Índice de Capítulo

    Olá, leitores! Criei um volume com histórias independentes do enredo principal! Embora essas narrativas não sejam de \”leitura obrigatória\”, elas oferecem uma visão interessante do passado e até futuro do universo áurico.

    As histórias serão contos com capítulos organizados em partes. Como um capítulo completo pode ter até 12 mil palavras, achei mais conveniente dividir assim.

    A história principal continuará, mas para isso, preciso concluir a postagem deste conto, que é bem interessante para o capítulo 55.

    Espero que gostem da leitura!

    [ Século V, Asahi. ]

    Nos primórdios da evolução e do entendimento da vida no país do sol nascente, a comunicação estava em seu início. O propósito de todos era definir palavras, um amontoado de letras adorado por muitos, e entendido por poucos.

    A resposta definitiva da pergunta: “o que é a paz” era a mais cobiçada, uma missão antiga que já possuía soluções, como: “A aceitação do efêmero, como as pétalas das cerejeiras que caem sem nenhum remorso”, ou, “Adquirir a calmaria do lago imóvel que reflete a lua em sua forma perfeita: representar exatamente o mundo à sua volta sem nenhuma distorção”.

    As respostas eram tantas que seria impossível listá-las por completo. Entretanto, não eram todos que podiam comentar sobre diante dos olhos do governo.

    Naquele espaço onde a população era sufocante, apenas grupos selecionados eram permitidos a fomentar o significado das palavras:

    Os áuricos.

    Para os triviais, eles eram lendas vivas, deuses encarnados que dobravam, retraíam, e emanavam o fogo, a água, a terra, e o ar, tudo com o mesmo desdém de um nobre afastando um servo inconveniente. Logicamente, foram os mais fortes que implementaram essa ideologia na cabeça da maioria dos mais fracos.

    A verdade era que a aristocracia via a aura como uma extensão natural do poder imperial, um reforço da ordem divina; mas para os triviais que reconheciam o suor e a dor para manterem suas casas e encherem seus pratos com a comida mais pobre, os áuricos eram um fardo, uma representação maldosa de sua impotência… e embora não bastasse tanto sofrimento, isso não era o mais triste.

    Nenhum daqueles triviais sabia do futuro, se toda aquela reclusão de dignidade duraria anos, décadas, séculos, milênios. Naquela época, eles só sabiam que morreriam pisoteados, sem uma chance sequer de revidar…

    [ Século XVI, Ousaka, Asahi. ]

    Sob o céu tingido pelos primeiros raios de sol, e entre uma infinidade de telhados curvos e ruas de terra, um palanquim1 passava com sua opulência2 e crueldade diante da vida simples dos que deixavam suas modestas moradias para gastar moedas em mercados barulhentos e apreciar rezas em templos, onde monges murmuravam sutras para os seus deuses.

    Dentro daquele palanquim carregado por homens denominados inferiores, dois líderes de clãs aliados ostentavam suas respectivas armaduras samurais: uma era vermelha e dourada, com chifres de cervo no capacete detalhado, já a outra, negra e prateada, um grande chapéu de palha escondia o topo da cabeça até o nariz. Mas havia uma certa semelhança, ambas continham máscaras demoníacas, que além de harmoniosas com as cores, retratavam a ferocidade de monstros folclóricos: onis.

    Eram armaduras forjadas para a guerra, preparadas para o choque de lâminas e embates contra forças além da compreensão.

    Porém, toda aquela beleza não diminuía a insolência de quem a vestia.

    — Tss, esses inferiores ficam mais lentos a cada segundo! Como podem ser tão fracos, ãh?! Andem! — A voz madura e rasgada provida do capacete carmesim ardia nos ouvidos dos carregadores cujos corpos quase nus estavam cobertos apenas pelo essencial.

