Capítulo 8 – Obtendo uma herança
Ele não sabia se era o coração, o núcleo… ou talvez algo ainda mais profundo. Mas alguma coisa pulsava ritmicamente dentro de sua forma Etherya, uma sensação insistente, de apreensão. Seus olhos, frenéticos, começaram a vasculhar o grupo, em busca de qualquer vestígio familiar. Girou a cabeça de um lado para o outro, tentando localizar sua origem.
Por um instante, ignorou tudo ao redor, a fila, os outros despertos, a presença da Matriz. A única coisa que importava naquele momento era confirmar a verdadeira identidade por trás daquela risada.
“Roy?! É você?” gritou, elevando a voz acima dos ruídos e murmúrios. “Sou eu! Kai!”
Deu alguns passos na direção de onde imaginou ter vindo o som. Mas não encontrou nada. Apenas o som abafado das respirações tensas dos demais despertos preenchia o espaço. Alguns encaram de forma estranha, outros apenas desviaram o olhar, julgando sua atitude como a de um tolo aleatório.
São todos iguais nesta forma… assim fica difícil dizer quem é quem! pensou, após observar alguns dos acordados.
Mas ele não desistiu.
Havia gente demais espalhada por todos os lados, o que impossibilitava verificar um a um. Caminhou entre os vários grupos, focando a visão a qualquer detalhe.
“Tenho certeza, não foi apenas um fruto da minha imaginação. É a mesma risada que ouvia quando ainda estava no Sonho Eterno.” sussurrou. Em momentos aleatórios, Roy, trancado em seu quarto, começava a rir extremamente daquele jeito estranho, sempre provocando nele um desconforto difícil de explicar. E naquele momento sentiu aquele mesmo sentimento, que mesmo agora, ainda o deixava ansioso.
“Roy!” gritou mais uma vez. “Eu sei que é você! Responde, droga!” Mas tudo o que recebeu em troca foram olhares e expressões carregadas com seus próprios julgamentos.
Apesar disso, manteve-se indiferente. Mesmo quando, vez ou outra, os olhos alheios se voltavam em sua direção. Ele não se importou, seu foco estava em outro lugar, varrendo as formas sem traços à sua frente.
…
Em meio à fila que avançava lentamente, um novo desperto deu um passo à frente. Seus olhos semicerrados tentavam enxergar além do portal, de onde emanava uma forte aura fundida à própria estrutura da Matriz.
Demonstrou ser mais centrado do que a maioria. Sua aura, tranquila, não denunciava o turbilhão de pensamentos que o consumia por dentro.
Desde o momento em que despertou, seu instinto o conduziu a estudar tudo o que fosse desconhecido. Nada escapava ao seu olhar analítico.
Quando a abertura oval se formou mais uma vez, chamando o próximo da fila, ele não demonstrou qualquer insegurança. Caminhou com um passo depois outro como se estivesse a caminho de casa. Quando seus pés tocaram a borda da estrutura, prestes a cruzar completamente o limiar da entrada, uma voz ecoou distante.
“Roy?! É você?”
Ele congelou no local.
A voz não era direcionada a ele, mas havia algo nela que reconhecia muito bem, aquele jeito único, como se tudo fosse urgente. E o nome pronunciado carregava lembranças que ele jamais poderia esquecer.
Instintivamente, tentou virar-se para ver de onde vinha. Mas a névoa o envolveu num piscar de olhos. A força da Matriz o puxou antes que pudesse dar um passo para trás. Seu corpo sumiu diante dos olhos dos demais, tragado pelo interior da estrutura. No instante seguinte, tudo voltou ao normal e ninguém parecia ter notado as suas reações estranhas antes de desaparecer.
…
Dentro da Matriz, sentiu como se tivesse sido separado da realidade. A névoa que o envolveu anteriormente por todos os lados, não existia mais. Não havia som, nem tempo neste espaço. Apenas um silêncio opressor e um brilho suave das esferas que circulavam ao seu entorno. Sua forma Etherya flutuava acima de uma plataforma.
“Onde eu estou?” murmurou, mas sua voz não encontrou eco. Apenas silêncio.
Uma presença respondeu de forma inesperada, pegando-o desprevenido.
“Olá, criança. Vejo que veio preparado… mentalmente.” disse a matriz, com um tom que soava tanto como elogio quanto como constatação.
Instintivamente, olhou em volta, mesmo sabendo que não encontraria ninguém, agiu por puro reflexo de um velho costume. Sem localizar a origem da voz, questionou:
“Você é o Seletor?” perguntou, desconfiado e sondando. “Como sabe o que se passa comigo?”
