Capítulo 3 – Além do Véu
Kai, pego de surpresa, virou-se para cima instintivamente. Seguindo a direção da voz, percebeu, alguém flutuando acima deles. Uma figura imponente que encarava a todos sem demonstrar qualquer emoção alguma.
“Ei… eu conheço esse velho!” sussurrou, ao reconhecer alguns traços da figura. “É você!” Sua voz saiu pausadamente letra por letra. A descoberta o havia pego de surpresa.
O velho olhou fixamente e sua direção, como se tivesse escutado o seu sussurro. Kai sentiu um arrepio e quase se arrependeu de ter dito alguma coisa. Ele sentiu que aqueles olhos misteriosos estavam olhando através dele.
Será que ele pode ler meus pensamentos. pensou. Mas para o seu alívio, o velho desviou o olhar, deixando com uma mistura de curiosidade e receio.
“Uaull…” Somente agora ele havia reparado no céu atrás do Enviado, e ficou impressionado com aquele fenômeno natural.
Lembra um pouco o espaço, com esse fundo escuro infestado de pontos luminosos… pensou, enquanto seus olhos percorriam a vastidão. Mas logo notou algo que tornava aquele cenário ainda mais inquietante: inúmeras nuvens azuis de energia pairavam sobre o ambiente, conferindo àquele espaço uma atmosfera etérea, quase divina.
“Essas ondas de energia… parecem auroras boreais.” comentou Kai, hipnotizado pela paisagem que circundava toda a região onde estava.
Enquanto se deixava envolver por aquela atmosfera única, algo começou a pulsar dentro dele. Um sentimento estranho, intenso, vindo de um lugar profundo que ele não sabia nomear. Instintivamente, fechou os olhos focando-se naquela sensação, esquecendo tudo ao redor.
Que estranho… Porque sinto uma conexão com este lugar, pensou, intrigado. Havia um elo invisível dentro de si, chamando suavemente, como se cada centelha ao redor respondesse à sua presença.
É uma sensação de familiaridade! refletiu. Mesmo sem nunca ter estado aqui. Claramente, é um território completamente desconhecido… e ainda assim, me sinto em casa.
Foi então que a voz do Enviado ecoou mais uma vez, alcançando todos os recém-despertos.
“Sejam bem-vindos… A Etheryum!”
As palavras não percorreram apenas o ar, elas vibraram dentro de cada um, como se fossem sussurradas diretamente a suas mentes.
O que se seguiu foi um silêncio absoluto, como se o próprio universo contivesse o fôlego, aguardando o que viria a seguir.
“Imagino que todos devam estar muito confusos.” comentou o Enviado, captando as oscilações emocionais vindas dos recém-despertos. “Entretanto. Não vou aceitar interrupções!”
Sua voz, ríspida, reverberou como uma sentença. No mesmo instante, uma aura colossal emergiu de seu corpo, descendo como um manto sobre o campo.
A pressão não era física, mas um peso invisível que a mente de cada um. Muitos estremeceram sem entender o motivo, como se estivessem sendo pressionados até a essência.
Que poder é esse…? pensou Kai, lutando para manter o foco.
“Não temos muito tempo, então serei breve. E se alguém me interromper… não me culpe por ser indelicado” exclamou.
No instante seguinte, a pressão invisível que pairava no ar foi retirada de forma abrupta. Os despertos sentiram como se uma montanha inteira tivesse sido removida de cima de seus corpos. Muitos ofegaram, tentando recompor o fôlego, enquanto outros apenas caíram de joelhos. O alívio foi imediato, mas o aviso ficou marcado em cada um, como uma lâmina invisível, pronta para cair sobre o primeiro que ousasse abrir a boca.
“Primeiramente… vocês não estão mortos.” comentou, como se soubesse exatamente o que se passava em suas cabeças. “Também não foram enviados para outro mundo… ou qualquer fantasia desse tipo.”
As palavras pairaram no ar, deixando os ainda mais confusos. Murmúrios internos ecoaram, agitando suas consciências. A explicação, longe de esclarecer a situação deles, apenas mergulhou em mais mistério.
Kai observava em silêncio, com o olhar atento. No fundo, uma leve intuição começava a se formar, como se parte de si já compreendesse algo deste lugar.
“Tudo que vocês viveram até agora foi apenas uma ilusão mental chamada sonho eterno. Mas não para enganá-los, e sim para nutrir a sua consciência.” explicou o Enviado, com um tom firme e inquestionável.
“Agora olhem para o cristal no peito de vocês.” ordenou ele, e todos obedeceram no mesmo instante, movidos por um impulso involuntário. Assim que percebeu que todos haviam verificado o objeto, continuou:
“Ele é chamado de núcleo! Como alguns de vocês já devem ter percebido, ele é produzido pelas Embryonic Arbo“, disse, apontando para as árvores ao redor.
