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    07 de setembro de 2024, quinta-feira. 

    Victor segurava o celular à altura do rosto, o braço esticado, já habituado à rotina das videochamadas. Sua voz saía fluida e controlada, sem grandes emoções, como alguém que se comunica regularmente com a pessoa do outro lado da tela. Na sala, ele estava sozinho, exceto pelas vozes de outras duas pessoas participando da chamada. Uma delas era feminina, suave e calma, enquanto a outra, masculina, transmitia firmeza e entusiasmo perceptíveis apenas pelo tom de sua fala. 

    Totalmente concentrado na conversa, Victor mal notava o ambiente ao seu redor. O ar-condicionado mantinha a temperatura agradável, e a luz natural, filtrada pela grande janela, iluminava a sala de forma equilibrada. O monitor à sua frente exibia uma tela preta de descanso, enquanto ao lado repousava uma caneca com chá gelado. Atrás dele, um grande quadro ilustrava um horizonte tranquilo, onde o azul do mar se misturava ao anil do céu. 

    Ao mudar de posição na cadeira, a câmera capturou a porta de vidro do departamento ao fundo. Sem ele perceber, Aki entrou na sala com seus passos silenciosos. Não era proposital — era apenas seu jeito discreto de se movimentar. Tentando não atrapalhar, ela seguiu até sua mesa sem chamar atenção, mas notou rapidamente que Victor conversava com mais duas pessoas na chamada. Só quando seus olhares se cruzaram é que ele percebeu sua presença e, de forma automática, cumprimentou-a em português: 

    — Bom dia. 

    Aki sorriu, surpresa, e tentou imitar: 

    — Boum diá? Boum di… a? 

    Seu tom carregava incerteza, e ela repetiu as palavras com curiosidade, tentando entender a pronúncia. 

    Victor, ao notar sua confusão, pousou o celular sobre a mesa e avisou às pessoas na chamada: 

    — Esperem um minuto. 

    Virando-se para Aki, explicou: 

    — “Bom dia” significa ‘bom dia’ em português. Como estou falando com brasileiros na chamada, acabei respondendo você assim sem querer. 

    Aki abriu levemente a boca, assimilando a explicação, e acenou com a cabeça, sentindo-se um pouco intrometida. Victor logo retornou ao celular, encerrou a conversa e direcionou sua atenção a ela. 

    — Tem alguma novidade sobre o relatório do evento Safari? — perguntou ele, levando a caneca de chá gelado aos lábios. 

    — Não, nada do chefe Akashi ainda — respondeu Aki. 

    Victor assentiu em silêncio e voltou-se para o computador. A sala ficou momentaneamente silenciosa, apenas o som do ar-condicionado preenchendo o ambiente. Depois de um instante, ele quebrou a quietude, ainda olhando para o monitor: 

    — Nós não conversamos muito essa semana, né? 

    Então, girou levemente sua cadeira para encará-la. 

    — O evento de sexta-feira foi bem divertido, não foi? 

    Aki se surpreendeu com o comentário. Não esperava que Victor mencionasse o evento, mesmo sendo um assunto relacionado ao trabalho. 

    — Sim, foi encantador. A decoração estava maravilhosa, e a equipe cuidou de muitos detalhes importantes — respondeu ela, relembrando a noite com um leve sorriso. 

    Pegando o celular, Aki abriu uma conversa recente e a mostrou a Victor. 

    — A Sakura também foi muito simpática. Ela pediu para eu adicioná-la como amiga. 

    Ela virou o telefone de volta para si ao perceber algo e explicou: 

    — Na verdade, o contato é da mãe dela, que também é uma pessoa muito gentil. 

    Victor não se esforçou para ler a conversa, mas percebeu o entusiasmo dela. Sentiu uma leve sensação de satisfação crescer dentro de si, embora sua expressão permanecesse neutra. 

    Após um breve silêncio, Aki, curiosa, perguntou: 

    — Posso te fazer uma pergunta? 

    — Claro — respondeu ele, de maneira casual. Apesar do tom tranquilo, sentiu um leve interesse pelo que viria a seguir, mas manteve-se controlado. 

    — Por que você sempre mantém as conversas aqui no escritório tão restritas? — Aki percebeu que poderia soar um pouco invasiva e tentou suavizar a pergunta: — Quero dizer, você evita assuntos pessoais aqui dentro, mas lá fora é mais aberto. 

    Victor arqueou a sobrancelha, involuntariamente, levando a mão ao queixo enquanto olhava para o teto, refletindo. 

    — Nunca tinha pensado nisso… 

    Ele girou a cadeira de um lado para o outro antes de se deter e responder: 

    — Como você sabe, não tenho muitos amigos aqui. Além do chefe Akashi, de conhecido, não tenho mais ninguém. 