    — Nobushige, sua pessoa sabe da capacidade dos triviais, subjugá-los agora só os pressionará mais do que aguentam, um vassalo caído no chão será um problema — orientou uma voz experiente atrás da máscara preta, um tom calmo, sábio, mas no fundo, longe da humildade que um senhor perto dos 65 anos poderia ter.

    — Tsc, se o intuito era fazer-me rir, você conseguiu. Onde aprendeu a ser tão misericordioso?

    O outro não respondeu a pergunta irônica, aparentemente, um homem de poucas palavras.

    Ahém, enfim… Espero que seus ronins estejam realmente preparados. Não haverá misericórdia no castelo.

    A conversa parou por ali. O insolente já estava acostumado com perguntas sem respostas do mais experiente ao seu lado, que permaneceu quieto até chegarem ao destino desejado…

    Além dos muros da capital, longe das artimanhas dos cortesãos e das disputas por influência, um bosque dava a impressão de estar atravessando um mar verde partido no meio. Era ali que residia um clã lendário oculto entre a vegetação densa:

    O Clã Asagiri.

    Áuricos de Ousaka respeitavam esse nome, e os triviais? Apenas pensar sobre já era uma ameaça.

    Os Asagiri não se curvavam a imperadores nem se vendiam como mercenários. Isolados em seu domínio, eles treinavam contra os próprios elementos e forjavam guerreiros que não dependiam da fragilidade de uma hierarquia política.

    Pelas árvores que resguardavam chalés de madeira escura projetadas para resistir tanto à fúria das tempestades quanto ao peso da neve, as regras eram simples: sobreviva, aprenda, fortaleça-se.

    Na aldeia samurai protegida por uma muralha de madeira, moradias eram conectadas por estradas de brita, onde tochas queimavam sem precisar de óleo, alimentadas pelo próprio controle sobre o fogo de alguns dos moradores. 

    A armadura dos guerreiros Asagiri não brilhava como as das tropas imperiais, mas serviam à guerra e à sobrevivência dos que almejavam evoluir fisicamente, intelectualmente, e sobretudo, espiritualmente. Sob o negro e o cinza entrelaçado em fibras resistentes como aço, os membros do clã isolado da capital, fundidos à natureza ao redor, caçavam como espectros. Os usuários de terra moldavam armadilhas invisíveis sob as folhas, enquanto os que dominavam o ar, silenciavam suas flechas antes delas encontrarem o alvo.

    A caça, o treino, o estudo, até as preces; tudo servia de meio evolutivo para os Asagiri. Entre eles, não existiam fraquezas individuais, somente a força do clã… mais nada.

    Todavia, embora as linhagens daquele clã samurai fossem amplamente admiradas pela maioria dos poderosos, havia os que sofriam e repudiavam as sanções por nascerem fora dos padrões estabelecidos pelos “superiores”:

    Os triviais…


    Ainda pela manhã, o palanquim enfim alcançou a entrada do clã Asagiri. Assim que parou, os moradores começaram a se reunir, movidos pelo respeito e pela expectativa, prontos para receber seu líder.

    Mas entre tantos rostos motivados e outros apaixonados, havia quem não experimentava dos melhores sentimentos.

    — Mestre! Mestre! — Em um kimono azul detalhado por sakuras, uma moça espantada queria a atenção de um dos líderes que descia do transporte.

    — Hm, essa é uma de suas vassalas? — perguntou Nobushige, ajeitando sua ombreira rubra ao pisar em terra firme.

    O experiente de armadura negra não respondeu de imediato ao companheiro, e para sua subordinada, a demora foi ainda maior. Seu chapéu de palha já ocultava os olhos, mas ele inclinou a aba um pouco mais, como se quisesse ter a legítima certeza de que seu rosto estava escondido, um gesto simples que denunciava o desconforto. — Yuriko, o que está fazendo fora da casa? Não deveria sair de lá enquanto as análises não estivessem prontas.

    A jovem curvou-se e procurou palavras para se expressar. — Perdão, mestre… Mas as análises acabaram. O seu filho… ele…

    A frase não conseguiu ser terminada.

