A luz do amanhecer se espalhou pela caverna, eliminando a névoa serena que permeava o lugar. A pequena aura esverdeada que emanava das raízes de Ygdraw pulsava em ritmo lento, refletindo a tranquilidade do ambiente.

    Kai, sentado sobre a plataforma de madeira lisa, abriu os olhos após longas horas de meditação. Ele havia virado a noite. O suor escorria por sua testa, mas sua respiração estava firme e equilibrada. Enfim, havia conseguido harmonizar o fluxo do Éther com o núcleo em seu peito, uma conquista que, até o dia anterior, parecia impossível.

    “Finalmente… consegui!” murmurou, a voz saiu pausada, porém carregada de satisfação. Seus olhos brilhavam com um entusiasmo que há muito perdera.

    Uma risada suave ecoou por detrás, junto ao farfalhar de folhas.

    “Parabéns, minha criança” disse Ygdraw, em sua voz era possível sentir o orgulho transbordar. “Mas nunca permitas que isso suba à tua cabeça. O que conquistaste agora é admirável, mas é apenas o primeiro passo da longa estrada que se abre diante de ti.” Aquele tom sempre profundo da entidade carregava o peso de cada sílaba, soando como a sentença da própria natureza.

    Kai virou-se, fitando a figura colossal que já não lhe causava temor, mas despertava uma reverência silenciosa. O elo entre ambos fortalecia-se a cada segundo, como se cada palavra daquela entidade reacendesse, no fundo de sua memória, a ternura da avó.

    “Então… este poder é realmente parte de mim?” Ele perguntou, pousando a mão sobre o núcleo em seu peito. “Se eu continuar a treinar com todo o meu esforço, serei capaz de me fortalecer o bastante para proteger quem estiver ao meu lado…”

    Os olhos verdes de Ygdraw cintilaram como estrelas antigas, refletindo de longe a angústia e, ao mesmo tempo, a chama de determinação que nascia no coração do jovem.

    “O Éther é a energia que sustenta a criação, e a própria vida. Ele permeia tudo o que existe, visível ou oculto. Alguns o possuem em fragmentos tão ínfimos que mal podem ser notados, enquanto outros carregam tamanha abundância que se tornam lendas vivas, capazes de provocar guerras apenas por sua presença. 

    Agora que o despertaste, poderás cultivá-lo, moldar tua essência e, assim, desenvolver habilidades que definirão o rumo do teu destino.”

    Kai sorriu, sentindo o coração apertar, aquele sentimento de inutilidade começou a se dissipar. Mas, no instante seguinte, o semblante de Ygdraw tornara-se sério.

    “Porém…”

    A palavra ecoou pelo espaço com um peso tão intenso que o fez romper o próprio ritmo cardíaco. O tom enigmático foi suficiente para apagar, em um único instante, todo o entusiasmo que o preenchia. Aquela simples palavra bastou para provocar-lhe um arrepio que gelou a alma. Era instinto.

    “Porém, minha criança…” disse Ygdraw, a voz carregada de desalento. “Há um fardo oculto que acompanha todos aqueles que ousam despertar o Éther.” completou, deixando transparecer uma ponta de culpa, como se cada palavra também pesasse em sua sobre si.

    Kai franziu o cenho, erguendo-se instintivamente. “Fardo? Do que está falando?”

    Ela fechou os olhos, e o brilho que emanava de suas raízes diminuiu, como se cada parte partilhasse de sua dor.

    “É a maldição do Éther” declarou, a voz murcha reverberando como um lamento de desculpa. “Todos aqueles que o despertam recebem, junto ao poder, uma sentença: terão apenas cinco anos de vida.”

    O silêncio que se seguiu foi ensurdecedor. O corpo de Kai permaneceu paralisado; sua voz não saía, e o ar pesava tanto em seus pulmões que parecia impossível expeli-lo. Sua mente zuniu, tomada por um vazio opressor, e levou algum tempo até que conseguisse pronunciar a primeira palavra que lhe veio à mente.

    “Cinco… anos?” A voz lhe falhara, como se tivesse o poder de esmagar o seu futuro.

    “Sim.” disse Ygdraw, sem vacilar. Sabia quanto mais adiasse, pior seria. “É o tempo imposto pela própria punição do universo. O Éther que agora pulsa em ti dando esta sensação  de poder também é como um vírus mortal que consome com igual intensidade sua essência vital.”

    Kai cambaleou e deixou-se cair de volta sobre a plataforma, os olhos fixos em Ygdraw, incrédulo. A revelação fora tão abrupta que sua mente recusou-se a aceitar. Cada respiração exigia um grande esforço. Então… Me esforcei tanto, atravessei tudo isso, despertei esse poder… apenas para ter um futuro condenado! Por que? pensou, a pergunta ecoando como um grito sufocado dentro de si.

    Por coincidência do destino, embora estivessem em espaços-tempos distintos, outros dois também receberam a mesma revelação.

    Roy, por sua vez, já havia circulado pelos arredores da região em busca de um lugar para se estabelecer e de informações que considerava essenciais. E essa foi a primeira a descobrir, era a básica circulando na boca dos cidadãos, afinal todo Umbro não tinha escolha e era obrigado a despertar o Éther.

    Will permanecia calmo a todo instante, quase como um autômato desprovido de emoções. Mesmo após receber a revelação do instrutor, sua expressão não se alterou. Sem hesitar, seguiu em frente, exatamente como havia declarado ao chegar à ilha.

    Ygdraw prosseguiu, independente de seus sentimentos, manteve um tom sereno. Suas raízes se moveram sob o solo, surgindo à frente do jovem e, sem aviso, deram um leve peteleco para tirá-lo daquele estado de torpor.

