A Terras das Chamas, parte 2
Na boca do mais alto vulcão de HuoZhong, suspenso sobre a lava fervente e sustentado por quatro pontes conectadas desde as extremidades da cratera até o coração flamejante, erguia-se o Palácio ZhuRong.
A arquitetura daquela fortaleza imperial esculpida entre o céu e o magma seguia o estilo refinado de Meilí, com camadas sobrepostas de estruturas simétricas e colunas espirais até os beirais.
Os telhados curvos feitos de cerâmica em preto e bordas escarlates que refletiam o dourado do sol poente ostentavam a figura de um qilin, símbolo da realeza daquele domínio vulcânico. As janelas, moldadas em madeira de mogno e entalhes de dragões entrelaçados, recebiam uma luz âmbar filtrada pelas cortinas translúcidas bordadas em fios e sedas rubras.
Por dentro, os corredores respiravam o calor constante de um verão eterno. A brisa, embebida por incensos de cânfora, vagava pelas passagens revestidas com pisos de ônix e ladrilhos de jade enquanto portas de madeira escura gravadas com ideogramas dividiam os salões.
Como decoração, longas tapeçarias bordadas com cenas míticas de batalhas e principalmente do Deus do Fogo ZhuRong e seus dragões gêmeos eram exibidas pelas paredes e colunas.
O local era isento de silêncio, pois mesmo nas alas mais esquecidas, reinava o ocasional crepitar das brasas…
Trajados em uniformes vermelhos encorpados, guardas imóveis vigiavam todas as portas e entradas. Lanças de bronze, criadas a partir do solo de pedra vulcânica, reluziam a ameaça de quem sequer pensasse desafiar os olhos de sentinelas que jamais piscavam sob as máscaras douradas.
No núcleo do palácio imperial, isolada da vista do povo e cercada por soldados em prontidão, a Imperatriz MoYan Huang permanecia em seu trono vermelho e dourado erguido sobre o altar de uma imensa sala semicircular. Com um mapa aberto entre os dedos, suas longas unhas tingidas de amarelo tocavam levemente os contornos da costa norte, onde Medved havia cravado sua presença de forma arrogante.
Sendo a reencarnação do fogo imperial, MoYan era silenciosa, letal e altamente refinada, como as cortesãs-guerreiras de dinastias passadas. Sua força era vestida em seda lavrada com ouro e armada com decisões que queimavam impérios inteiros. Seu domínio se sustentava pelo calor sufocante de sua presença e a sensatez com que manejava tanto a política quanto as chamas que lhe obedeciam.
MoYan não envelheceu como os homens comuns, havia nela algo de eterno e mítico. As rugas sutis em seu rosto não passavam de rachaduras no verniz de um vulcão dormente. Seu cabelo preso em coque alto e enfeitado por fios dourados e pedras vulcânicas lapidadas era mais rígido que os conselheiros diante de si.
A situação preocupante mapeada no papel em suas mãos tirava até mesmo a sua vontade de piscar, porém, as chamas atrás dos longos biombos de seda rubra reagiam às emoções não demonstradas.
Quando falava, até vapor escapava.
— DaoYan… — sem movimentos, sua voz cessou a quietude.
Um homem de músculos fortes à sua esquerda inclinou-se levemente. Seu rosto era marcado pelos anos, mas os ombros largos, a barba alinhada e os olhos de carvão mostravam que, embora fosse o consorte imperial, seu espírito jamais se curvara. Trajando um hanfu escuro de seda espessa e usando as mangas longas para esconder os pulsos cobertos de cicatrizes antigas, DaoYan se mostrava um guerreiro que deixara o campo para sentar à mesa da política, mas nunca esquecera do cheiro da morte.
— O que pensa sobre as estratégias definidas pelos generais? — perguntou a imperatriz.
— Divididas. Há os que defendem um avanço preventivo sobre Seorim antes que Asahi os envolva em sua teia, e outros que preferem selar tratados com Medved mesmo sabendo que acordos com aquele povo é como confiar em um rio congelado: belo de longe, mas traiçoeiro ao se infiltrar.
— E sobre a sua? — Os olhos imperiais finalmente se voltaram para o consorte e revelaram uma íris que parecia conter um núcleo em combustão.
— Acredito que o fogo não pode se dobrar à neve, muito menos ao desconhecido. Mas pode esperar, pode conter… pode escaldar de dentro e surpreender os desavisados.
MoYan fechou os olhos por um instante. Um lampejo de dor atravessou sua expressão. Era memória.
— HuoZhong não sobreviverá a mais uma década de silêncio forçado. O povo suspeita que o Império sangra em silêncio, mas estão equivocados… Nós queimamos em chamas! — Ela se levantou bruscamente. Com um estalar de dedos, o mapa diante de si foi consumido por chamas douradas. Os generais recuaram instintivamente, ninguém ousou falar. — Queimamos por dentro, calados, como carvão que espera a centelha.
Arrastando seu manto claro pelos degraus, a imperatriz desceu do altar. À medida que cruzava a sala em direção a um dos vitrais laterais, os conselheiros mais antigos curvavam-se com reverência ao vê-la passar. — Se desejamos sobreviver aos urros e venenos impostos por aqueles que nos observam do outro lado do oceano, então devemos nos manter altivos, ardentes, imperdoáveis! Não é mais tempo de conciliação, é tempo de nos tornarmos ainda mais combustíveis.
Já na vidraça onde via-se o céu de brasas sobre o vulcão principal, MoYan relembrava seus momentos de inocência. — Minha mãe dizia que o fogo só existe quando é visto. Falácia. A efetividade da chama está em queimar em segredo e surpreender na hora certa… Como portadora da Chama Eterna, levarei Meilí ao caminho desejado pelos nossos antepassados.
DaoYan, o consorte, aproximou-se com a preocupação no rosto. — E quanto à sua filha?
MoYan suspirou, e pela primeira vez em muito tempo, seus olhos se suavizaram. — Ela ainda dança. Entre os pilares, nas noites abafadas, onde ninguém vê. Crê que ninguém a escuta, mas eu vigio cada passo que ela dá…
DaoYan esboçou um sorriso discreto. — Ela é esperta, com certeza não demorará até que ela domine a Chama Eterna e nos fortalecer nesses tempos sombrios.
— Não. Infelizmente, sinto que ela se tornará o que não esperamos. E é por isso que deve permanecer presa neste palácio até que um dia eu consiga levá-la ao nosso lado.
— Comprometo todo o meu tempo a ajudá-la neste quesito, Majestade.
A imperatriz percebeu a fidelidade no curvar de seu consorte, e motivada, ordenou aos outros militares: — Preparem os mensageiros! Quero que Asahi receba nossos cumprimentos pela primavera. Faça-os saber que, nos anos que estão por vir, ela virá mais quente!
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