“Esse núcleo possui uma semiconsciência. Porém, ela é imatura… insuficiente para provocar um despertar por conta própria. Por isso, todos vocês precisaram passar por um processo de desenvolvimento mental, onde essa semiconsciência evolui dentro do sonho eterno” explicou com detalhes, como quem repete uma verdade já conhecida.
“E quando esse estágio é concluído… vocês acordam. Ou, como preferem dizer, nascem. Alguma dúvida?” perguntou, enquanto varria o olhar pelo solo.
Ninguém tomou a iniciativa de expressar suas opiniões, o aviso anterior havia deixado uma forte marca em cada um. Mas, para sua surpresa, contrariando sua previsão, avistou uma mão levantada.
Eu também senti aquele enorme poder me pressionando… mas não é o suficiente para me deixar com medo. E, além disso, não posso desperdiçar essa oportunidade! Kai pensou, movido pelo interesse e curiosidade.
“Diga, criança.” disse o Enviado, estreitando os olhos.
Não havia raiva em sua voz. Pelo contrário, um traço de interesse surgiu, revelando que ele apreciava a coragem e determinação daquele recém-desperto.
Vendo que realmente lhe fora concedida a permissão para falar, uma forte emoção tomou conta de Kai. Esperava ser repreendido, talvez silenciado, mas não. Sentindo o peso sair de seus ombros, aproveitou a deixa e perguntou rapidamente:
“Então… tudo que vivemos naquele sonho eterno não pode ter sido apenas uma mentira, né?”
Essa criança é intuitiva… pensou o Enviado, com certo apreço.
“Exatamente. Tudo que você viveu naquela realidade moldou sua personalidade, suas características e outras coisas que talvez vocês não entendam mesmo se for explicada agora!” respondeu, esclarecendo não apenas a dúvida de Kai, mas a de muitos outros recém-despertos.
Foi então que o Enviado viu várias outras mãos se levantando de repente, uma após a outra, como se tivessem combinado entre si. O bom humor que antes iluminava seu semblante se desfez em um instante.
É só dar um pouco de liberdade para estas crias de bactéria e vira festa… pensou, soltando um leve suspiro.
Uma pequena agitação se espalhou entre os presentes, alimentada pela euforia de talvez serem os próximos a perguntar. Mas o que ouviram em seguida caiu sobre eles como um balde de água fria.
“Seguindo com a próxima questão…” disse o Enviado, chamando de volta a atenção do grupo. “Esta encantadora névoa que estão vendo acima de nós, é chamada de Véu. Mas, ao contrário de sua aparência suave, ela é uma poderosa barreira de energia natural que protege este lugar, conhecido como Hoikuen.”

As palavras caíram sobre os despertos como uma âncora. Muitos ficaram desamparados, alguns sequer conseguiram prestar atenção, ainda ocupados demais pensando em suas próprias perguntas que jamais seriam feitas.
Vendo a pouca atenção que estava recebendo, o Enviado ergueu a voz e disse:
“Tudo o que está sendo dito é de extrema importância para vocês, novatos. Então recomendo que prestem atenção em cada detalhe… porque em momento algum irei repetir!” exclamou, com a voz alterada, deixando clara sua aversão à postura desatenta do grupo.
No mesmo instante, independentemente do que estavam fazendo ou pensando, todos pararam. A atenção foi imediatamente redirecionada para a fonte da voz, como se temessem perder alguma informação importante… ou, pior ainda, se tornarem o alvo direto dele.
Satisfeito com o resultado obtido, prosseguiu com o que dizia:
“Hoikuen… também conhecido como a estrela da vida e da morte. Imagino que consigam imaginar o motivo?” disse, enquanto varria o olhar por todos abaixo.
“Pelo visto me enganei!” comentou decepcionado. “Muito bem! É onde os núcleos ganham vida.” explicou, com uma leve bufada.
“O Véu protege este espaço de tudo que existe além de seus limites. Nenhuma entidade externa pode atravessá-lo. Qualquer um que tente… sofrerá penalidades severas. A morte é apenas uma delas.”
Seu olhar percorreu o grupo, avaliando reações.
“E vocês… por enquanto, também não podem sair. Pelo menos, não diretamente. Nenhum de vocês está pronto ainda, muito menos para aquilo que os aguarda do outro lado.”
APOIE O PROJETO ETHERYUM
Regras dos Comentários:
Para receber notificações por e-mail quando seu comentário for respondido, ative o sininho ao lado do botão de Publicar Comentário.