    Aki sentiu uma leve tensão com essa resposta, um incômodo sutil crescendo em seu peito. 

    “Somente o chefe Akashi de conhecido?” Esse pensamento ecoou em sua mente antes que Victor continuasse: 

    — E, de amigos em quem confio, só tenho você. 

    O tempo pareceu desacelerar para Aki. Seu coração bateu mais rápido, e, quase instintivamente, ela levou uma mecha de cabelo atrás da orelha, tentando esconder o nervosismo. 

    — Mesmo que a gente não saia muito fora do trabalho, eu te considero uma grande amiga — disse ele, sinceramente, de forma pontual. 

    Aki manteve o olhar fixo nele, resistindo ao impulso de desviar, mostrando que estava ouvindo com atenção. 

    — Não sei se já te falei, mas o que você disse aquele dia me ajudou muito em algumas decisões. 

    Ele se referia à conversa sobre milagres e superação. 

    — Mesmo que eu evite muitas conversas, você sempre esteve disposta a falar comigo. Talvez eu pareça muito ríspido, e mesmo que eu não responda às vezes, suas palavras sempre me alcançam, de um jeito ou de outro. 

    Aki sentiu um calor crescente dentro de si. Suas palavras tinham, de fato, significado para ele. 

    Ajeitando-se levemente na cadeira, ela percebeu que Victor ainda não havia terminado: 

    — Mas, Aki, quero que saiba que não é por querer. Desde o incidente… tenho dificuldade em me aproximar das pessoas. Não sinto vontade de fazer novos amigos. 

    Ele fez uma pausa, pegou a caneca de chá e tomou um gole, antes de continuar: 

    — Às vezes acho que pareço um idiota com essa postura, mas é algo automático. É como um bloqueio. 

    Aki sentiu um peso naquelas palavras. 

    — Mesmo assim, não me incomodo quando você fala comigo. 

    A leve curva em seus lábios demonstrava um raro traço de emoção. 

    — Ultimamente, quando conversamos, me sinto mais leve… como se um fardo estivesse sendo tirado das minhas costas. 

    Aki estava um tanto assustada. Não esperava que sua pergunta provocasse uma resposta tão sincera e profunda de Victor. Embora estivesse imersa no que ele dizia, sentia um certo receio de que descobrir mais sobre aquele homem à sua frente não fosse tão fácil. 

    Enquanto ele falava, Aki tentava processar tudo. Cada palavra trazia um misto de emoções, e, por um momento, ela sentiu um leve arrepio ao perceber que talvez significasse algo para ele. Mas ainda assim, se perguntava sobre esses sentimentos. 

    Aki não tinha experiência em relacionamentos amorosos e sempre teve dificuldades em fazer amizades com homens e até mulheres também. Embora fosse bonita, a timidez a fazia se isolar. No colégio, ela focava apenas nos estudos, o que a deixava mais distante dos colegas, e na faculdade a história não foi diferente. Mas, ao começar a trabalhar, Aki soube que precisaria se comunicar melhor, então se esforçou para superar esse bloqueio. 

    Agora, sua insistência em saber mais sobre Victor vinha tanto da curiosidade quanto de uma preocupação genuína. Ele era tão focado e sério no trabalho que nem sequer se permitia rir com os colegas. Desde que esbarraram na rua e começaram a se aproximar, ela queria ajudá-lo. Mas, às vezes, se perguntava: “Será que isso é só pena pelo que ele passou?” Esse pensamento a incomodava, embora sempre o afastasse. 

    Como não tinha experiência com relacionamentos, frequentemente se sentia confusa sobre o que realmente sentia. Seus sentimentos e pensamentos às vezes se embaralhavam, dificultando que ela mesma se entendesse. Ainda assim, após ouvir tudo que Victor disse, ela se recompôs e olhou para ele com atenção. 

    — Eu acho que, como supervisores, devemos manter a postura profissional aqui dentro — disse ele, num tom que parecia quase uma advertência, mas Aki compreendia o que ele queria dizer. 

    — Lá fora, eu me sinto mais à vontade para falar com você de forma natural — continuou ele, encontrando o olhar dela. — Acho que uma parte do Victor original aparece quando estamos conversando. 

    Talvez ela não compreendesse completamente essa parte, mas Victor percebia que isso acontecia apenas com ela. Essa liberdade em conversar. 

    Aki sentiu o coração acelerar ao ouvir isso, enquanto ele acrescentava: 

    — É por isso que posso te chamar de amiga, certo? 

    Ela assentiu, emocionada. Ele realmente não parecia entender por que conseguia se abrir com ela de uma forma que não conseguia com mais ninguém. E, enquanto falava, percebia pela primeira vez o quanto isso era importante. 

