Capítulo 19 – Segredos revelados
Kai se levantou devagar. O peso sobre os cinco anos já não pairava mais em sua mente, algo havia mudado. Não era mais um fardo sufocante, e sim um desafio que ardia em seu peito para ser superado.
“Ygdraw!” chamou, com passos lentos, andou em direção de sua mestra. Sua voz carregava um tom de urgência, de uma dúvida que já não conseguia conter. “Eu preciso entender uma coisa. Desde que cheguei aqui, sinto que você carrega uma grande experiência dentro de si. Não consigo mensurar sua idade, mas… tudo em você me diz que viveu milhares de anos. Como isso é possível? Como conseguiu enfrentar a maldição por tanto tempo e continuar viva?”
As raízes estremeceram levemente diante da pergunta de seu discípulo. O que não escapou do olhar atento do jovem. Do alto da copa, algumas folhas se desprenderam em silêncio, descendo em espirais suaves, como se cada uma carregasse o peso de eras que se esvai pelas memórias que estavam prestes a emergir.
“Tu perguntas o que todos questionam quando o véu da ignorância começa a se dissipar” Ela respondeu, sua voz ecoou serena, como quem desconhece a pressa, mas também para organizar seus pensamentos.
“Não existe segredo no que busco revelar-te. O que para ti soa como um grande mistério é apenas o reflexo do desconhecimento dos recém-acordados. Aquilo que ainda não sabes… Pois aqueles que caminharem lá fora por algum tempo, trataram a resposta como algo natural.”
O jovem franziu o cenho, surpreso. Em sua mente, já esperava ouvir respostas evasivas, algo como: você não está preparado para saber disso agora, ou não posso revelar, ou serei punida pelas leis do universo…
“Então… o que a minha ignorância julga ser um segredo, para os outros não passa de algo comum?” disse ele, ainda encabulado ao perceber que a grande preocupação que o consumia momentos atrás parecia ter uma resposta simples demais.
“Exatamente, criança!” confirmou Ygdraw, fitando-o com uma expressão enigmática, impossível para ele decifrar. “Nossos antepassados perdidos em suas próprias ganâncias cometeram um grave pecado contra o universo e não saíram impunes. Uma das punições foi a maldição do Éther imposta a todos os que acordassem após aquele momento. Porém, Etheryum é justo e benevolente… e deixou uma saída para as gerações futuras.”
Kai virou o rosto desviando o olhar para acompanhar o movimento de uma raiz que através de movimentos rápidos e muito ágeis desenhou várias figuras precisas no chão.
A primeira figura lembrava a silhueta de uma pessoa com um cristal no peito. Em seguida, desenhou a segunda representando o núcleo, e depois mais uma, até que quatro se formaram em sequência no chão. Quando se moveu traçando a quinta forma, a entidade parou por alguns instantes, como se fosse tomada por uma lembrança distante.
Aos olhos do jovem, não passavam de pequenas gravuras, mas intuitiva, que faziam parte da explicação. Tinha até uma ideia do que representavam, mas conteve a sua vontade de falar.
“Você pode imaginar a maldição como um vírus, que enfraquece à medida que teu corpo se fortalece.” comentou, retomando sua explicação.” Quando elevares o nível de teu núcleo, transformarás a lâmina que hoje te fere na chave que te liberta. Sempre houve um caminho. Não de palavras e promessas… mas de muito esforço, desafios e superação.”
“Nível…” Kai murmurou, deixando escapar seus pensamentos enquanto refletia sobre o que acabara de ouvir. “Então… o único método para ampliar minha expectativa de vida e eliminar o problema é simplesmente ficando mais forte?”
Sua mestra ergueu levemente a copa mostrando seu rosto onde um sorriso se formava aos poucos. Ele poderia facilmente acreditar que era um gesto de afeto… se não fossem as palavras que se seguiram. “Simples assim.”
Apesar dele ter acabado de afirmar praticamente a mesma coisa, ouvir aquelas palavras da boca dela naquele tom, trouxe-lhe um gosto amargo à garganta. Com toda certeza… não é simples, pensou, engolindo o nó que se formava.
Ygdraw, vendo que já havia mexido o suficiente com a mente do jovem, moveu um de seus braços. O som das raízes deslizando pelo solo ecoou pela caverna, grave e arrastado, chamando sua atenção de imediato. Ele saiu do devaneio e abriu a boca, pronto para questioná-la. “Co…”
“Primeiro, aproxime-se!” Ela o interrompeu, antes que a pergunta fosse formada. “Observe este desenho.” Com uma das raízes, apontou para os símbolos marcados no chão.
“O núcleo é um órgão vital que conecta praticamente tudo a ti. Ninguém consegue destruí-lo. Teu corpo pode até evaporar, mas ele sempre permanecerá!” explicou, dando ênfase naquele detalhe. “Ele possui milhares de funções… e uma delas é abrigar a sua própria dimensão espacial.”
Kai arregalou os olhos. Seus dedos tremeram levemente quando pousou a mão sobre o peito. O entusiasmo e o choque se misturavam em seu semblante.
Ao notar sua reação, Ygdraw deixou escapar um breve sinal de satisfação. “Assim que despertas o Éther, passas a ter acesso a esse espaço sempre que desejar. Podes armazenar qualquer objeto nele… exceto outros seres vivos.” Sua expressão então se tornou grave. Os olhos luminosos o fitaram com intensidade. “Neste espaço… é onde encontrarás a verdadeira fonte do teu poder. A chama da alma.”
Kai apertou o peito com mais força. As palavras dela acenderam nele uma pontada de curiosidade… mas também um desejo profundo, quase instintivo, de desvendar os segredos que repousavam dentro de si.
