16 O inferno dos loucos
O que é estar vivo? Qual é a diferença disso para a morte? Se viver significa sentir e contemplar as sensações, a morte é a privação de tudo, o completo e eterno vazio.
Encontro-me no mais profundo breu existente. O vento que do exterior assobia fortemente, assemelha-se a gritos me causa calafrios. um intenso calor assola meu frágil corpo. Me esforço para tentar lembrar de algo, mas nada me vem à mente além de uma forte dor circulando pela carcaça.
Trovões ecoam pelo céu e revelam em vislumbres onde estou. Localizo-me em um quarto. Seu chão é feito de tábuas desgastadas, musgos tomam conta de sua superfície. Suas paredes são rochosas, uma fina camada esverdeada a cobre conforme o mofo instiga meus pulmões a tossir.. Na extremidade direita do cômodo, há uma pequena escrivaninha de ferro, pode-se ver uma bandeja com várias ferramentas acima de sua faceta. Ao lado dela, um corredor que leva à um local tão escuro quanto o quarto.
Instigado, tento andar até lá, mas minha longa túnica se entrelaça por entre minhas pernas e caio no chão, ele está molhado e viscoso. Levanto-me e passo a mão pela minha roupa para a limpar. Concluindo, finalmente volto ao que estava fazendo. Olho para a bandeja.
Ela me revela onde estou, no mais profundo e cruel inferno. Pulo surpreso para trás e caio no chão novamente, incrédulo. Dentro da bacia, há várias ferramentas ensanguentadas. Unhas inteiras flutuam sobre o líquido carmim. Dos utensílios, os que mais se destacam são um alicate e um longo chicote feito de corda grossa.
Minhas mãos tremem em uníssono com o meu corpo, dos meus olhos, lágrimas caem e escorrem pelo meu rosto. Todos os pelos do meu corpo estão arrepiados. Tomado pelo desespero e por pequenos flashes de lembrança, corro para o corredor logo à frente. Tudo que posso escutar no momento é o barulho dos meus passos abafados pela chuva que começara após sair do quarto, continuo meu caminho por longos minutos e não chego a lugar nenhum.
Corro, corro, corro e parece não acabar. Olho para trás e o quarto continua lá, como se não tivesse me afastado dele. Ainda tremendo, volto para o local e percebo algo que não havia visto antes, uma cadeira. Ela é feita de metal e está ao lado da escrivaninha, possui talingas em ambos os braços. Seu assento e encosto de costas são feitos de longas agulhas azuladas. Em seu encosto de cabeça, há uma amarra de couro.
Perto da cadeira, vê-se uma barra de metal com uma extremidade parecida com uma colher. Penso ser algo para evitar com que a pessoa feche seus olhos. A cadeira parece estar encharcada de sangue fresco. Gotas do líquido escorrem pelo ferro e caem no chão.
Trovoa novamente. Ouço passos do corredor, arrepios percorrem minha espinha.
— Pequeno Kawaa? Cadê você? — Uma voz desfigurada clama por um nome de maneira maliciosa. Sinto meu corpo tremendo novamente, quase não consigo me mexer devido ao medo. — Vamos, Kawa… Apareça logo, vamos brincar!
Sinto a necessidade de me esconder o mais rápido o possível, mas onde? Não há mais nada no quarto além da cadeira e da escrivaninha. Rapidamente olho para a janela do cômodo, mas para meu infortúnio, percebo que é feita e reforçada de aço, como a de uma cadeia.
Os passos começam a ficar cada vez mais intensos.
Finalmente abandonando o resto da minha esperança, sento-me de cócoras e abraço minhas pernas fortemente, o mais forte que consegui, até restar apenas um profundo silêncio. A chuva, os passos, a voz, todos pararam. Abro meus olhos confuso e me deparo em um lugar completamente diferente.
Estou deitado em uma banheira de mármore, diante de meus olhos, colado na parede, há um relógio circular apontando para às quatro e vinte. Ao meu lado, há uma janela de ferro. Raios de luz lunar atravessam as fendas da ventana e iluminam o ambiente. Era um calhambeque simples, com uma cortina ondulada branca. Ela estava fechada.
O pêndulo do relógio lentamente conta os segundos conforme passam. A cada volta, ouve-se um ‘tic’ e recebe um ‘toc’ como resposta. Olhar para ele me causa uma sensação muito forte de inquietação. E o mais estranho é que de alguma forma, não consigo tirar o número “seis mil” da cabeça.
Não movo sequer um músculo abaixo da cabeça devido a tensão. Encaro o contador ansioso, de alguma forma, gostaria que o tempo passasse mais rápido. A cada volta completa que aquele objeto dava, meu corpo tremia gradualmente mais.
Como o local está mais iluminado, olho para meu corpo curiosamente. Estou sem roupas. Cicatrizes, buracos e retalhos estendem-se por todo meu torso, meus braços não eram diferentes, algumas partes dele estão abertas até o osso. Vermes e larvas tomam conta dos machucados mais profundos, alguns até mesmo caem. Minhas mãos estavam cheias de marcas, as unhas estavam subdesenvolvidas. Sinto uma dor extrema, mas decido ignorar por enquanto. Meus instintos dizem que não posso gritar ou fazer barulho, pois algo está por vir. Assim, encaro o pêndulo e começo a contar o tempo.
‘Tic.’
‘Tac.’
‘Tic.’
‘Tac.’
‘Tic.’
‘Tac.’
‘‘Cinco mil.’’
‘‘Dois mil.’’
“Quinhentos”
“Dez”
— Te encontrei, pequeno Kawa… — A voz ressoou pelo quarto como um martelo batendo contra uma parede de ferro. Neste momento, meu coração congelou. Faltava tão pouco…!
Um braço esguio e decrépito abriu a cortina de maneira abrupta, revelando uma figura extremamente desnutrida. É um homem de meia idade despido. Seu rosto é pálido, possuía uma barba rala e mal feita, cinza. Seus olhos, profundos e vazios, me encaravam com perversidade. Pelos encaracolados saem de seu peitoral. Ele me olha com um sorriso desfigurado.
— Oh… Pequeno Kawa, você não deveria ter fugido… Poxa vida. — Balbuciou olhando para o relógio com uma cara séria. — Ah, faltavam apenas dez segundinhos para você ficar livre, né? Que pena, uma grande pena… — Vira seus olhos novamente para mim, recobrando seu sorriso.
Ele pega minha cabeça com força, sua pegada é extremamente dolorosa e pesada. Apesar de ser tão magro quanto um espantalho, consegue me erguer com apenas um braço.
— Quantas será até desmaiar? — Ele se questiona olhando para o teto e colocando seu dedo indicador no lábio. — Por que não testamos, pequeno Kawa?!
A figura então começa a bater minha cachola contra a parede com força. Sinto minha visão ficando mais fraca a cada pancada. Minha cabeça doí, doí muito. Algumas lágrimas escorrem pelos meus olhos. Sinto uma ânsia de vómito muito grande quando ele finalmente termina e me joga contra o chão, tudo está virando.
— Cinco? Você ficou mais resistente, pequeno Kawa! — Ele grita loucamente e pula pelo local extremamente animado. — Agora… Vamos para aquele lugar. — Ele me pega no colo, beija minha bochecha e sorri calorosamente.
Neste momento, minha consciência se esvai. A última coisa que vi antes de perder a razão, foi aquele sorriso nojento e desprezível.
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