenciosamente, esperando o momento certo para trazê-lo de volta a realidade.
“Essa dor que ainda carrega…” disse a entidade, sua voz soando como o vento que atravessou milênios para encontrá-lo. “Ela não pertence apenas ao passado. Ela molda o que é agora. E, se souber aceitá-la, poderá usá-la para transformar os resultados do amanhã.”
Kai fechou os punhos até sentir os nós dos dedos arderem. Raiva e a impotência misturarem-se dentro dele. Eu não vou reviver aquela sensação. Não quero me sentir um inútil, nunca mais. pensou, as palavras dela incendiaram alguma coisa que sempre estivera ali, adormecida, coberta por poeira. Eu quero mudar. Eu preciso mudar.
A entidade inclinou-se um pouco mais, e a luz verde que brotava do musgo iluminou o contorno do rosto feito de casca e seiva. “A força que queres buscar está mais perto do que imagina. Ela repousa dentro de você, onde o Éther se encontra. Mas ouvir o núcleo requer vontade. É preciso silenciar o medo até que possas senti-lo de verdade.”
“Então… me guie. Eu gostaria de aprender tudo que estiver disposta a me ensinar.” pediu, ao se curvar de forma sincera.
A entidade que o observava atentamente deixou escapar um leve sorriso, sereno e quase imperceptível. Havia alcançado o que desejava: plantar a semente que faria o jovem se libertar de suas próprias limitações e somente assim poderia seguir a profecia.
Kai ergueu os olhos. O colosso de raízes e galhos o fitava com paciência, mas também com expectativa. Aquele ser, tão antigo quanto o próprio universo, parecia ver através dele.
Como não obteve uma resposta, achou que seria rejeito.
“Por favor!!!” implorou, ao se inclinar mais uma vez.
Ygdraw sorriu, ao som das folhas roçando umas nas outras com seus movimentos espontâneos. “Quer dominar o que ainda não compreende? Muito bem… mas esteja pronto. Pois todo conhecimento tem um preço.” completou testando a vontade do jovem.
“Não importa o preço, desde que não seja algo que vá contra a minha conduta moral, eu estou disposto a pagá-lo.” Kai respondeu, determinado. Quando colocava algo em sua cabeça, nada poderia impedi-lo de alcançar o que desejava. Foi algo que havia perdido após aquele acontecimento, mas agora havia recuperado completamente.
O olhar da entidade se suavizou, e algumas raízes se inclinaram em torno dele, num gesto silencioso de aprovação. “Espero que não esqueças desse verdadeiro senso moral que carrega consigo, ainda mais agora que decidiu trilhar o caminho que lhe foi destinado.” finalizou, com sua primeira instrução, algo que ele deveria levar para o resta da vida.
De uma coisa tenho certeza, não será fácil, sempre haverá uma força obscura trabalhando nas sombras para intervir em seu caminho, tentando impedi-lo de seguir adiante. Mas farei o possível para instruí-lo no tempo que me resta. Pois este sempre foi o meu destino, minha criança. Ygdraw refletiu, a luz esverdeada correu pelos veios do tronco, como se seus pensamentos tivessem acendido lembranças antigas.
Segundo a profecia de Etheryum, dizia que eu encontraria um dos escolhidos. Esperei por muito tempo, foram anos e quando estava preste a desistir você entrou neste reino eu soube. Era você. O sentimento que comentou ao me ver, não é tão simples quanto fez transparecer. Mas os fios do destino tentando seguindo seu curso. Senti o mesmo chamado e somente assim foi possível salvá-lo naquele momento propício, como se tudo seguisse o roteiro do destino escrito por alguém que está muito acima do nosso alcance.
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