A mestra inclinou levemente a copa, disfarçando sua expressão como quem se deixa levar por um pensamento íntimo.
Era evidente que seu discípulo já havia baixado a guarda em sua presença, permitindo que seus sentimentos transparecessem com naturalidade. Isso também teve efeito sobre ela. O vínculo entre os dois chegara a tal ponto que Ygdraw se sentia disposta a revelar até mesmo o que não deveria… segredos que poderiam pesar mais do que ajudar.
“Você gostaria de experimentar?” Ela perguntou, enquanto sua voz se mesclava a uma fragrância floral que se espalhou pela caverna. O aroma era tão envolvente que faria qualquer um se perder, esquecendo por um instante onde estava. Era uma habilidade passiva, manifestada de acordo com seus sentimentos e intenções.
Kai respirou fundo, relaxando os ombros, e respondeu com uma expressão encabulada: “Está tão evidente assim… os meus pensamentos?”
Ela não disse nada. Apenas sorriu. Mas, para ele, aquele gesto já valia mais do que qualquer palavra.
“Venha, sente-se aqui.” orientou, apontando para a plataforma de madeira. “Assim como vem fazendo até agora… sinta o cristal em teu peito e conecte-se a ele.”
Kai obedeceu. Ajustou a postura, fechou os olhos e deixou a energia fluir lentamente. Ygdraw aguardava em silêncio, paciente, acompanhando cada detalhe. Quando percebeu que ele havia encontrado o equilíbrio, inclinou-se levemente e aconselhou em tom suave, para não quebrar sua concentração.
“Agora, visualize mentalmente o núcleo diante de ti… como se flutuasse à tua frente. Sinta-o reagir, liberando energia para cada parte de teu corpo. Então, imagine que está indo em sua direção. Permita que tua mente se desprenda das amarras da limitação… e, pouco a pouco, deixa-se atravessá-lo até que estejas dentro dele.”
Kai respirou profundamente, seguindo passo a passo as instruções. Em sua mente, o cristal surgiu diante dele, irradiando ondas de energia que se espalharam em círculos. Cada pulso fazia vibrar não apenas sua consciência, mas cada fibra de seu corpo.
Quando deu o primeiro passo, logo uma sensação estranha percorreu-lhe. Um arrepio de gela a alma. Era como se o chão tivesse desaparecido, e apenas sua energia sustentasse sua existência.
Sua mente havia se desprendido do corpo físico, acessando com sucesso seu objetivo.
“Eu consegui…”
Não havia dor, apenas a estranheza de sentir vagando em outro lugar, era como sair de uma esteira em alta velocidade e sentir que não conseguia controlar seu corpo normalmente, quase como se pudesse flutuar.
O mundo ao redor se transformou em um ambiente espacial. Tudo o que via diante de si era o espaço interno do núcleo, vasto, silencioso… e, ao mesmo tempo, magnífico. Um horizonte de luz e sombras que moldavam um domínio onde parecia não ter começo e nem fim.
Kai avançou alguns passos, tentando compreender a vastidão que se abria diante de si. A paisagem o surpreendeu. Uma barreira parecia separar o interior do exterior, distorcendo além de seus sentidos. O lugar lembrou instantaneamente o momento em que chegou a Hoikuen e, por um instante, ele acreditou ter retornado para lá.
Seu coração acelerou. Eu… voltei? pensou, olhando ao redor, confuso. Aquele pequeno pensamento em uma fração de segundos foi o suficiente para criar uma ilusão em sua mente, gerando a semente da dúvida.
Antes que pudesse especular mais por aí próprio, a voz de Ygdraw ecoou em sua cabeça, atravessando o subconsciente como um sussurro distante que não precisava de autorização para encontrar caminho.
“É parecido… mas não é o mesmo lugar.”
Kai sentiu um leve desconforto. Foi como se ela tivesse lido seus pensamentos. Voltando sua atenção para observar melhor, percebeu o engano: não havia solo firme, nem árvores, tampouco o sopro de um vento real. Tudo não passará de uma impressão enganosa que o confundira e o deixará maravilhado por apenas um instante.
“O que vês é a materialização do teu espaço interno. Este lugar existe apenas dentro de ti, e mais ninguém consegue acessá-lo.” explicou sua mestra. “Ainda assim, a barreira que o envolve é algo fascinante… pois guarda uma semelhança impressionante com o véu de Hoikuen.”
Kai assentiu em silêncio. Aquilo fazia sentido, e mesmo sem compreender todos os detalhes, não encontrou motivos para discordar.
“Agora, vá até o centro.” ordenou ao seu discípulo. “Não penses… apenas sinta, e saberás instintivamente onde deverás ir..”
“Pode deixar.” respondeu, confiando plenamente em cada palavra dela. Avançou sem hesitar, guiado por um instinto natural. Era como se já soubesse a direção exata, como se já conhecesse o caminho a muito tempo. Podia até sentir o que o aguardava.
Naquele espaço não havia corpo físico, sua existência era apenas em forma de pensamento. Como abrir uma bolsa e tentar navegar dentro dela tentando localizar algum objeto.
No centro, erguia-se uma chama solitária sobre o que se parecia um altar. Não era fogo comum, mas algo etéreo. Apesar da intensidade, não queimava o ar ao redor; ao contrário, parecia irradiar vida, uma fonte de energia divina.
“Esta é a chama da alma!” revelou Ygdraw, sua voz soou lenta mas contínua. “É a fonte de seu poder…”
Um misto de reverência e temor percorreu Kai por um breve instante, fazendo seus olhos brilharem diante da chama que pulsava do seu núcleo.
Então é você… a chave que me libertará das amarras da maldição.
NT: Obrigado por acompanhar minha história. Sua opinião é muito importante.
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