    — Claro. Somos amigos. Pode sempre ser sincero comigo — respondeu ela, com a voz levemente trêmula. Disfarçou o nervosismo com um sorriso. 

    — Eu serei — ele afirmou, desviando o olhar para o lado, como se ainda estivesse se acostumando à ideia. — Aprendi a ficar sozinho e, na maioria das vezes, escolho esse caminho. 

    Victor terminou de beber o chá e acrescentou: 

    — Mas acho que estou relembrando como é o outro caminho… 

    Aki sorriu, enquanto Victor se virava para o computador. Sentiu um calor reconfortante, sabendo que sua presença realmente fazia diferença para ele. Ela agora tinha certeza de que era mais do que apenas uma colega para ele, era uma amiga. E isso a deixava em um misto de alegria, nervosismo e curiosidade, enquanto voltava ao seu dia a dia, normalmente. 

    Mas o pensamento ainda martelava em sua cabeça: “O que significa esse ‘amiga’ para ele?” 

    … 

    Passado algum tempo, o telefone de ambos tocou, alertando sobre uma nova mensagem. 

    O chefe Akashi os convocava para sua sala. Assim que chegaram, encontraram-no com sua postura séria e profissional de sempre. O superior os recebeu com cordialidade e respeito, convidando-os a se sentarem. 

    Sobre a mesa, havia alguns papéis organizados — alguns grampeados, outros soltos —, sendo essa a única mudança perceptível desde a última vez em que estiveram ali. 

    — Chamei vocês aqui porque tenho dois assuntos importantes para discutir pessoalmente — disse Akashi, ajeitando-se na cadeira antes de continuar. — Primeiro, vou falar sobre o relatório do evento ‘Safari’. 

    Ele distribuiu uma cópia dos documentos para cada um. Tanto Aki quanto Victor sentiram-se apreensivos, esperando pelo que seguiria. 

    — Estava excelente! — A voz firme do chefe soou empolgada. — Vocês fizeram um trabalho incrível. As observações foram pertinentes, e as críticas, detalhadas e bem fundamentadas. 

    Ambos respiraram aliviados ao ouvir isso. 

    — Fiquei impressionado com o desempenho de vocês — continuou Akashi, virando a folha que segurava e mostrando brevemente a outra página. — Até mesmo o senhor Nagaya me enviou um e-mail agradecendo e elogiando nosso trabalho, destacando especialmente a postura de vocês dois durante o evento. 

    Os dois mais jovens trocaram olhares rápidos, satisfeitos e orgulhosos pelo reconhecimento. 

    — Agora, como vocês devem saber, infelizmente, o Kazuya sofreu um pequeno acidente e ficará afastado por alguns dias — informou o chefe, colocando os papéis sobre a mesa e pegando um novo conjunto de documentos. — Ele e a Mio estavam escalados para supervisionar um evento que ocorrerá neste sábado, 9 de setembro. Devido às circunstâncias, preciso pedir que vocês dois assumam essa função. 

    Surpresos, eles trocaram olhares novamente. Aki esboçou um sorriso, e Victor, entendendo sua reação, concordou com um leve aceno. Sem hesitação, ambos aceitaram a responsabilidade. 

    Akashi reconheceu que o pedido era em cima da hora, mas explicou que se tratava de um imprevisto. Ele também mencionou que o evento era da empresa ‘Wallmart’, uma celebração em homenagem a uma meta alcançada. Essa rede de supermercados pertencia à família Wallestein, uma das mais influentes no ramo no Japão. 

    — Mesmo que tenham acesso aos dados do evento, algumas informações ainda são privilegiadas — comentou o chefe, esboçando um sorriso para aliviar o clima. — Aqui está uma cópia para cada um, contendo detalhes relevantes que não estão no sistema. 

    Victor pegou sua folha, assim como Aki. Após uma rápida leitura, ele ergueu os olhos e perguntou: 

    — O senhor é amigo da família Wallestein? 

    — Digamos que sou um conhecido — respondeu Akashi, num tom mais leve, sem perder sua firmeza habitual. 

    Os dois analisaram os documentos com mais atenção enquanto o chefe aguardava. 

    — Eu queria designar vocês para esse evento desde o início, mas, pela escala, seriam Kazuya e Mio os responsáveis — explicou Akashi. — Não sei se foi coisa do destino, mas agora posso contar com vocês. Tenho um carinho muito grande por essa família. 

    — Não vamos decepcionar — disse Aki, com empolgação genuína na voz. 

    — Será uma honra participar desse evento — completou Victor, alinhando-se às palavras dela. 

    O chefe Akashi assentiu satisfeito e logo os dispensou para que voltassem aos seus afazeres. 

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