    “Aiii..”

    “Essa é a razão pela qual muitos escolhem permanecer como pessoas comuns.” explicou. “Aqueles que não despertam podem viver setenta anos… alguns chegam até a cem. Uma vida longa e tranquila, ainda que limitada. Mas os que aceitam o Éther fazem uma troca inevitável: sacrificam a longevidade pela evolução, abandonam o sossego pela aventura e exploração.”

    Kai levou a mão à testa, ainda sentindo o leve impacto. Junto àquele gesto, uma lembrança antiga veio à tona. Viu-se criança, sentado ao lado da avó no jardim. Tinha acabado de brigar com o Roy quando ela, com um peteleco carinhoso, chamou sua atenção. A voz suave dela ecoou em sua memória, lembrando-lhe que o maior presente da vida era o tempo ao lado de quem amamos.

    E agora descubro que esse tempo me foi roubado no instante em que despertei… ponderou, ao mesmo tempo que ouvia os comentários de sua mestra.

    “Então… o que posso fazer agora?” perguntou, a voz embargada, enquanto as mãos se cerravam sem que percebesse. “Minha existência não vai ter nenhum significado…”

    Ygdraw se inclinou e pousou a mão levemente no ombro de Kai, o toque firme como quem sustenta uma grande missão. Com o rosto serio, perguntou: “É realmente assim que pensas?”

    Kai estremeceu. A dor de ouvir aquelas palavras misturou-se a um fogo estranho que começava a arder em seu interior, como se a própria ferida despertasse sua verdadeira vontade. Num impulso, ergueu-se de súbito, as mãos tremendo, o sangue acelerado.

    “Eu não aceito!!!” disse, erguendo o queixo. “Nunca vou aceitar que seja assim. Se só tenho apenas cinco anos… então vou usá-los para romper esse destino e, encontrar uma forma de quebrar essa maldição!”

    Uma gargalhada poderosa de Ygdraw percorreu a caverna, fazendo o chão vibrar e desprendendo poeira do teto que caiu sobre o jovem. Não era um gesto de deboche, mas sim de satisfação.

    “Esse é o espírito! Essa é a resposta que esperava ouvir.” declarou, sua voz reverberando como trovão a muito contido. “Poucos ousam desafiar as leis que sustentam o universo… mas apenas os obstinados são capazes de mover galáxias.”

    Kai fechou o punho. O núcleo em seu peito liberou uma forte aura, respondendo ao juramento interno que fazia. Eu não vou morrer em cinco anos. Não… vou encontrar a verdade escondida neste universo. Nem que precise atravessá-lo de ponta a ponta e desafiar até mesmo os seres supremos em pessoa.

    “Mas lembra-te, minha criança… o preço para lutar contra o destino é sempre alto. Muitos já tentaram contornar a maldição do Éther de outras formas. Alguns buscaram artefatos antigos, outros recorreram a pactos proibidos. E, no fim, pagaram um alto preço, a maioria jamais voltou e aqueles que voltaram nunca mais foram os mesmo.”

    O coração de Kai disparou. “Então existe um caminho?”

    “A vida existe em equilíbrio.” Ela respondeu, como se proclamasse a lei básica da existência. “Se há um caminho maligno, também haverá um caminho benigno. Se há um ser que nasceu para o mal, haverá outro que nasceu para o bem. E se existe uma doença, consequentemente haverá também uma cura.”

    Kai respirou fundo, deixando que as palavras ecoassem em sua mente até que o resquício do medo e agitação se apagasse. No silêncio que se seguiu, percebeu algo óbvio que estivera diante de si o tempo todo, mas que até então se recusara a encarar.

    Minha mestra… ainda que eu não a conheça há muito tempo, tenho certeza de que seus anos de vida não podem ser contados com meros cinco anos. pensou, mantendo o olhar fixo nela.

    Suas ações não passaram despercebida pela grande entidade, que o observava em silêncio, como se esperasse aquela conclusão há algum tempo.

    “Finalmente percebeste.” disse Ygdraw, a voz séria, como a de uma mãe que chama a atenção do filho. “Por isso, deves sempre manter a calma e analisar a situação como um todo, mas sem perder de vista cada detalhe. Somente assim conseguirás escapar de situações que, para outros, seriam impossíveis.” Ao mesmo tempo que repreendia, transmitia uma lição vital ao seu aprendiz.

    “Escute com muita atenção, minha criança” prosseguiu, agora com uma voz mais rigorosa. “O verdadeiro inimigo não é o tempo, mas o medo, a raiva e a inveja que semeamos em nossos próprios corações. Enquanto acreditares que tua vida é curta, sua mente se perdera e teus passos serão impensados. Mas, se tratares cada dia de forma especial, não importará por quantos anos caminhes… cada instante será tão valioso quanto o todo vivido.”

    Kai fechou os olhos, e todo o corpo passou a emanar uma energia diferente, como se finalmente tivesse compreendido algo que sempre lhe faltou.

    Eu sempre estive buscando o final do meu caminho sem perceber… pensou. Estava cego para obter um resultado imediato e não percebi que desperdicei momentos únicos do meu dia a dia. O conselho de sua mestra abriu sua mente de forma inimaginável. Finalmente sentia-se livre das amarras que o prendiam.

    Se tenho apenas cinco anos… então cada segundo será uma arma. Vou me tornar tão forte que nem mesmo o destino poderá me deter.

    Quando abriu os olhos, o brilho em suas pupilas refletia a chama de alguém que não havia apenas decidido sobreviver, mas que encontrara uma forte razão para evoluir além de todos os seus limites.


    NT: Obrigado por acompanhar minha história. Sua opinião é muito importante.


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