    Definitivamente, havia um problema entre o líder e o seu filho, algo que o veterano queria olhar mais de perto…

    Depreciada em um chalé de madeira clara iluminado pelo brilho de luminárias alaranjadas, uma mulher de meia idade vestida em um kimono que harmonizava com seus fios grisalhos estava ajoelhada diante dos dois guerreiros recém-chegados. A dor em seu semblante era tão profunda que ofuscava completamente a alegria da criança que, no começo da puberdade, divertia-se balançando uma espada de madeira no amplo espaço que simulava um dojô.

    A roupa marrom tradicional dava ao pequeno a energia vigorosa de quem sonhava ser um samurai.

    — Seja bem-vindo de volta à aldeia, senhor. Vejo que também trouxe o Senhor Yukimura. É uma honra ter a presença e a confiança de alguém da família Sanad- 

    — Conte-me logo o estado do meu filho, Senjou.

    — A-ah, mil perdões… Quanto ao estado do garoto… Durante todos esses anos, buscamos incansavelmente uma maneira de reverter a situação. Tentamos de tudo, mas já se passaram cinco anos… Não há mais nada que possamos fazer. Lamento dizer, mas para ele… não há caminho de volta.

    A revelação não tirou reações instantâneas de nenhum dos dois líderes, foi preciso um tempo até que Nobushige, conhecido pela mulher por Yukimura, olhasse o companheiro ao lado. — Que infortúnio… Um caso deveras lamentável. Dois triviais já não têm esperança de gerar um filho áurico. Um áurico e um trivial unidos possuem meros 2% de chance. Mas dois áuricos darem à luz a um trivial? Isso beira o impossível. Qualquer fim diferente seria um golpe cruel do destino… O que pretende fazer com ele agora, Matabei?

    O guerreiro da máscara preta mantinha-se em silêncio, não era possível ao menos ouvir sua respiração.

    Os presentes perceberam a energia ruim que exalava, mas a criança continuava brincando com a espada.

    — Senhor Gotou, se for necessário, posso cuidar da criança. Como solicitou, a identidade de suas esposas e herdeiros permanece completamente oculta, ninguém entre a população sabe de sua vida pessoal. Não há razão para rejeitar a existência de seu sexto filh-

    — Calada — ordenou Matabei, andando com passos fortes em direção ao próprio filho.

    — Senhor, por favor! Tende misericórdia!

    O alvo dos gritos não deu ouvidos, estava decidido a fazer o que tinha em mente; já o pequeno balançava a espada de madeira, seus pensamentos estavam distantes daquele que decidia seu destino. Seus olhos brilhavam, refletindo a felicidade infantil de imitar os guerreiros ao seu redor.

    Finalmente perto, Matabei Gotou, seu pai, o chapéu de palha e máscara preta ainda ocultava qualquer vestígio de feição.

    O silêncio prolongado tornou-se insuportável para a mulher ajoelhada e estendendo a mão. — Mestre… por favor… ele só tem nove anos! Pare-

    A prece morreu antes de se formar.

    Movendo-se como a própria sombra, uma mão calejada com dedos retos e alinhados ergueu-se, e rapidamente, atingiu lateralmente a nuca da criança que sequer sentiu a presença atrás de si; um golpe veloz e indolor.

    A lâmina de madeira caiu sobre o tatame. O pequeno corpo tombou para frente, desacordado antes mesmo de entender o que aconteceu.

    Mãos à boca contiveram mais um grito de Senjou. Yukimura, inexpressivo.

    Com a mão ainda firme, Matabei não olhou para mais ninguém enquanto a lâmpada tremulava e projetava sua sombra longa sobre o filho adormecido…

    1. Mais conhecido como “kago” em Asahi, um palanquim é uma cadeira ou liteira transportada por pessoas, usada principalmente pela nobreza e samurais para se deslocar.[]
    2. Grande quantidade de bens; riqueza.[]
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