“Exatamente. Calmo e perspicaz! Uma ótima personalidade que temos aqui.” respondeu à voz, serena, mas carregada de uma estranha apreciação. “Eu conheço sobre todos que aqui despertaram, até mesmo os seus segredos mais profundos são revelados.”
O desperto engoliu em seco.
“Isso… isso é invasivo demais” sussurrou, serio. “Me sinto como se estivesse nu em sua presença.”
“Você está. Mas não da forma como imagina. Aqui, não há barreira entre o que é e o que se oculta. Tudo o que compõe sua essência está diante de mim… como dados vivos.”
“Hum, compreendo” respondeu, levando a mão até onde, antigamente, ficavam seus olhos. Um hábito antigo de ajustar os óculos, mesmo não tendo nada ali e nem mesmo a necessidade.
Foi então que as esferas coloridas translúcidas aumentaram a velocidade. Não havia dor… mas um leve incômodo. Como se algo ou alguém, estivesse tentando extrair fragmentos de sua essência. E, de fato, estavam. Informações que ele jamais ofereceria por vontade própria começaram a emergir, uma a uma.
Pensamentos antigos.
Emoções que acreditava ter enterrado.
Medos que ignorava… e fingia não sentir.
Tudo era escaneado. Revelado. Lido como um livro aberto por um poder insondável, absoluto, que dominava aquele espaço sem esforço.
Enquanto flutuava, uma memória recente, mas recém esquecida, emergiu em meio ao processo. Surgiu de forma abrupta. Um rosto. Um nome. Ambos se formaram em sua mente, como se sempre estivessem à espreita, esperando o momento certo de voltar.
“Roy!” Sussurou baixinho, o mesmo nome que ouvira sendo gritado, momentos antes de ser sugado pela estrutura da matriz
Agora eu me lembro.
Parecia ser o Kai… aquele tom, mesmo distante, soava muito familiar. A lembrança surgiu de imediato.
Não… deve ter sido coisa da minha cabeça. Não pode ser ele!? Não aqui. Seus pensamentos tentaram negar a verdade dada a sua circunstância. Recusando-se a aceitar o que, no fundo, já sabia.
Uma ação inesperada desviou seu foco para o próprio corpo, onde reagiu às esferas de energia que giravam em forma de redemoinho com velocidade crescente ao seu redor.
Levantou a mão próxima de seu rosto, notando sua forma Etherya, se dissolver pouco a pouco, desintegrando em micro partículas de energia. Cada fragmento era absorvido lentamente pelo cristal em seu peito.
Que sensação viciante… pensou, enquanto sentia o poder se acumular, mais e mais, dentro de si. Imagino que muitos devam se perder nesse sentimento… refletiu, resistindo à tentação, enquanto seu núcleo absorvia as últimas partículas dispersas.
Em menos de um minuto, todo o processo havia sido concluído. Já não restava mais nada, apenas um pequeno cristal hexagonal, flutuando no vazio.
“Não tema, criança. Esta é apenas uma parte do processo.” aconselhou o Seletor.
Sua consciência permanecia lucida e intacta, e isso tornava o processo quase insuportável. Pois, sua mente era invadida por uma enxurrada de imagens contra sua vontade. Vozes e fragmentos desconexos. Cenas aleatórias de toda a sua vida surgia diante de sua mente, como uma fita sendo rebobinada em velocidade acelerada, momentos esquecidos, palavras ditas, rostos apagados pelo tempo… tudo ressurgia, sem ordem, como se o universo o obrigasse a encarar cada parte de si que já viveu. Cada fragmento que compõe sua origem, seja ela boa ou ruim, estava sendo verificado minuciosamente, sem filtros ou lógica. Provocando uma grande pressão mental crescente.
Isso é insano… pensou, ao tentar se distrair e aliviar o estresse. Mas era difícil. A sensação de estar afundando em um oceano sem fim, onde não havia sinal do fundo… apenas a dúvida se algum dia o alcançaria ou se seria consumido antes disso.
Era sufocante, a pressão crescia e sua mente estava prestes a ceder.
“Mantenha o foco, criança. Você está quase chegando ao fim” disse a Matriz, sua voz ecoando de forma gentil, como um incentivo sutil, para que ele não cedesse. E, assim como foi dito, o processo de verificação cessou no instante seguinte.
Para seu alívio, a pressão se dissipou. Por fim, conseguiu soltar um suspiro aliviado, e a tensão se esvaiu lentamente, liberando o peso que carregava desde o início do processo.
A rotação dos fragmentos diminuiu gradualmente, até cessar por completo. Agora, flutuavam à sua volta em silêncio, como se aguardassem novas ordens. O núcleo, ainda envolto por uma aura intensa, pulsava de forma lenta e constante…
“Will. Você obteve uma Herança de Linhagem.”
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